Opinião

Direito Internacional

Sousa Jamba

Jornalista

O recente ataque à Embaixada mexicana em Quito pelas forças equatorianas estabeleceu um precedente alarmante para as Relações Internacionais. A retirada à força do ex-Vice-Presidente Jorge Glas, a quem tinha sido concedido asilo na Embaixada mexicana, não só prejudica a reputação do Equador como também corrói os princípios fundamentais da soberania diplomática consagrados nas Convenções de Viena e Caracas.

12/04/2024  Última atualização 06H05
Esta acção descarada viola a santidade das embaixadas – locais que devem ser invioláveis e considerados território soberano das nações que representam. Este princípio foi o que protegeu durante anos Julian Assange, do Wikileaks, dentro da Embaixada do Equador em Londres. Ignorar este princípio convida ao caos no tecido da diplomacia internacional. Não  se deve subestimar a importância do Direito Internacional.

Num mundo onde as nações muitas vezes se pautam pelos seus instintos mais primários, a existência de normas jurídicas internacionais funciona como uma restrição formidável. Actua como um baluarte contra o caos, garantindo que mesmo as pequenas nações  possam estar seguras, cientes de que uma força superior está pronta para salvaguardar os seus interesses. Quando estas regras são violadas, seja através de pequenas transgressões ou rupturas mais significativas, o delicado equilíbrio vacila e o espectro da desordem completa paira.

O paralelo histórico com a crise dos reféns iranianos de 1980, onde a santidade da Embaixada americana foi desrespeitada, lembra-nos da gravidade de tais violações. O mundo condenou esse acto, e agora deve fazer o mesmo.

Alguns poderão argumentar que o Equador, sob o seu novo e jovem Presidente, que tem apenas 36 anos, está meramente à procura de ordem e justiça. Contudo, a forma como o caso Glas foi tratado sugere uma preocupante desconsideração pelas normas internacionais. Este Presidente, talvez inspirado pelas controversas tácticas do Presidente de El Salvador, parece apostado numa abordagem de mão-dura à aplicação da lei, mesmo à custa dos laços diplomáticos e dos princípios básicos do Direito Internacional. O México rompeu relações diplomáticas e levou o caso ao Tribunal Internacional de Justiça; outros países têm condenado fortemente as acções do Equador.

As acções do Equador são um perigoso retrocesso. Se permitirmos que as nações desrespeitem arbitrariamente a imunidade das embaixadas, estamos essencialmente a despojar os diplomatas e aqueles que procuram asilo legítimo do seu único escudo em situações politicamente instáveis. O mundo deve unir-se na condenação desta violação e exigir responsabilidades ao Equador para assegurar que tal desrespeito pelo direito diplomático não se torne a norma.

Em 1976, como refugiado, encontrámos santuário dentro de um campo. O mundo exterior estava em tumulto, mas dentro dessas fronteiras temporárias estávamos a salvo. Compreendo, em primeira mão, o significado transformador dos campos de refugiados e das leis internacionais que defendem o seu estatuto de protecção.

O princípio é claro: aqueles que procuram refúgio, se desarmados e sem constituírem uma ameaça, têm direito à segurança. É um direito nascido dos incontáveis horrores que os humanos infligiram uns aos outros, e um direito que a comunidade global luta por garantir.

As Nações Unidas são a pedra angular da protecção de refugiados. Desde a fuga do Uganda de Idi Amin Dada ao testemunho de inúmeros outros conflitos africanos, os escritórios de refugiados da ONU são um farol de esperança para os deslocados. São a manifestação física de acordos internacionais, um lugar onde os mais vulneráveis podem encontrar alguma aparência de segurança.

Estou profundamente grato a pessoas como G.O. Haggai, um professor ugandês cujas lições sobre Relações Internacionais me impactaram profundamente, mesmo ainda criança. Ele ensinou-nos sobre o nascimento da ONU e as Convenções internacionais que definem as regras de guerra, tais como o tratamento de prisioneiros ou a inviolabilidade da Cruz Vermelha. Estas regras são um controlo essencial contra a brutalidade desenfreada.

Após a devastação insondável da Segunda Guerra Mundial, o mundo fez uma promessa de "nunca mais". O Direito Internacional emergiu desta promessa – uma promessa imperfeita, mas que oferece moderação e um caminho para a prevenção. Embora muitas vezes fiquemos aquém, o objectivo permanece nobre.

 Infelizmente, vemos a rapidez com que o desrespeito por estas leis pode levar a novos conflitos.  Mas aqueles de nós que percorreram os caminhos poeirentos dos campos de refugiados conhecem o verdadeiro custo de ignorar essas regras. A lei internacional não é apenas pergaminho e juridiquês. É a diferença entre a vida e a morte, entre o desespero e uma nesga de esperança. Vamos defendê-la ferozmente, pois é a única defesa que muitos têm.

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