Reportagem

Complexo Escolar Mártires do Uganda: Símbolo de inclusão de alunos com necessidades educativas especiais

Joaquim Suami

Jornalista

O Complexo Escolar Mártires do Uganda (CEMU), localizado no distrito urbano do Benfica, Luanda, guarda memórias inesquecíveis. Em 22 anos de existência, contam-se histórias de vida, que transformaram o modus vivendi de dezenas de alunos com necessidades educativas especiais.

19/11/2023  Última atualização 07H00
© Fotografia por: Francisco Lopes | Edições Novembro

O CEMU alberga no presente ano lectivo, mais de 120 alunos com necessidades especiais educativas, na sua maioria surdos, cujas idades rondam dos 7 aos 23 anos. Distribuídos pelo ensino primário e secundário, acresce, também o grupo que frequenta o ensino médio técnico no curso de Gestão de Sistemas Informáticos.

Inaugurado no ano 2001, o Complexo Escolar Mártires do Uganda iniciou as suas actividades direccionadas para o ensino especial, em 2003. Três anos mais tarde, isto é, em 2006, implementando o ensino inclusivo, em que os alunos com necessidades educativas especiais, frequentam salas com estudantes normais.

Dos 1.800 alunos matriculados no Complexo Escolar Mártires do Uganda, desde o início do programa de ensino especial, em 2003, mais de 16 estudantes terminaram o ensino médio técnico, no curso de Gestão de Sistemas Informáticos, de acordo com o professor e coordenador do ensino especial, Guilherme Ncuela.

O docente disse que o ensino inclusivo permitiu que os alunos com necessidades educativas especiais pudessem partilhar o mesmo estabelecimento escolar, com os alunos ouvintes ou normais. "Com a implementação deste sistema, os preconceitos e os complexos de inferioridade deixaram de existir, os alunos surdos e normais tornaram-se numa só família”, afirmou.

Guilherme Ncuela acrescentou, ainda, que o ensino inclusivo permite que os alunos com necessidades educativas especiais compitam de igual para igual com os normais. "Tem sido uma excelente experiência. Aliás, os alunos surdos fazem a mesma prova que os normais”.

O ensino inclusivo começa a partir da 7ª classe e estende-se até a 13ª. Os alunos com deficiência auditiva (surdos) e os ouvintes (normais), estudam na mesma sala, com a presença de dois professores, ou seja, um é intérprete gestual, e o outro, é o titular da disciplina”, referiu.


Administração dos conteúdos

Segundo o coordenador do ensino especial, no Complexo Escolar Mártires do Uganda, Guilherme Ncuela, os conteúdos ministrados para os alunos surdos são os mesmos utilizados para os normais ou ouvintes, o que tem estado a afectar negativamente o processo de ensino-aprendizagem.

"O Ministério da Educação continua a disponibilizar conteúdos para alunos ouvintes, ou seja, os livros que recebemos são dirigidos a alunos normais. Agora, para os surdos, temos feito uma adaptação para termos matérias a ensinar. Também, deveríamos receber conteúdos dirigidos a surdos”, disse.

De acordo com Guilherme Ncuela, existem conteúdos que um aluno surdo dificilmente consegue entender, sobretudo, no que diz respeito às palavras homófonas e à divisão silábica.

"O aluno espera até sete anos para entrar no ensino especial. Primeiro, trabalhamos a língua caseira, para depois aprender a língua gestual. A partir daí, ele aprende língua portuguesa, como segunda língua. A língua gestual é ministrada durante seis anos, numa sala de ensino especial”, disse.

Acrescentou que o objectivo da instituição é ensinar o aluno surdo a aprender a língua portuguesa, para que se torne o seu idioma de trabalho bem com usá-la no dia a dia.


Ensino superior sem condições

Se a frequência do ensino médio é uma barreira vencida para muitos, mas  no caso dos alunos com necessidades educativas especiais, o mesmo não se pode dizer. Com alguma tristeza, o gestor escolar revelou que cinco alunos surdos, formados em Gestão de Sistemas Informáticos, não ingressaram no ensino superior, por não existirem nessas instituições professores intérpretes.

"Infelizmente, as universidades do país não estão preparadas para acolher os alunos surdos, ou seja, os que nasceram com surdez. Houve alunos que tiveram 17 e 18 valores, mas por falta de condições, acabaram por ser lavadores de viaturas e garçonetes de restaurantes”, realçou.

Guilherme Ncuela  referiu que  a maioria dos alunos surdos não faz leitura labial, e os que conseguem  são os que perderam a audição, ou seja, alguém que, durante cinco ou sete anos, falava, e por motivo de doença, perdeu a capacidade auditiva. Enfatizou que  os alunos que perderam a fala  conseguem fazer a leitura labial.

O mesmo  já não acontece com os alunos que nasceram com a surdez, e não têm a noção do som. "O aluno que nasceu surdo  não pode entrar na universidade sem um intérprete, por isso, é que, quando terminam o ensino médio, ficam em casa, sem fazer nada”, lamentou.


Satisfação dos alunos

A reportagem do Jornal de Angola  ouviu alguns depoimentos de alunos que frequentam o Complexo Escolar Mártires do Uganda (CEMU). José Vidal  tem 18 anos e não tem problemas auditivos. É um aluno normal. Disse que a sua relação com os colegas surdos tem sido de paz e de amor.

"Quando entrei nesta instituição, nunca imaginava encontrar na turma colegas com necessidades educativas especiais. A implementação do ensino inclusivo  tornou-nos como uma só pessoa. Já estou acostumado, até porque, os professores têm ajudado a compreender a linguagem gestual na sala de aulas”, disse.

José Vidal  disse que o processo de aprendizagem tem sido acompanhado por intérpretes, professores e colegas que dominam a linguagem gestual. "Os nossos colegas surdos, mesmo com debilidades de audição, têm tido aproveitamento salutar”, disse, referindo que, no Mártires do Uganda não existe preconceito com os alunos surdos.

 "Aqui, todos somos iguais, independentemente das debilidades auditivas que possuem e temos aprendido muito com eles”, afirmou. Maria João, 23 anos, é surda. Reside no bairro do Benfica, com a tia. Na conversa gestual e com o apoio de um intérprete, disse que não tem tido dificuldades em conversar com os colegas normais ou ouvintes.

"Todos somos uma família. Aqui, não existe preconceito no seio dos alunos . Gosto de estudar aqui e quero continuar a estudar informática, até ingressar na universidade”, disse. Anderson, 21 anos, vive no bairro Camama II. Ingressou no Complexo Escolar Mártires do Uganda, desde tenra idade, e hoje está a frequentar a 8ª classe, numa turma inclusiva.

"A escola é excelente, e espero que a mesma continue a crescer em termos de infra-estruturas e profissional”, referiu. O Complexo Escolar Mártires do Uganda tem a capacidade de albergar 1. 200 alunos, com um total de 22 salas de aulas.

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