Reportagem

Benguela: Ex-refugiados instalados no bairro da Mina pedem mais serviços sociais

Arão Martins / Benguela

Jornalista

Administração Municipal de Benguela garante que existe um programa do Governo Provincial para a instalação de mais serviços, a serem concretizados em função das disponibilidades financeiras

24/09/2023  Última atualização 11H03
© Fotografia por: Arão Martins | Edições Novembro – Benguela

"Welcome”, "Bienvienue”, "Ndenguenini”, "Murimbuangi”, "Akombe veia”. É desta forma que o Jornal de Angola foi recebido pelas famílias regressadas da Namíbia, República Democrática do Congo e Zâmbia, instaladas no bairro da Mina, zona F, em Benguela.

A saudação é feita em várias línguas. Há quem se expresse em inglês, outros em francês, lingala, mbunda e umbundo.

O acesso à localidade da Mina é feito em perfeitas condições, numa estrada asfaltada, que parte de Benguela para o vale do Cavaco, zona agrícola de Benguela, administrativamente sob jurisdição da administração comunal da Nossa Senhora da Graça.

O asfalto existe desde 2017, para facilitar o escoamento dos produtos do campo para a cidade e vice-versa.

Mina é, também, conhecida como lugar sagrado, por existirem diferentes denominações religiosas, desde a Católica, Adventista do 7º Dia, Igreja Evangélica Congregacional em Angola (IECA), Igreja Evangélica Sinodal de Angola (IESA) e a Igreja Baptista.

Quem se desloca à Mina vislumbra paisagens exuberantes, com montanhas e o verde a atrair a atenção de qualquer transeunte.

Situado a 13 quilómetros, o letreiro da Igreja Evangélica Sinodal de Angola (IESA), uma das denominações seculares, nascida na histórica vila de Caluquembe, província da Huíla, indica o bairro Boa Esperança da Mina, onde estão instaladas várias famílias regressadas da Namíbia, República Democrática do Congo, Zimbabwe e Zâmbia, que clamam por mais apoios e serviços sociais básicos.

Laurinda Calei, 47 anos, é zambiana. Uniu-se ao cidadão nacional Marcelo Calei, 65, na Zâmbia. Da relação nasceram quatro filhos, com idades entre os 16 e 24 anos. Lamentou o estado de saúde do esposo, ao ser apoquentado, há já algum tempo, de asma.

Oriunda da província de Mundrunga, na Zâmbia, Laurinda Calei explicou ao Jornal de Angola que o casal está no país desde 2009. Um regresso que parecia felicidade e alegria tornou-se em pesadelo, devido à asma que apoquenta o esposo.

Conta que a decisão de regresso do esposo ao país de origem foi muito bem recebida pela família. Mas, lamenta as dificuldades que vivem, na Mina, onde têm que recorrer à exploração artesanal de pedra para sobreviver.

 
Notícias através do programa Ngola Yetu

Devido às dificuldades, Laurinda Calei e o marido já pensaram regressar à Zâmbia, mas tal pretensão não se concretiza por falta de dinheiro.

Laurinda Calei acompanha, com regularidade as notícias em língua quimbundo, do programa Ngola Yetu, da Rádio Nacional de Angola (RNA).  Lamenta que, devido à distância, os filhos estão sem estudar.

 "As crianças não estão a estudar. Sem família cá, aliada à doença do meu esposo, a situação tende a piorar”, lamentou, afirmando que a principal preocupação é o futuro das crianças. Explicou que já venderam todos a bens, devido à doença.

 
Cavar pedras para sobreviver

Mãos enrugadas, empoeirado e a transpirar, Bernardo Cambia, 53 anos, vive da exploração de pedra. Portador de deficiência, vivia da corrida de moto-táxi de três rodas, vulgo caleluia.

Natural do município do Chongoroi, província de Benguela, Bernardo Cambia veio do campo Osiri, 75 quilómetros de Otchivarongo, Namíbia, em Junho de 2012, tendo encontrado acomodação na Mina.

Já exerceu trabalho de escalar peixe, no município piscatório da Baía Farta, em Benguela, mas acabou por desistir devido à distância. Hoje, para sobreviver, cava e amontoa pedras para comercializar. O preço varia em função do tamanho do monte, entre 5 e 11 mil kwanzas.

"Nós fomos repatriados. Alguns ficaram no Otchivarongo, Windhoek, Kakarara e outros no Bokomo”, recorda Bernardo Cambia, que defende a inserção dos regressados em projectos de agricultura. Amputado na perna esquerda, a 23 de Março de 1988, devido ao conflito armado, no Cuito, Bié, Bernardo Cambia trabalhou nas Nações Unidas.

"Quando entrei no Osiri, durante muito tempo, trabalhei com o ACNUR, exercendo a posição de chefe dos deficientes a nível do campo”, explicou, acrescentando que, com o alcance da paz, mobilizou-se os angolanos para regressarem.

Segundo Bernardo, no princípio, a promessa era de encontrar casas. "Recebemos, também, promessa de encontrar coisas que não trabalhámos”, explicou, salientando que, no início, o ACNUR disponibilizou 100 dólares para cada cidadão, até à sua reintegração na sociedade. Lamentou que as dificuldades aumentam todos os dias.


Falta escola para os filhos

Inicialmente, segundo Bernardo Cambia, houve promessas de bolsas de estudo para os filhos. Pai de vários filhos, com idades entre 7 e 22 anos, Bernardo Cambia lamentou a falta de uma escola próxima da comunidade para facilitar os estudos dos filhos. "A vida aqui é difícil. Primeiro é distante da cidade. Por outro lado, não há negócios. O dinheiro que se gasta em algum negócio perde-se num piscar de olhos”, lamentou.

A escola mais próxima do local, informou, está situada no bairro dos Calomburacos, perto da Casa, "Daqui ao Gaiato há uma boa distância”, indicou, acrescentando que, sem transporte, é um risco para as crianças. Devido às dificuldades financeiras, não consegue pagar propinas para todos os filhos. "Tenho dois filhos a frequentar aulas com normalidade em algumas escolas, onde pagamos propinas mensais. Aliado aos fascículos, sem emprego, a situação complica”, disse.

Sugeriu a abrangência do Programa Kwenda, para contribuir na melhoria da qualidade de vida, não só de cidadãos regressados, mas de toda a população que vive em condições difíceis na Mina.


Na Mina é melhor que no campo de refugiados

Benedito Nguenga Augusto veio, também, da Namíbia. Diz que viver na Mina, em Benguela, é melhor que na Namíbia, onde viviam no campo de refugiados.

Filho de pais benguelenses, Benedito Nguenga Augusto conta que nasceu na região fronteiriça entre o Rundu (Namíbia) e Cuando Cubango.

Devido à falta de apoio, preferiu desistir na 10ª classe, no município do Bocoio, para ajudar os pais na Mina. Além de explorar pedra e areia, Benedito Nguenga Augusto vive do carregamento de inertes. "A vida aqui na Mina está difícil. Conseguimos dinheiro se formos à montanha. O contrário, fica difícil”, explicou.

Carregar um camião custa entre 2 e 4 mil kwanzas. Com o valor, disse, já é possível adquirir detergente em pó (omo), água, sal e outros produtos.

 
Acolhida no lar de idosos

Maria da Conceição, 55 anos, é, também, oriunda da Namíbia.  Disse que já viveu no Rundu, Grootfontein e Windhoek, de onde saiu em 2010 para o campo de refugiados. Deixou o antigo campo de refugiados em 2012, no âmbito do repatriamento dos angolanos para as suas zonas de origem.

Natural do município do Chongoroi, Maria da Conceição, mãe de cinco filhos, foi acolhida no lar de idosos, depois de chegar a Benguela. No quadro da política de reassentamento das famílias regressadas dos países vizinhos, foi instalada na localidade da Mina.

Diz que, na Mina, a principal preocupação tem a ver com a falta de água potável. "Quando saímos da Namíbia, recebemos a garantia de encontrar uma vida melhor. Na altura, o Ministério da Reinserção Social fez um bom acompanhamento, com a distribuição regular de alimentos e chapas de zinco”, lembra.

Com as chapas, explicou, cada família construiu a sua moradia, embora de construção precária. Considera que a vida na Mina é difícil, por falta de bases para fazer negócio ou cultivar a terra. Pede que lhes sejam concedidos kits para a criação de negócios. "Somos visitas cá. Apesar de sermos de Benguela, preferimos nos instalar na Mina”, disse, salientando que os filhos que vieram da Namíbia, depois de terminarem a 12ª classe, estão com dificuldades de continuar os estudos, por falta de condições financeiras.


Construção de uma escola no local

A entrevistada defendeu a construção de uma escola no local, porque a única do ensino primário está situada na Cachiva, distante da Mina, impossibilitando os estudos dos netos. "As crianças estão em casa porque não chegam, sozinhas, à escola”, lamentou.

A falta de água para consumo é outra dificuldade vivida na Mina. As pessoas têm que gastar 50 kwanzas para ter água no bidão de 10 litros. "Cada um desenrasca”, disse, acrescentando que, se alguém ficar doente à noite, não terão onde o levar, por falta de posto médico.

Defende a distribuição de kits profissionais nas áreas de pastelaria, para criar renda nas famílias. É, também, de opinião que o Kwenda seja alargado para as famílias da Mina.

Maria da Conceição pediu a visita do governador provincial de Benguela, Luís Nunes, para se inteirar das condições de vida daquelas famílias. "Na Namíbia tínhamos água e energia eléctrica. Viver numa zona sem essas condições cria muitos constrangimentos”, disse.

Maria da Conceição é natural do Cubal, mas preferiu instalar-se na Mina. "Quando cheguei, o meu pai e mãe já não faziam parte do mundo dos vivos. Desconheço também o paradeiro dos meus irmãos, por isso estou na Mina. Não consigo viver no Cubal”, disse.

José Tchikola, 68 anos, vive na Mina desde 2008. Encontrou lugar na Mina, depois da sua casa ter sido afectada por inundações, no bairro Lixeira Baixa.

Com o seu bidão de 20 litros de água amarrado à motorizada, tem o dia preenchido para vender água. Explicou que cada bidão de água custa 50 kwanzas. Disse que adquiriu a motorizada com o dinheiro conseguido no garimpo de pedra.


Reactivação do sistema de abastecimento de água

Angelia Tchiloca, oriunda do bairro Tchipiandulo, solicita a reactivação do sistema de abastecimento de água, que já funcionava no passado. "Antes recebíamos água. Já escrevemos muitas cartas dirigidas ao Governo Provincial e estamos sem resposta”, disse, lembrando que a situação já dura desde 2008.

Para ter água, disse, é preciso dinheiro. "Sem dinheiro é sofrimento. Já falámos nas rádios, estamos à espera”, disse, acrescentando que a outra preocupação tem a ver com a distância que as crianças percorrem para chegarem à escola.

Outra dificuldade tem a ver com a falta de posto médico e posto de polícia. "Quando alguém está doente, sobretudo à noite, é impossível ir ao hospital, por causa dos ladrões. Já pedimos uma tenda para albergar a polícia e uma viatura de apoio aos doentes”, solicitou.


Lugar de recreação

Jeremias Eduardo "Pai Gerry” reside na Mina há cinco anos. Antigo morador das Tombas, Pai Gerry criou um lugar de diversão, onde colocou uma antena parabólica para os jovens acompanharem os jogos de futebol. No local montou, também, uma bandeira que simboliza a zona desportiva.

Pai Gerry criou também três equipas de futebol, denominadas Petro de Luanda A e B e TP Mazembe do Congo.

Os jogos que colocam frente a frente essas equipas e as do bairro da Graça juntam muitas pessoas. O promotor pediu a instalação de um campo, porque o único que existe está localizado no bairro Chiva, sendo bastante concorrido. "Estamos a precisar de apoio para abrir um campo”, apelou. Quando há jogos do Girabola ou da Europa, os jovens são obrigados a acompanhar todas partidas que acontecem.  


Bairro continua a crescer apesar das dificuldades

O responsável do sector da Boa Esperança-Mina, Jaime Garcia Baptista, enalteceu a união no seio da comunidade e disse que, apesar das dificuldades, o bairro continua a crescer.

Além de famílias regressadas dos países vizinhos, a localidade acolhe, também, famílias sinistradas devido às chuvas, no bairro do Capiá Ndalo, em Benguela. Explicou que a Mina é uma área de recolha de pedra. A maior parte das famílias sobrevive da venda de pedra. A área é de exploração de pedra. A zona dispõe de uma britadeira, que emprega boa parte dos jovens. "Viemos como sinistrados. As nossas casas tinham desabado no bairro Capiandalo, além de populares da Calomanga e Calomburaco, seguidamente, transferiram-nos para a Mina”, salientou.

Depois de um tempo, o bairro recebeu, também, a primeira leva de famílias vindas da República Democrática do Congo (RDC), depois da Zâmbia, Namíbia e Botswana, em 2012.

 
Bairro chegou a ter mais de mil pessoas

Electricista de profissão, Jaime Garcia Baptista, informou que, no início, foram feitos muitos lotes. Inicialmente, disse, a Mina acolheu 1.085 habitantes, incluindo os repatriados e sinistrados.

Jaime Garcia Baptista reafirmou as principais preocupações, que são a falta de água, posto médico, escola e energia eléctrica.

"Desde que cá chegamos, em 2008, estamos apenas com promessas do Governo, para nos poderem reabilitar o bairro. Continuamos à espera. Já faz 15 anos”, lamentou.

Segundo o coordenador, as famílias são obrigadas a comprar água, porque a existente é salobra. Lembra que, no princípio, as famílias recebiam água a partir de cisternas da Direcção Provincial de Águas. Depois de algum tempo, o processo parou. A Administração abriu um furo, mas a água é salobra, imprópria para consumo.

 
Criação de mais pontos de água

A criação de mais pontos de água, a construção de um posto médico, abastecimento de energia eléctrica da rede pública e uma escola do ensino primário e secundário do I Ciclo, são os pontos indicados pelo responsável do bairro como prioridade, além de uma unidade policial. Para casos de polícia, indicou, recorre-se aos bairros da Graça e Cassoco. Lembrou que, no princípio, o índice de criminalidade era alto, mas reduziu com a intervenção da própria comunidade.

Destacou a realização de competições de futebol inter-bairros e zonas, no qual participa, os bairros Calungulo, Mbupula, Calueque, Lopes, Moladi, Boa Esperança e outros.


Administração entrega kits agrícolas

Dezasseis famílias regressadas da Namíbia, Zâmbia e República Democrática do Congo, que se encontram na Mina, em Benguela, receberam, domingo, kits de fomento à agricultura, no âmbito do programa de combate à fome e à pobreza.

Os kits visam fomentar a produção agrícola e contribuir no aumento da renda das famílias.

O administrador municipal adjunto para o sector Político, Social e das Comunidades de Benguela, João Tomás, disse que, além dos cidadãos regressados, o programa vai contemplar, igualmente, cidadãos de outras comunidades. "Aproveitamos as jornadas do 17 de Setembro, Dia do Herói Nacional, para entregar os kits, que contemplam, também, os de parteiras tradicionais, agricultura e pastelaria”, disse.

Sobre as famílias regressadas, o responsável explicou que fazem da agricultura a sua sobrevivência. E, em função das preocupações que as mesmas apresentaram, atendeu-se a vertente do fomento agrícola. "A entrega dos kits visou dar resposta a uma das preocupações apresentadas pelas famílias regressadas e encontraram abrigo na Mina”, sublinhou, referindo, ainda, que as famílias serão acompanhadas pela direcção municipal da Agricultura que vai acompanhá-los e ajudá-los a trabalhar com os kits e rentabilizar os mesmos para benefício próprio.


Mais acções a favor das famílias

Relativamente às preocupações referentes aos serviços básicos reclamados pelas famílias regressadas, João Tomás garantiu que a preocupação da água está a ser equacionada.

"O bairro dispõe de furos já abertos para atender as necessidades das mesmas populações. Infelizmente a água é salobra.  Já estamos a trabalhar com a direcção de Energia e Águas para transformar a água em potável”, disse, salientando que, por enquanto, vai se assistindo essa comunidade com cisternas de água.

João Tomás disse que há, também, projectos nos sectores da Saúde e Educação. "Não temos um posto médico lá, mas existe uma equipa que, constantemente, se desloca com um carro móvel para prestar assistência e acompanhamento às famílias”, informou.

O administrador municipal adjunto de Benguela explicou que existe um programa para beneficiar, não só as famílias regressadas, mas, também, toda a comunidade da Mina.

"Além da Administração Municipal, existe um programa do Governo Provincial de Benguela e em função das disponibilidades financeiras, mais serviços sociais vão ser criados para o bem das comunidades”, disse.


Governo continua a apoiar famílias vulneráveis

As famílias regressadas da Namíbia, República Democrática do Congo (RDC), Zâmbia e Zimbabwe continuam a merecer atenção especial do Governo, garantiu a responsável do departamento da Acção Social e Igualdade do Género do Governo de Benguela, Carla Filipe.

Explicou que na sequência do processo de repatriamento dos cidadãos angolanos refugiados nos países vizinhos, muitos decidiram regressar, de livre e espontânea vontade, às suas áreas de origem.

Para os que foram a Benguela, foi feito um trabalho de localização familiar, para ver de onde eram oriundas. A maior parte regressou para os municípios de origem e os que não quiseram regressar, ficaram no município de Benguela.

Para melhor assentamento, esclareceu, o governo identificou o bairro da Mina, onde os ex-refugiados foram instalados, recebendo cada família uma parcela de terreno.

Durante seis meses, esclareceu, as mesmas famílias receberam uma cesta básica e foram encaminhadas para os ministérios da Saúde e da Justiça e Direitos Humanos, para regularizarem a documentação, tais como registo de nascimento e bilhetes de identidade. As crianças foram matriculadas na escola.

Depois dos seis meses, segundo a responsável, o Gabinete provincial continua a acompanhar as mesmas famílias, porque nem todos conseguiram emprego. "Os anos foram passando e, até hoje, vemos muitos repatriados a queixarem-se do  Estado que não ajuda, o que não é bem assim. Tudo bem que estamos num contexto que, para todas as famílias, é complicado, mas essas famílias continuam a receber ajuda”, disse.

Informou que existem famílias consideradas vulneráveis por serem doentes, idosos ou  portadoras de deficiência. Informou que o Gabinete Provincial de Acção Social e Igualdade do Género do Governo Provincial de Benguela continua a prestar apoio a essas famílias vulneráveis.

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