Cultura

Instrumentista na vanguarda da renovação estética

Marcelino Wambo | Caála

Jornalista

João de Oliveira, um dos raros pianistas angolanos do universo afro-jazz, valoriza o cancioneiro tradicional, e dialoga, de forma criativa, com a herança mais representativa da Música Popular Angolana.

15/06/2015  Última atualização 07H03
DR © Fotografia por: João de Oliveira um dos raros pianistas angolanos de afro-jazz valoriza o cancioneiro tradicional e dialoga de forma criativa

Enquanto pianista e compositor, reutiliza a sua formação clássica, combinando o lirismo das harmonias características do jazz, num processo ímpar de inclusão e fusão musical.
João de Oliveira avalia deste modo, a dimensão híbrida e a universalidade do seu trabalho: “Enquanto músico, sinto a necessidade de estudar e absorver outras correntes musicais, e suas linguagens. Refiro-me aos ritmos populares e tradicionais de Angola e do mundo. No estudo da música clássica, encontrei as ferramentas e técnicas, que foram fundamentais para o domínio do instrumento e do desenvolvimento da minha sensibilidade, da alma à cumplicidade táctil com o piano. No jazz encontrei as harmonias, mesmo nas mais simples das canções, e combinei as cores do som, encandeando as frases melódicas, numa liberdade arrojada”, explica o pianista.
Continua dizendo que: “No entanto, respeito sempre o modo como sinto as várias culturas, abrindo sempre novos acordes. O meu trabalho absorve os ritmos africanos, os cânticos e suas vozes, e a polifonia das marimbas, que aprendi a gostar com o mais velho Jorge Macedo. Incluo também a marcação rítmica das senhoras das banheiras, do grupo de carnaval, União 54, do “Kabocomeu”, da vibração dos “Kutonokas”, daí o nome do meu projecto. Para quem não sabe, tive a honra, prazer e o privilégio de lidar com os mais velhos: Nino Dongo, do Ngola Ritmos, José de Oliveira Fontes Pereira, da Escola de Semba, e Mário Fernandes, dos Negoleiros do ritmo, amigos e contemporâneos dos meus Pais”.
Filho de João António de Oliveira e de Domingas Francisco da Conceição de Oliveira, João António da Conceição de Oliveira nasceu em Luanda, no dia 3 de Fevereiro de 1965, no Bairro Marçal. Com apenas onze anos de idade começou a aprender acordeão, por autodictadismo, influenciado pela frequência aos ensaios do coro da Igreja Adventista do Sétimo Dia, em Luanda, da qual a sua família é devota.

Formação

Em Abril de 1977 iniciou os estudos de piano clássico, solfejo e teoria musical, na então Academia de Música de Luanda, tutelada pela então Secretaria de Estado da Cultura, tendo como professores, os angolanos: Paz Vitorino, Henrique João, Anselmo Aguiar, Joaquim Bettencourt, e Miriam Cruz, no piano, os cubanos, Carlos Fariñas e Glória Pires, instrutores e didáctica da música, a polaca, Yanina Raimondovna, e a argentina, Elena Chanampa, prática de conjunto, técnicas de composição, solfejo, e harmonia, Jorge Macedo, Educação Musical, Solfejo e canto coral, e o brasileiro, Elsio de Sá, na harmonia e composição. João Oliveira estudou ainda, como instrumentos segundários, violino, sax tenor e guitarra acústica.

Participações

De 1990 a 2011, João de Oliveira participou no  “MayFest Festival”, em Glasgow, Inglaterra, com os Kafala Brothers. Integrou a Banda Musical Zimbo, do Grupo Desportivo da  Banca, como pianista e arranjador, tendo feito uma tournée, com esta formação, pela África Central. Em 1993, foi pianista do grupo musical, “Avenida connection”, sob direccção do trompetista, Toni Monteiro.  João de Oliveira teve ainda uma passagem efémera pela Banda Maravilha, em 1994, fez parte da “Multi Mega Band”, da discoteca Mega Bingo, em 1995. Na sequência foi pianista da Banda Tropicalíssimo, formação residente no Bar Xavarotti, em 1999, com Carlitos Vieira Dias (voz e guitarra solo), Kinito Trindade (viola baixo), António Louro (guitarra solo e ritmo), Manú (voz e tumbas), Juca Vicente (bateria), Nando Tambarino (trompete). Ao longo da sua carreira, João de Oliveira participou em concertos nos Estados Unidos da América, Portugal, Espanha, ao lado de grandes figuras da música cabo-verdiana, tais como: Boy Gê Mendes e Tito Paris.

Docência

De 1985 a 1988, João de Oliveira foi docente da Academia de Música de Luanda e da Escola Nacional de Música, e ensinou teoria musical e solfejo, tendo sido depois pianista do Coral Infantil, os “Miruins, e colaborador da Rádio Nacional de Angola, na condição de pianista e compositor. Neste período, trabalhou sob direcção da radialista Luisa Fançony e coordenação de Celeste Bicho, em espectáculos infantis para os trabalhadores da Rádio Nacional de Angola, tendo feito depois concertos e arranjos para o Duo Tchissossi, de Manuel Victória Pereira (Voz e guitarra), Lino Dembo (Voz, composição e guitarra), Ana Major (voz), Alexandre Gourgel (flauta).

Depoimentos

António Silva Santos, radialista angolano e apresentador do Programa “Solestício”, da RDP-África, em Lisboa, escreveu o seguinte sobre o duplo CD “Kutonoka Project, Joana’s Steps” de João de Oliveira: “O Projecto Kutonoka traduz o sentido universal da música de João de Oliveira, pianista com formação clássica que viaja aqui pela etnicidade das sonoridades angolanas acrescentando de forma viva e constante ritmos como a “makossa”, o jazz e o funk”. Por sua vez, Virgílio Mora, baterista e amigo de João de Oliveira, avaliou, nos seguintes termos, a obra do pianista: “Melhor do que falar sobre João de Oliveira é escutá-lo através da sua música, da qual a sua passagem pelo Festival Internacional de Jazz de Luanda, em 2010, foi para todos os presentes, uma baforada de ar fresco na programação musical deste ano. Para todos os outros que não puderam testemunhar e partilhar os momentos de magia dessa noite, adquiram o seu duplo CD, e disfrutem”.

Kutonoka

O lançamento do CD duplo, “Kutonoka Project, Joana’s Steps”, de João de Oliveira, será lançado na abertura da Feira Internacional do Livro e do Disco, que este ano vai de 24 a 30 de Agosto, no Centro de Formação de Jornalistas. Nos CD’s estão alinhadas as canções: “Joana’s Steps”, “Contradança”, “Zindunga”, “ Azul África” e “Onda jazz”, no primeiro CD, e “Mavulo ó kubita”, coisas que acontecem, “Um tango para Angola”, “O canto de um pássaro”, e “Casualid”. Para além de João de Oliveira, piano acústico, participam Leo Espinosa, baixo eléctrico, Virgílio Gomes, guitarra eléctrica e acústica, Ricardo Toscano, saxofone alto, soprano e clarinete, Marcelo Araújo, bateria, João Ferreira, percussão, Diogo Duque, trompete e flugelhom, Guto Lucena, sax tenor, Orlanda Guilande, voz.