Reportagem

Caxito: Problemas antigos “afundam” o bairro Sassa - Cária

Edvaldo Lemos | Bengo

Jornalista

Em 1946, chegou ao pequeno bairro, que viria a chamar-se Sassa - Cá ria, um contingente de cabo-verdianos, trabalhadores nas redondezas, que construíram as primeiras casas de blocos com tecto de calha vermelha. Seguiram-se-lhes os contratados, oriundos de várias zonas da então chamada“África portuguesa”, para fazerem o corte da cana-de-açúcar e do dendém.

17/09/2023  Última atualização 08H53
© Fotografia por: DR

A Açucareira tinha três fábricas: a de açúcar, a de óleo de palma e a de sabão. Dado que os funcionários das três fábricas começaram a residir todos no novo bairro  da Fazenda Tentativa, a densidade populacional cresceu,atraindo mais gente de outras áreas. Chegaram os oriundos do Ambriz e  populações de Kicabo e   Úcua, estes em número muito mais reduzido.

O primeiro bairro a surgir na Açucareira é o Sassa Povoação, junto a vala com o mesmo nome, que nasce na bacia do Açude e desce para a região de Caxito fazendo um cinturão de água doce até ao Sassa - Cária.

Ao longo do percurso da vala de irrigação surgiram outros bairros, como Sassa Lemba, Sassa Nsano, Sassa Bucula, e outros.

No Sassa- Cária havia residências de duas tipologias. As construções definitivas com blocos e telhas viradas para a rua pertenciam aos cabo-verdianos. Era lá onde moravam os capatazes, que depois da guerra pela independência fugiram para Luanda e já não voltaram. Os angolanos viviam nas casas de capim e pau-a-pique. As construções de adobe e cobertura de chapas surgiram depois da independência.

 
Falta de água

Enquanto os bairros no corredor da vala de irrigação de Caxito desfaziam-se, os populares uniam-se no Sassa Hadya, que depois veio a chamar-se Sassa- Cária. O nome original do bairro tem origem na palavra "Hadya”, que na língua Kimbundu significa "sofrimento”. O colono português por dificuldade de pronunciar a palavra Hadya passou "Ficámos aqui. Sempre recebemos de braços abertos os outros povos que se refugiavam aqui. O Sassa sempre foi um bairro acolhedor. Para cá vieram até pessoas de Malanje, é assim que o bairro foi crescendo até hoje”, explicou António Pinto Neves.

O ancião lembra que o bairro, apesar de ser pequeno, "naquela altura”, tinha sete bares, três fábricas "e todo mundo trabalhava, todos angolanos ganhavam 12 escudos, sem ter em conta a categoria. O salário era único para todos. Depois da independência as coisas mudaram, os angolanos começaram a ganhar, mais ou menos, no caso dos homens 3.500 kwanzas e das mulheres 2.100”.

"Para o azar do Sassa, nem o colono, nem o Governo angolano colocaram asfalto no bairro. Desde aquele nome Hadya (Sofrimento) as dificuldades permanecem até hoje, é mesmo Sassa de Sofrimento. Quando chove os taxistas não conseguem entrar aqui, param logo na entrada”, lamentou o velho morador.


Educação e saúde

Com uma população estimada em 5.342 habitantes, o bairro Sassa Caria tem apenas sete salas de aula que não têm carteiras suficientes. Muitos dos alunos sentam-se no chão, outros levam a cadeira das suas residências. Uma escola definitiva, com 12 salas, está em construção há mais de cinco anos.

O bairro não tem centro médico nem posto de saúde, público ou privado. A unidade de saúde mais próxima fica a três quilómetros do bairro.

"No passado, o Sassa - Cá ria tinha um centro médico e uma casa dos enfermeiros.Um governador provincial chegou a colocar um centro médico, eu mesmo participei na construção do mesmo, mas depois retiraram o posto médico daqui e vimos a morar na casa dos enfermeiros alguém que não era enfermeiro”, salientou um morador que não aceitou ser identificado.

 
Segurança pública

De noite as ruas do bairro são escuras, não têm iluminação pública. As noites, para os moradores, servem para ficar em casa, porque o perigo espreita a quem sair à rua.

"A escuridão toma conta de cada esquina e não é possível ver quem se aproxima, o que só facilita os amigos do alheio”, afirmou Manuel Dombaxi, outro morador, que adiantou ainda que, quanto à electricidade domiciliar, "ninguém conhece o verdadeiro preço do contrato com a ENDE”, pelo que, frisou,"tem sido muito difícil estabelecer um contrato com a distribuidora de electricidade”.

"No princípio, o contrato com a ENDE era 4 mil kwanzas, agora cobram 45 mil kwanzas. Esse dinheiro para alguém que depende da enxada é complicado. Todos sabemos que um contrato com a ENDE não vai de acordo com a vida de um camponês. É difícil. Não conhecemos o verdadeiro preço da energia. Às vezes encontras a 3 mil ou a 1.500, outras vezes temos um acumulado de 20 mil. Está difícil assim”, lamentou Manuel Dombaxi.

André João Francisco, solteiro de 39 anos e pai de quatro filhos, explica que os moradores "são os polícias do bairro”, pois ajudam a combater a criminalidade.

"Quando apanhamos um bandido, chamamos a polícia. Ele fica só dois dias preso, depois é solto e ainda vem nos mostrar a soltura. Oito dias depois é apanhado a roubar outra vez”, informou, acrescentando que no bairro a criminalidade é variável. "Neste momento, o bairro está calmo, porque muitos bandidos foram levados pela polícia devido a uma onda de assaltos que se viveu aqui”.

Por falta de emprego, muitos jovens dependem completamente dos pais camponeses."As pessoas perguntam porque ficamos somente aqui sentados debaixo da árvore. Não é nossa vontade, é mesmo pela falta de emprego”, disse um desses jovens.

A designar  Cária ao bairro. O povo sofria muito para conseguir água para o consumo, daí o nome Sassa Hadya (Sassa Sofrimento).

A procura da água era o principal problema daquela povoação, como nos conta o actual presidente da Comissão de Moradores.O mais velho António Pinto Neves explica que a administração colonial abastecia água à população com camiões cisternas  todas as quartas-feiras. Os moradores ficavam com os recipientes à porta. Quem perdesse o abastecimento ficava sem água até a semana seguinte. Como solução tinha de recorrer às águas da vala do sistema de irrigação da Fazenda Tentativa.

Após a independência existiu um governador que colocou o sistema de abastecimento de água por chafarizes, com a água a sair duas vezes ao dia, deixando a população de consumir a água da vala, pelo menos para beber. Mas o sistema de chafarizes não durou muito tempo. Segundo informações prestadas ao Jornal de Angola por um funcionário da administração, que não quis que o seu nome fosse revelado, a tubagem não suportava a demanda e só dava para abastecer até Quissoma, um bairro próximo ao Sassa-Cária. Os vestígios das torneiras dos chafarizes ainda são visíveis, restando umas quantas intactas mas sem serventia. Hoje, todos consomem água da vala.

"Temos moradores que não têm casa de banho, defecam na vala e é desta vala onde tiramos água para o consumo. Não temos dinheiro para comprar água potável. Falar disso é uma situação lamentável. O bidão de vinte litros custa 100 kwanzas. Vou comprar pão e açúcar ou vou comprar água? Se tiveres uma família extensa um bidão de vinte litros não chega, então de preferência ir mesmo à vala e tirar aquela água, Deus é quem sabe onde vamos parar”, desabafou João Martins, 55 anos, ex-militar.


Autoridades prometem solução

O presidente do Conselho de Administração da EPAS Bengo garantiu, a este jornal, que o seu pelouro está a trabalhar para ver resolvido o problema da falta de água  no bairro Sassa Caria. Carlos João disse que está em curso um projecto estruturante que vai culminar com o fim deste sofrimento secular. 

"O primeiro passo consiste em ampliar a conduta 315 que passa pela Novagrolider até ao centro de distribuição que liga à zona da Açucareira. Com  execução deste projeto teremos as condições para abastecer a zona da Açucareira e do Sassa Caria. O que vai alongar um pouco essa resolução é que temos uma rede de distribuição deficitária ao longo desta zona, mas já temos um projecto para refazer as linhas de distribuição desta zona e também contemplar o bairro Oito”, garantiu o responsável.

O número um da maior empresa de distribuição de água do Bengo explicou que vai ser colocada uma conduta, que sairá da zona da centralidade do Bucula e fará um nó fechado até a zona da Açucareira. Com estes dois projectos, o responsável garante que a distribuição de água ao Sassa Caria estará em pleno até ao final de 2023, o mais tardar até aos primeiros meses de 2024.

"O que vai alongar um pouco é a conduta que vem da centralidade do Bucula, mas a conduta que sai da Novagrolider vai ajudar a acabar com o problema do fornecimento de água ao Sassa Caria”, assegurou.  

 
Bairro hospitaleiro

Em 1968 a administração colonial portuguesa, por causa do confronto com as forças guerrilheiras da UPA/FNLA, achou melhor movimentar a população do Sassa Bucula para o Sassa Caria. Apesar da intensificação da guerra, a população do Sassa Carianão abandonou o seu bairro.

"Ficámos aqui. Sempre recebemos de braços abertos os outros povos que se refugiavam aqui. O Sassa sempre foi um bairro, acolhedor. Para cá vieram até pessoas de Malanje, é assim que o bairro foi crescendo até hoje”, explicou António Pinto Neves.

O ancião lembra que o bairro, apesar de ser pequeno, "naquela altura”, tinha sete bares, três fábricas "e todo o mundo trabalhava, todos angolanos ganhavam 12 escudos, sem ter em conta a categoria. O salário era único para todos. Depois da independência as coisas mudaram, os angolanos começaram a ganhar, mais ou menos, no caso dos homens 3.500 kwanzas e das mulheres 2.100”.

"Para o azar do Sassa, nem o colono, nem o Governo angolano colocaram asfalto no bairro. Desde aquele nome Hadya (Sofrimento) as dificuldades permanecem até hoje, é mesmo Sassa de Sofrimento. Quando chove, os taxistas não conseguem entrar aqui, param logo na entrada”, lamentou o velho morador.

 
Educação e saúde

Com uma população estimada em 5.342 habitantes, o bairro Sassa Caria tem apenas sete salas de aula que não têm carteiras suficientes. Muitos dos alunos sentam-se no chão, outros levam a cadeira das suas residências. Uma escola definitiva, com 12 salas, está em construção há mais de cinco anos.

O bairro não tem centro médico nem posto de saúde, público ou privado. A unidade de saúde mais próxima fica a três quilómetros do bairro.

"No passado, o Sassa Caria tinha um centro médico e uma casa dos enfermeiros.Um governador provincial chegou a colocar um centro médico, eu mesmo participei na construção do mesmo, mas depois retiraram o posto médico daqui e vimos a morar na casa dos enfermeiros alguém que não era enfermeiro”, salientou um morador que não aceitou ser identificado.

 
Segurança pública

De noite, as ruas do bairro são escuras, não têm iluminação pública. As noites, para os moradores, servem para ficar em casa, porque o perigo espreita a quem sair à rua.

"A escuridão toma conta de cada esquina e não é possível ver quem se aproxima, o que só facilita os amigos do alheio”, afirmou Manuel Dombaxi, outro morador, que adiantou ainda que, quanto a electricidade domiciliar, "ninguém conhece o verdadeiro preço do contrato com a ENDE”, pelo que, frisou,"tem sido muito difícil estabelecer um contrato com a distribuidora de electricidade”.

"No princípio o contrato com a ENDE era 4 mil kwanzas, agora cobram 45 mil kwanzas. Esse dinheiro para alguém que depende da enxada é complicado. Todos sabemos que um contrato com a ENDE não vai de acordo com a vida de um camponês. É difícil. Não conhecemos o verdadeiro preço da energia. Às vezes encontras a 3 mil ou a 1.500, outras vezes temos um acumulado de 20 mil. Está difícil assim”, lamentou Manuel Dombaxi.

André João Francisco, solteiro de 39 anos e pai de quatro filhos, explica que os moradores "são os polícias do bairro”, pois ajudam a combater a criminalidade.

"Quando apanhamos um bandido, chamamos a polícia. Ele fica só dois dias preso, depois é solto e ainda vem nos mostrar a soltura. Oito dias depois é apanhado a roubar outra vez”, informou, acrescentando que no bairro a criminalidade é variável. "Neste momento, o bairro está calmo, porque muitos bandidos foram levados pela polícia devido a uma onda de assaltos que se viveu aqui”.

Por falta de emprego muitos jovens dependem completamente dos pais camponeses."As pessoas perguntam porque ficamos somente aqui sentados debaixo da árvore. Não é nossa vontade, é mesmo pela falta de emprego”, disse um desses jovens.

Outro clamor veio de Domingas António, mais conhecida por Mimi, solteira de 40 anos e mãe de cinco filhos. Trabalha na zunga para conseguir alimentar os filhos, cujo pai não lhes dá a mínima importância. O sonho dela é ver um dos filhos a estudar no Magistério Encaminho.

"Acordo muito cedo para comprar pão na vila de Caxito e venho vender mesmo aqui no Sassa. Faço zunga. Nasci e cresci neste bairro. No momento da chuva não temos táxi, ou os preços são muito altos. No passado, os nossos pais trabalhavam na fábrica da Açucareira e também nas lavras. A comida do campo é que nos ajudava, agora que temos filhos estamos a ver que a vida está mal”, disse.

Maria Bartolomeu abriu uma alfaiataria na casa da tia, onde procura desenvolver o seu micro negócio. Disse que recebe algumas encomendas, de onde sai o dinheiro para comprar comida e cuidar da saúde e da educação dos filhos.

 
Cemitério abandonado

O cemitério local não tem portão. O capim à volta do morro do campo santo tem um aspecto muito assustador. O local não tem segurança. Faz tempo que o guarda de lá saiu e nunca mais voltou. O cemitério está em total estado de abandono. Quem quiser realizar um funeral a qualquer hora do dia, pode fazê-lo.

O morador João Martins disse que não vai muito tempo que foi encontrado um corpo estendido à porta do Cemitério. "Uma casa sem porta, ninguém bate, quem quiser chega, entra faz o que quiser. "Há tempo encontrámos um corpo deitado, ninguém fez nada. Ligámos para a policia e o SIC mas não vimos nada. Ficou tudo assim. O corpo deitava cheiro, até que os jovens do bairro deitaram areia por cima para o cheiro passar. Tudo ficou mesmo assim. Estamos a viver o verdadeiro nome do Sassa, o Sassa do Sofrimento”.


 Administrador comunal promete dias melhores

De acordo com o administrador comunal de Caxito, "as autoridades estão a par de tudo o que acontece” naquela circunscrição e "o povo terá surpresas dentro em breve”.

"Nós não abandonamos o nosso povo, a crise que abala o país nos deixou nestas condições. O problema da água conhecerá o seu fim.  Está em curso um plano para colocar água em toda a comunidade, o Governo está a gizar esforço para que isso seja uma realidade dentro em breve”, prometeu Andrade Matoso.

Sobre a questão do Cemitério, Andrade Matoso disse que a Administração "já encomendou um portão, com as medidas exactas, para acabar com a anarquia dos funerais naquela zona”.

"O Cemitério da Açucareira faz parte da nossa preocupação. Desde que foi encerrado o Cemitério das Mabubas a população tem aquele espaço como a principal opção, mas estamos a trabalhar para que tudo seja resolvido ainda este ano”, rematou.

Edvaldo Lemos / Sassa - Cária

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