Entrevista

“Deixei de ir à missa para ser dirigente”

Honorato Silva

Jornalista

Aos 84 anos, Armando Augusto Machado, vencedor do primeiro processo eleitoral realizado em Angola enquanto Estado, como faz questão de sublinhar que é a Federação Angolana de Futebol (FAF) a pioneira da democracia participativa no país, concedeu há sensivelmente dois meses uma entrevista ao Jornal dos Desportos.

30/12/2023  Última atualização 10H00
Armando Augusto Machado, 1º- presidente Federação Angolana de Futebol (FAF) © Fotografia por: Edições Novembro
Falou da infância, no passado colonial, do Atlético de Nova Lisboa, clube fundado pela família, do gosto pelo canto na meninice, da fuga do Huambo, por medo de Jonas Savimbi, e, dentre outros temas com interesse exponenciado pela sua eloquência, da inaptidão de Artur Almeida e Silva, na condução dos destinos do futebol. Vamos embarcar nesta viagem! 

Jornal dos Desportos – Onde nasceu essa veia para o desporto, sobretudo no dirigismo desportivo?

Armando Machado – Bem! Em primeiro lugar, os meus agradecimentos ao Jornal dos Desportos. Muito obrigado Honorato, pessoa que conheci jovenzinho, numa viagem que fizemos à Côte d’Ivoire. Fiquei muito feliz, quando soube que foi nomeado para dirigir o Jornal dos Desportos, que era no fudo a minha paixão, essência de vida. Porque antigamente, isso ainda no tempo colonial, um dos primeiros clubes que surgiu na cidade de Nova Lisboa, hoje Huambo, era o Atlético Clube de Nova Lisboa. Foi criado pelo meu pai e os meus tios. Eram sete irmãos. Os irmãos Machado, donos do África Hotel, da fábrica de sabão Irmãos Unidos e de vários estabelecimentos comerciais. Eu, como filho do fundador; o irmão mais velho desta família, fui andando com o Atlético de Nova Lisboa, até que aos 18 anos de idade nomearam-me presidente do Conselho Técnico do clube. Eu não contava com isso. Então o que é que eu fiz?! Como aos domingos ia à missa, e  deixei de ir  para jogar futebol nos juniores, deixei de ir à missa e deixei de jogar futebol, para ser dirigente do Atlético de Nova Lisboa. 

Esta mudança de atleta para dirigente deu frutos ao clube? 

O Atlético cresceu. Foi grande. Campeão de Angola de basquetebol. Disputou várias provas a nível nacional de futebol. Fui andando sempre no dirigismo desportivo, mas por trás de mim tinha outro dirigismo, que era o empresarial. Foi isso que me levou, efectivamente, a ser o homem que eu era há uns anos, que hoje estou velho! Era um dirigente desportivo com "empresariamento” assumido pela mesma pessoa.

Mas a Independência acabou por mostrar que a semente do dirigismo lançada à terra tinha brotado…  

Bem! Quando Angola se torna independente, eu resolvo criar o Petro Atlético do Huambo. Mantendo a mesma cor dos equipamentos: calções pretos, camisola preta e branca, às ricas, que eram do Atlético. Mantendo o mesmo emblema. Só que invés de ser ACNL (Atlético de Nova Lisboa), meti-lhe uma torre de petróleo. Perguntei ao camarada Hermínio Escórcio, qual era o nome que ele queria dar ao Petro de Luanda, e ele disse-me Atlético Petróleos de Luanda. Pronto! Respondi: Então, o Petro do Huambo vai se chamar Petro Atlético do Huambo, que é mais fácil de pronunciar que Atlético Petróleos. Mais tarde, eles começaram também a utilizar Petro Atlético de Luanda. Mas são Atlético Petróleos de Luanda. E os meus cartões, que eu os mostrei há pouco, provam bem a essência de tudo isso. Também mostram que, efectivamente, o meu cartão de presidente é de 5 de Janeiro de 1980, e o Atlético Petróleos de Luanda é de 13 de Janeiro de 1980. E daí tornei-me um dirigente desportivo. Eu era o delegado regional da Sonangol no Huambo, Bié e Cuando Cubango. Era o homem que tinha a responsabilidade de fornecer combustível aos cubanos, para a guerra de defesa da soberania de Angola. Eu fazia o abastecimento do combustível com camiões, que nunca falharam. O Huambo teve sempre combustível.

Isso representou algum ganho para o Petro Atlético do Huambo?

Tornou-se num grande clube. O primeiro a discutir com o 1º de Maio, em 1982, uma final da Taça de Angola. Que estava a ganhar 1-0 e perdeu por 2-1. Com o Manecas Leitão a guarda-redes e o Arlindo Leitão como treinador. Esta é a história final do Petro do Huambo. Entretanto, a nível da estrutura da Sonangol no Huambo, Bié e Cuando Cubango, abandonei o cargo, por motivos que não interessam hoje. Quando ligo para o Hermínio Escórcio, a dizer que acabou para mim a Sonangol, ele disse: Já devias ter feito isso há mais tempo. Afinal ele queria agarrar-me para o Petro de Luanda, e eu não sabia, porque eu era chefe de divisão na Sonangol, e pensava que iria ocupar o cargo, na Distribuidora, de chefe de divisão. Quando cheguei aqui, a divisão que ele me arranjou foi o Petro Atlético de Luanda.

(Risos) O embaixador fez-lhe alguma exigência, ao confiar a tarefa?

Ele disse-me: vais pôr aquele clube direito. Eu sei que tu és capaz. O Hermínio Escórcio era meu amigo, do Huambo, porque o tio dele, Trindade Escórcio, grande extremo esquerdo de futebol, era um homem que jogava no Atlético de Nova Lisboa, e o sobrinho ia do Lobito para o Huambo passar férias com ele, e conheceu a família toda Machado. Conheceu-me a mim e passou sempre a existir uma grande amizade. Quando eu venho para o Petro de Luanda, que era um clube alimentado pela Sonangol, mas não tinha um vice-presidente. Eram todos vogais, com um presidente. Quem era o presidente? Engenheiro António Mangueira. 

Poder total no futebol do Petro de Luanda
E o que mudou concretamente na estrutura da direcção, com a sua chegada?

O Mangueira me pede para ajudar o Petro a ser um clube grande, pois o clube grande era o 1º de Agosto. Eu disse está bem, eu ajudo. Mas tens de criar vice-presidências. Fizeram uma assembleia-geral e criaram a vice-presidência do Futebol e a vice-presidência dos Desportos. Não preciso datas. Isso a mim já me escaparam. Muito provavelmente foi em 1985. O engraçado, antes de ser vice-presidente, pedi que cobrissem o Eixo Viário. Aquilo era uma placa. Que levantassem uma sala. Aí fui buscar o equipamento à Europa e fizeram a sala de material desportivo. Aquilo era uma loucura. Mas uma loucura.

Começou a gestão no clube com exigências notáveis…

Eu disse: Agora, para ser vice-presidente e poder fazer aquilo que quero, preciso de três estações de serviço. Então entregaram-me a do 1º de Maio, foi eu quem fez as obras, e mais duas, uma delas no José Pirão, e outra a caminho do São Paulo. Criei uma empresa, com a autorização da direcção do clube. O engenheiro Mangueira deu-me todos os poderes para o Futebol. E eu, uma vez que o Petro pagava as despesas todas, com esse dinheiro fui buscar o Lúcio, ao Sporting de Luanda. Toda a gente disse que eu era louco, porque ele, no último campeonato, tinha sofrido muitos golos. Fui buscar o Santo António, ao Progresso, e o Quim Sebastião, à Huíla. Depois arranjei outros indivíduos, aqui a nível de Luanda. Criei a equipa que ganhou o primeiro campeonato, com Carlos Silva/Carlos Queiroz. Depois chegou o grande treinador brasileiro (António Clemente), que ganhou também dois campeonatos. Como ele se foi embora, apostei no Queiroz, que começou com Clemente, e ganha um campeonato. No ano seguinte volta a avançar o Queiroz, que a direcção não queria. Eu disse: ou ele fica, ou eu saio. E então o Carlos Queiroz agarrou na equipa e ganhou o quinto campeonato.

Aqui estamos já no célebre penta…

O primeiro clube de expressão portuguesa a ser penta-campeão. Dois anos antes do Porto. Era para ficar mais tempo. Eu disse que fico aqui mais três anos, para a gente ganhar mais um título. Acertei com a direcção e a Assembleia-Geral. Entretanto, o indivíduo que era meu adjunto, o falecido Totoi Monteiro, numa digressão que o Petro faz à Lunda-Norte, ao intervalo diz: meus amigos, eu vou ser o futuro substituto do Armando Machado, porque ele tem um problema. Vendeu o Abel e o Saavedra, ao Benfica de Portugal, e o dinheiro ficou para ele. E eu, quando os jogadores chegaram, depois de ganharem, contaram-me a história. Imediatamente pedi uma assembleia-geral, com a presença de três ou quatro jogadores e do treinador. E eles confirmaram tudo, à frente do Totoi Monteiro, que continuou no clube, eu, saí do Petro! Mas, Totoi Monteiro não ficou no meu lugar. Elegeram outro indivíduo. Nos dois anos seguintes, o clube perdeu o título para o 1º de Agosto. 

Com aquilo abandonou o desporto, o futebol em particular?

A Federação Angolana de Futebol recebe um documento da população do Huambo, a pedir para eu me candidatar. E entregam-me o documento, que eu agarro, leio e meto na gaveta. Disse que acabou para mim o desporto. E volvido algum tempo, um dia aparecem em minha casa, elementos da Rádio Nacional de Angola, com o Manuel Rabelais à frente, a pedir para eu me candidatar. Nunca tinha havido eleições em Angola. 

Gostaríamos que regressássemos à sua Nova Lisboa natal, para lembrarmos umas coisas da infância.

Posso lembrar. É linda! Sabe quem é o Pepino? O Pepino nunca tinha corrido. Andava de motocicleta. A primeira bicicleta que os Machado compram para o Pepino era de marca Origan. De corridas. E o Pepino ganha a primeira prova, Huambo/Bailundo/Huambo. E aí começa a nascer o Pepino. Ele torna-se no Pepino, quando vai fazer o trajecto Huambo/Benguela. E mais tarde fez Benguela/Luanda. No tempo colonial! Era empregado do Caminho de Ferro de Benguela, e viveu muitos anos no Huambo. Ele e o antigo árbitro João Madeira jogaram futebol no Atlético de Nova Lisboa. Pepino foi defesa direito. Jogou pela Selecção do Huambo.

Que desportos praticou no Atlético de Nova Lisboa?

Futebol e natação! Fui interior esquerdo. Também estive no automobilismo. O primeiro Lotus Peach que veio para Angola foi eu quem trouxe. Depois ofereci à minha filha mais velha. Portanto, no primeiro rali Huambo/Cuando Cubango/Huambo, com a prova na cidade, participei. Era uma cidade com tradição no automobilismo, daí as "Três Horas do Huambo” e mais tarde as "Seis Horas do Huambo”.

Como foi que perguntou ao pai o que lhe tocava da herança?

O Machadinho, de jovem, muito jovem, antes de ir para a Portugal estudar, tinha um instinto empresarial. Como queria ser um grande empresário, um dia virei-me para o meu pai e disse: oh pai, posso lhe fazer uma pergunta? E ele: diz-me, filho! Diz-me! Quando o pai morrer, quanto é que toca para mim? O meu pai ficou bravo, zangado. Chamou a minha mãe. Oh Palmira, olha aqui o que é que o teu filho está a dizer! A minha mãe ficou pesarosa. Disse logo, ai, meus Deus! Então tu vais fazer uma pergunta dessas? Tinha os meus 17, 18 anos. Em resposta, eu digo à minha mãe: aié, o pai fez isso?! Vou-me embora para Portugal. A minha mãe foi acompanhar-me de comboio, até ao Lobito. Apanhei o navio Uíge, para Portugal. 

Fuga do Huambo por medo de Savimbi
Para onde foi, quando chegou à metrópole? 

Lá fui para a Casa dos Estudantes do Império. É aí que conheço o Lúcio Lara, conheço o camarada Presidente Agostinho Neto. Aí começo a beberricar MPLA. E quando regresso, sou um indivíduo filho do Huambo, com bens todos do Huambo. O Jonas Savimbi, que tinha sido meu recruta na Mocidade Portuguesa, um dia vai ao MPLA, falar com Joaquim Kapango, e vira-se para mim e pergunta: estás aqui?! Eu disse, estou. E ele, depois falamos. Porquê! O Gilberto Lutucuta era condutor do carro. A gente ia comemorar o 4 de Fevereiro. Púnhamos uma placa, os homens da UNITA tiravam. Púnhamos outra, a UNITA tirava. Isso naquele período de transição para a Independência.

Qual foi o desfecho da disputa do espaço da placa?

Como disse, Jonas Savimbi tinha sido meu recruta. Eu tinha vindo de Portugal já com a tropa feita. Fui instrutor dele, na Mocidade Portuguesa. Eu é quem lhe dei os primeiros passos. 

Mas vocês tinham a mesma idade?

Não. Ele era mais velho que eu. Mas, antigamente, havia casos em que as pessoas iam mais tarde à tropa. Quando se deu aquela situação, fiquei com medo. Fui ao quartel, identifiquei-me como militar português e disse quero ir para Luanda. E disseram-me vai connosco, por que a gente vai retirar as tropas do Huambo. No entanto, as tropas portuguesas chegaram à Cela e entregaram-me à UNITA. Começaram a bater-me, com as cintas dos tambores. A mim e a um indivíduo que era da Direcção de Finanças do Huambo. 

E como conseguiu safar-se dali?

Bateram-me, bateram-me, até que veio um miúdo, um jovem, que disse: ninguém toca neste senhor! E aí pararam de me bater. Ele pediu-me para olhar para ele e perguntou-me se o conhecia. Eu disse que não. Também depois de levar porrada iria lá reconhecer alguém. De seguida diz: eu sou filho do Caquarta. Quem era o Caquarta? Defesa central do Atlético de Nova Lisboa, que os meus pais tinham levado para o Vitória de Setúbal! Era o pai desse jovem Borges, oficial da UNITA. 

Depois, voltou a ter contacto com o filho do Caquarta?

Entretanto, as coisas mudam. Eu vou para o Parlamento e fico à espera que o Borges entra em Angola. Então falei com o Gato, que era secretário de Jonas Malheiro Savimbi. Eu queria apresentar o Borges, na Assembleia, como a pessoa a quem devia a vida, por me ter libertado daquilo que a UNITA me estava a fazer. Infelizmente não foi possível. O Borges caiu numa mina. Morreu com a família toda. O Caquarta jogou com o Pepino.

 Ainda na infância há o registo de ter participado num concurso de canto…

Antigamente, no dia 1 de Dezembro, Dia de Portugal, em alusão ao golpe dado ao domínio espanhol, havia um espectáculo que se dava no Cinema Ruacaná. E eu, que cantava bem, ia cantar. Pedi à minha mãe para me dar umas calças compridas e uma camisa de mangas compridas. E a minha mãe disse: ahhh, não dou nada, já tens muitos calções e tens muitas camisolas! E não deu. Quando o locutor apresenta o tenor Armando Machado, eu entro, com uma camisa às ricas, de calções e de sapatos keds. Subo ao palco e disse: meus senhores, vou cantar "Ó meu amor, minha linda feiticeira”, de Alberto Corado Ribeiro. E abri a garganta e cantei: "Ó meu amor/Minha linda feiticeira/Eu daria a vida inteira/Por um só beijo dos teus/Por teu amor/A minha vida era pouca/Para beberes da minha boca/Um beijo de eterno adeus”.  

E como reagiram ao desempenho do tenor Armando Machado?

Os meus pais estavam enterrados na cadeira cheios de vergonha. Aí o povo todo levantou-se, começou a bater palmas, palmas. Depois ficaram sentados normalmente. Entretanto, veio um elemento do governo, ter com os meus pais, dizendo que o governador queria falar com o meu pai. O governador perguntou ao meu pai: o senhor é o pai do tenor? O meu pai disse sou. Aí o governador diz: ele tem de ir para a Itália, o governo cobre, para educarmos aquela voz, porque não a pudemos perder. O meu pai disse que iria falar com a família, para ver o que dava. Então chegou, todo cheio de peito, pois o governador chamou, porque o filho tinha cantado bem. Ele já era o pai do tenor. A verdade é que acabei por não ser tenor. Acabei por não voltar a cantar. E acabei por ir para o dirigismo desportivo e para o empresariado local, onde me tornei, efectivamente, um grande empresário. E o fruto de tudo isso, ofereci, no pós-Independência, ao Governo de Angola. 

Mas que bens entregou ao Governo?

Conforme reza aqui o documento, fiz uma entrega voluntária e gratuita. E o meu sócio, fez-me uma carta de Lisboa a dizer: "você é um homem de uma nobreza de carácter muito grande. Não se aproveitou ficar com a minha quota, e entregou ao Estado de Angola”. Depois é que criei as Organizações Cosal, e importei as primeiras viaturas Hyundai. Na altura 600 unidades. Fui pedir dinheiro ao Banco Nacional de Angola, 65 milhões de dólares. Eu não tinha 1 dólar. E o Sebastião Lavrador, que era o governador do banco, me disse: porquê que não importas 1200? Eu não aceitei.

 Levou quanto tempo para pagar o empréstimo?

Três meses depois, paguei-lhe os 65 milhões. Ele pagou ao Paribas de Paris, e o Paribas pagou à Hyundai. Mas como os carros só custaram 1800 dólares, eu comecei a vender carros a 3600 dólares. É assim que ganho 75 milhões de dólares. Entretanto, há um barco que vem da Coreia, com 1400 carros, vai para um país africano, que entra em guerra. No regresso do navio, ligam para nós a saber se não queríamos ficar com as viaturas. Eu disse-lhes que já não tinha dinheiro, ao que responderam: vocês pagaram essas, merecem toda a confiança! Meteram-me aqui 1400 viaturas, a crédito. As Organizações Cosal pagaram imediatamente e aí tornei-me num empresário de facto. Mas devo a ajuda de Sebastião Lavrador, fundador do Banco Sol.

"Fui chamado à Federação pelo povo do Huambo”
E aqui chegados, fale-nos como foi a entrada para a Federação. Já disse que foi aclamado…

Meses depois de eu não ter respondido ao pedido da população do Huambo, para  me candidatar, houve uma segunda abordagem feita por profissionais da RNA, liderados por Manuel Rabelais, que disseram que me davam todo o apoio. Eu candidato-me e ganho as primeiras eleições realizadas em Angola. O meu concorrente era o Daniel Simas. Só teve um voto. Eu tive 14, em 18 províncias votantes, mas só 15 apareceram para votar.

Foi uma vitória por números muito expressivos…

Sim. Certamente foi consequência do trabalho que tinha feito no Petro do Huambo, que passou para Luanda. Tornei-me penta-campeão, e esse conjunto deu origem a que, efectivamente, pudesse candidatar-me e ganhar as primeiras eleições uma vez realizadas no país. Mas, o engraçado é que quando ganho as eleições, em que esteve presente o Marcolino Moco, muita gente foi ao Grupo Desportivo da Banca, ali a subir à Cidade Alta, saudar-me.

Como foram os primeiros passos, para organizar a Federação?

Desloquei-me a todas as províncias e falei com os presidentes das associações. E, a comunicação social, apoiou-me neste evento, de modo que foi fácil ganhar as eleições. Mas quando ganho, tínhamos de ir jogar fora, e todos os atletas disseram que só iriam se o prémio fosse 400 dólares. Eu não tinha 1 dólar na Federação. Então chamei o Arlindo Leitão, e disse-o para convocar os jovens. E assim fomos e ganhámos 1-0.

A vitória deu-lhe a legitimação que precisava?

Claro! Depois da vitória, sentei-me na cadeira e disse: agora aqui quem manda sou eu. E  os jogadores, que eu pus de parte, vieram todos ter comigo, para serem reabilitados e reintegrados na Selecção. Estava o Lúcio, o Amaral Aleixo, o Ivo Traça e tantas outras referências da época. Tive de impor-me. Aí lançámos as bases, para dois, três anos depois, com Carlos Alhinho, começarmos o percurso que nos levou ao nosso primeiro CAN, em 1996, na África do Sul, e ao segundo, em 1998, no Burkina Faso, com o Professor Neca.

Sentiu-se injustiçado, pela forma como deixou a Federação?

De certa forma sim! Eu tinha feito todo um trabalho. Tinha feito a grande selecção de Angola. 

Com que dinheiro construiu o Hotel Palanca Negra?

O doutor João Havelange leva-me um dia a um encontro com o presidente da Sagres, a quem pedi fatos, porque queríamos ir bem vestidos às viagens. Aí o homem da Sagres virou-se para mim e disse que eu era o primeiro presidente de uma federação que via que não queria dinheiro. Só queria fatos. Mas você não quer dinheiro? Perguntou o homem, que a seguir  disse, algo desafiador: e se lhe desse cerveja? Eu respondi ai quero, porque vou fazer propaganda à Sagres. Eu tenho ali um casaco ainda com o emblema da Sagres.

 Pelos vistos encontrou um patrocinador…

Exactamente! Ele perguntou-me quanto tempo demorava a construção do hotel. Eu respondi, 15 meses. Deu-me um contentor mensal, de 40 pés, de cerveja. Montei um balcão na Cidadela, e comecei a vender cerveja. A própria Cuca não tinha cerveja. Então, vendo aquela cerveja, a bom preço, ganho dinheiro, construo e mobilo o hotel. Compro os ar-condicionados, faço 64 quartos, cinco suites para árbitros. Inauguro o hotel com o Presidente da República, José Eduardo dos Santos, que aí me convida para ir ao Parlamento, por quatro anos, só que fiquei 16. Tinha o respeito de toda a gente. O povo todo começou a apoiar-me. O futebol do país desenvolveu-se de uma forma tremenda. 

Isso foi, de alguma forma, o preparar das bases para o sucesso registado depois…

Perfeitamente! Eu queria me recandidatar. E só não me recandidato, porque me vêm pedir para eu não me recandidatar. 

Mas não nos disse ao certo o que o levou a não avançar a candidatura. Pode nos dizer?

Prefiro não falar disto! Por uma questão de princípio e de respeito à pessoa que me veio pedir para não me recandidatar, porque queriam lá o Justino Fernandes. Eu não quero falar disto.

Os presidentes que o sucederam na Federação enfrentaram todos ambientes de contestação. Encontra alguma explicação?

Quem me substituiu foi o Justino. Foi contestado no final. Depois chegou o Pedro Neto, que eu apoiei para presidente da Federação. Tinha sido jogador do Ferrovia do Huambo. Eu o conhecia daí como desportista. Também saiu mal. Agora está o Artur, que me considera promotor e apoiante da candidatura dele, sem me ter falado. Neste momento, posso te dizer, que efectivamente, o Artur não é um bom presidente.

Porquê que não é um bom presidente?

Porque a partir de uma determinada altura, as pessoas candidatavam-se à Federação para ganhar nome, uma expressão social, que servia de base para atingir outros lugares. Só por isso!        

 No seu mandato não havia tanto dinheiro, no entanto conseguiu pôr a competir todas as selecções nacionais…

Não têm uma fábrica de dinheiro como era o Hotel Palanca Negra. Que quando havia andebol, a nível africano, ficavam lá todos e pagavam. Quando havia basquetebol, a mesma coisa. A FIFA não  dava os milhões que dá hoje, mas tinha muito carinho por mim. Davam-me  equipamento desportivo. Aliás, foi por isso que me vieram buscar, num jacto privado, quando tive o acidente, para ser tratado nos Estados Unidos, a pedido de João Havelange.

A vossa geração de dirigentes passou bem o testemunho?

Nós passámos! Mas vou lhe dizer: Se tivesse havido eleições livres, quando eu não me recandidato, não sei se o Justino ganhava. Ele vinha de ministro dos Desportos. 

Que buscou dizer na verdade com a tirada cantava melhor que Pavarotti?

Foi um colega seu, que me convidou para uma entrevista, na Rádio Nacional de Angola. Então ele olhou-me fixamente e perguntou se me podia fazer uma pergunta. Apenas uma. Eu disse que sim. Foi aí que ele atira: o que  o senhor faria se lhe dessem 20 milhões de dólares? Eu disse não estou a perceber! O que isso quer dizer?

E teve a resposta do jornalista?

Sim. Ele soltou-se todo. Não sabe?! 20 milhões de dólares foi aquilo que o Governo deu ao camarada Justino, só para treinos da selecção, e nós sabemos que você não recebeu dinheiro do Estado e fez o hotel e uma série de coisas. Eu disse, eu fazia coisas lindas. 20 milhões? É muito dinheiro! E ele pedia para eu dizer o que é que fazia. Aí apercebo-me que a intenção era levar-me a falar do Justino. E eu por norma não falo. Então digo: eu, com 20 milhões de dólares?! Cantava melhor que o Pavarotti. Depois fazem uma montagem, e põem a rolar várias vezes, durante muitos meses. Deixei de me chamar Machadinho, Armando Machado, Armandinho, presidente, deputado, enfim. Passei a ser o Pavarotti. Daí as senhoras, que passaram aqui à porta de casa, terem perguntado se eu canto. Eu disse não, eu encanto! 

"Faltou dinheiro para vencer  as eleições na CAF”
O sonho da presidência da CAF foi bom para o futebol angolano?

Foi uma série de países que me incutiu isso, porque eu era membro da FIFA, como presidente da FAF. 

Mas fez um estudo e viu que tinha condições de tirar Issa Hayatou do cargo?

Completamente. Faltou dinheiro. Digo que um milhão de dólares. Não tenho dúvidas nenhumas, que se me tivessem apoiado com esse dinheiro, que depois poderia repor, ganhava as eleições. 

Só que a prática mostrou que perdeu de forma copiada…

Sim! Não tive o apoio para segurar as 14 federações que garantiram o apoio. Nessas coisas há sempre a contrapartida do dinheiro. Esses dirigentes viram as minhas intervenções nas reuniões da FIFA, e estavam comigo. Mas queriam algum. Na altura Angola não tinha dinheiro.

Em 1993 o seu elenco federativo conseguiu organizar o campeonato, com o país a sair do conflito pós-eleições…

Vamos lá ver. A experiência de vida e experiência de dirigismo desportivo, a veia empresarial da pessoa, fazem com que um homem tome decisões para colocar as coisas nos seus carris. Era isso que eu tinha. Era um indivíduo de pulso, que assumia. Tinha uma boa direcção. Cito nomes. O Manuel Costa, que era do Ministério do Trabalho. Irmão do Rui Costa. O João Lara, o Victor Barros. O Rui Falcão Pinto de Andrade, o Diógenes Boavida. O árbitro João Madeira. Eu tinha um elenco bom, que também me aconselhava. E eu era um indivíduo destemido, ponderava bem e fazia. Tinha ainda o Amílcar Silva, que era o presidente da Assembleia-Geral. 

A institucionalização da Supertaça Armando Machado seria um justo reconhecimento, por tudo que deu ao futebol?

Sim. (risos) Mas isso não depende de mim. Nem eu quero que as pessoas pensem que eu quero ter o nome dado à prova, ou ao troféu.

Partindo do pressuposto que as pessoas devem ser reconhecidas em vida…

Isso é que deve ser! Eu acho que efectivamente eu merecia um apoio mais forte, por parte do dirigismo desportivo, porque por parte dos homens que falam e escrevem sobre desporto, eu tenho este apoio. Agora o dirigismo desportivo, que dá origem a essas distinções… Não sou eu que me vou fazer ao reconhecimento. A Palmira Barbosa, foi minha atleta! A ministra anterior, Ana Paula do Sacremento Neto, foi minha atleta. Elas estavam no Petro e viram o que fiz pelo clube. Há reconhecimentos que dependem das pessoas que dirigem o desporto. O certo, é que da mesma forma que existe Pavilhão Victorino Cunha, existe o Estádio Ndalu; de mim ninguém quis saber. O povo, esse é meu amigo. 

CORTE NO ORÇAMENTO DO CLUBE
"O 1º de Agosto faz falta ao país”

O 1º de Agosto está a atravessar uma crise financeira severa. Apoia o corte do orçamento do clube?

Ainda bem que me fala disto. Não concordo com essa situação do 1º de Agosto. Um clube que representa as Forças Armadas do nosso país. Um clube que representa um exército. Seja por questões for. Acho que o Governo angolano também deveria interferir nisto. O clube tem um património invejável de formação, no desenvolvimento de várias modalidades do desporto no nosso país. É um crime o que se está a fazer. As próprias Forças Armadas não deviam deixar cair o 1º de Agosto da forma como cai, por um milhão dólares, dois, três ou quatro, seja o que for. De forma nenhuma. Há aqui uma coisa interna que a gente não entende. Não se deixa cair um clube assim. O 1º de Agosto faz falta ao país. É um clube com representatividade dentro do país. Foi o primeiro clube que começou a trabalhar o desporto com cabeça, tronco e membros. Depois é que veio o Petro. Portanto, eu lamento profundamente que não haja, a nível do nosso país, uma autoridade que efectivamente recomponha as coisas. Isso não é difícil de fazer. Um clube daqueles não pode morrer! 

Qual é a saída. Passa pela Assembleia-Geral?

A nível da Assembleia, do Ministério da Defesa, do Interior. De tudo! 

Huambo e Huíla deixaram de ser potências desportivas. Será por falta de apoio dos governos provinciais, ou inércia dos dirigentes? 

As duas coisas. Porque lhes falta a fortaleza do dirigismo desportivo. Como os governantes não estavam preparados para esses casos, todos os clubes morreram. 

Casou sempre o dirigismo desportivo com o empresariado. Era já um protótipo do gestor desportivo?

Lógico! Como eu sabia que a nível governamental as coisas e as pessoas não tinham essa tendência, não estavam preparadas para isso, eu reagia por criação e formação própria. À minha maneira, criando metodologias que dessem para colmatar essas dificuldades. É preciso é matar a pulga. Esta foi sempre a minha estrutura e a forma de estar. Daí ter oferecido tudo quanto tinha.

Que leitura faz do actual momento do futebol angolano?

Uma leitura má. Não quero falar directamente das pessoas da Federação. Falo de um conjunto federativo, que efectivemnte não tem o mando necessário e dirigismo desportivo, para pensar que tem de realizar um campeonato. Há coisas que nem sequer compreendo. 

Victor Geovety Barros chegou a dizer que o futebol angolano era uma mentira…

O futebol sempre teve e tem, a nível do mundo, não vou chamar corrupção, mas manobras financeiras para as pessoas poderem colher melhor os seus frutos. Mas daí chamar corrupção, não! Recordo-me perfeitamente, quando fui presidente da Federação, que um dia, por questões ilegais, o Kabuscorp desceu de divisão. Não houve reclamação, não houve absolutamente nada, porque eu tinha bases que davam origem que tivéssemos tido tal procedimento. 

Há excesso de Direito na gestão do futebol?

Claro! No meu tempo não era assim. E já havia absolutamente tudo, mas ninguém excedia.

Achou normal Noberto de Castro ter sido impedido de concorrer, nas eleições passadas?

Não há dúvida nenhuma que foi um grande erro que se praticou. E vocês, que são homens da comunicação social, devem usar a força que têm, para esclarecer as coisas. 

A Liga ficou na gaveta. Encontra fundamento?

Não. Isso é claramente uma questão de falta de gestão. Há receios que não se compreendem da parte de quem dirige a Federação. Deve haver uma gestão imparcial, correcta e honesta. As associações provinciais também têm responsabilidades, porque são elas que elegem. São elas que apoiam. Agora, não sei sem têm gente qualificada, à altura, que possam fazer com que os dirigentes federativos respeitem as suas decisões.

E quando é que o centro de treinamento sai do papel?

Quando não me recandidato, eu tinha o apoio de João Havelange de 35 milhões de dólares, para fazer o centro de treinamento, com dois campos de futebol, duas quadras de basquetebol, uma pista de atletismo, hotel de quatro estrelas e um centro de recuperação física. E deu-me um milhão de dólares, que eu entreguei ao Justino Fernandes. Falei abertamente que entregava um milhão de dólares, um hotel e uma sede. A sede passou para o andebol. O hotel desapareceu e o um milhão de dólares, não o que fizeram dele.

BI

Nome completo - Armando Augusto Machado

Data de nascimento - 2 de Janeiro de 1940

Localidade - Huambo

Filiação - Carlos Alfredo Machado e Palmira Rodrigues Carmelino Machado

Estado Civil - Divorciado

Habilitações -Secções preparatórias dos institutos industriais

 Línguas - Português e Umbundu (entende)

Filhos - Três (3) filhas

Música - Gosta de música moderna

Cinema - Gosta de filmes, mas há muito não vai ao cinema

Religião - Cristão católico

Roupas - Veste-se de acordo com as suas actividades do dia

Hobbies -  Desporto (futebol)

Amigos -  Muitos conhecidos e alguns amigos (Amílcar Silva, em memória)

Prato preferido -  Muamba. Por causa da saúde, já não come muito

Bebida - Deixou de beber uísque

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