Sociedade

Enfermeiros solicitam mais reconhecimento

Rodrigues Cambala

Jornalista

A jovialidade na voz de Judith Luacute parece não condizer com os 64 anos de vida, dos quais 47 dedicados à profissão de enfermagem. Ela pertence à última geração de auxiliares de enfermagem, formados em 1974, quando Angola era ainda colónia portuguesa. E quando o assunto é saúde, não poupa esforços para partilhar a sua experiência de trabalho, iniciado no país, mas com passagem na América do Sul.

12/05/2021  Última atualização 08H00
© Fotografia por: DR
Ao Jornal de Angola, em alusão do Dia do Enfermeiro, que se comemora hoje, Judith Luacute instrui que a enfermeira, dentro do hospital, deve ter uma atitude e um comportamento digno, cumprindo os princípios éticos e deontológicos. Ao desabafar num tom sarcástico que os seus anos de vida têm um significado de alegria, reconhece que a classe ainda tem muito para conquistar, uma vez que a dimensão do país impede um desenvolvimento uniforme da enfermagem.

Judith concluiu o curso médio de enfermagem no início da década de 90. Foi, mais tarde, seleccionada para frequentar o curso superior de enfermagem na Universidade de São Paulo, Brasil. Por circunstâncias, permaneceu naquele país durante 15 anos, onde trabalhou em diferentes hospitais e fez especialização em enfermagem e terapia intensiva, auditoria e consultoria dos serviços de enfermagem, tratamento das feridas crônicas e complexas a laser e gerenciamento competitivo para a enfermagem.Em 2005, voltou ao país a convite de uma empresa japonesa, que tinha a missão de reabilitar o Hospital Josina Machel. "Nessa altura, vim como consultora de enfermagem”, contou. 

Há uns anos, frequentou um mestrado na UPRA (Universidade Privada de Angola), em gestão de saúde, estando em falta a defesa de tese.Ao dedicar parte do seu tempo a dar palestras sobre os processos de humanização e o papel dos enfermeiros, Judith trabalha actualmente no Ministério da Saúde, como consultora técnica de gestão dos serviços de enfermagem.  "A enfermagem é uma profissão de cuidados”, explica. E acrescenta que a enfermagem, em Angola, também tem acompanhado a evolução técnica e científica, uma vez que já existem, no país, enfermeiros licenciados, mestres e doutorados. Para ela, o enfermeiro de nível superior tem, na sua actuaçao, quatro pilares, nomeadamente a assistência, investigação, docência e gestão.A enfermagem, refere, ainda é uma profissão estratificada, em Angola. Nos outros pontos do globo, só existem enfermeiros licenciados. Em Angola há três categorias: auxiliar de enfermagem, técnico médio e o enfermeiro (que tem nível superior). 

Judith Luacute reitera que a enfermagem é uma profissão comprometida em cuidar das pessoas, ou seja, é a arte e ciência de cuidar. O profissional de enfermagem, acrescentou, actua na promoção, prevenção, recuperação e reabilitação da saúde do paciente e tem a responsabilidade de exercer a actividade com competência, participando na equipa multidisciplinar para salvar vidas.Não obstante falar em evolução da enfermagem, a enfermeira explica que a profissão ainda carrega estigma do passado, mas "os profissionais de enfermagem vão, gradualmente, conquistando o seu espaço, ganhando cada vez mais visibilidade”. A nossa luta, disse, é conquistar a valorização, saben-do que a mesma é ganha com competência e muito conhecimento. Judith Luacute tem na memória alguns dos muitos momentos bons que viveu ao longo da carreira, afinal são 47 anos de enfermagem. "O melhor momento é quando o paciente vai de alta, por termos contribuí-do, com o nosso trabalho, para que ele ficasse melhor e poder ir ao encontro dos familiares”. 

Conta que as dificuldades no exercício da profissão existem, mas encontram-se formas de poder ultrapassá-las.Ao defender que a relação com os doentes deve ser de empatia, esclarece que só cuida bem quem tem sensibilidade, solidariedade e muito amor para dar ao próximo. "O atendimento não é mais que um bom acolhimento, mas para termos qualidade é necessário que haja um número de profissionais compatível com o de doentes a serem atendidos dentro dos parâmetros identificados”, acrescentou.Segundo a enfermeira, a classe, neste tempo de pandemia, está na linha da frente a cuidar dos doentes e correndo o risco de ficar contaminada ou contaminar os familiares. "O dever fala mais alto e os enfermeiros cumprem com zelo e dedicação o seu trabalho, contribuindo com o seu saber para salvar vidas”, completou.

Ao endereçar sentimentos de pesar aos familiares de enfermeiros que perderam a vida, Judih Luacute avançou que, durante a semana de enfermagem, estão agendados vários encontros entre enfermeiros, alguns dos quais de carácter científico.Hoje, a enfermeira é convidada a palestrar numa plataforma digital, com parti-cipação de especialistas em saúde de Angola e do Brasil. Entre outros temas, os especialistas falam sobre a história e evolução da enfer-magem em Angola e o tratamento de feridas crônicas e complexas."Tenho partilhado a experiência com os mais jovens. A enfermagem não é o trampolim para outras profissões, caso contrário ninguém vai cuidar de outros”. 

Judith Luacute é, igualmente, pioneira da defesa dos serviços humanizados nos hospitais. Ao fixar-se no país, implementou um projecto no Hospital Josina Machel, que vigorou de 2006 a 2019, denominado "Luacute, atendimento humanizado”. Esse projecto foi o primeiro a falar da humanização do atendimento, em Angola, e em 2011, num Decreto Executivo número 3, o Ministério da Saúde disseminou a humanização em todo o país.
Ordem dos Enfermeiros defende rigor na formação
O bastonário da Ordem dos Enfermeiros de Angola, Paulo Luvualo, disse que regista-se, nos últimos anos, no país, o aumento de estabelecimentos de ensino superior públicos e privados, com cursos de enfermagem."Há uma formação massiva de profissionais em todo o país”, disse ao Jornal de Angola, para considerar que a formação está a ser feita sem obedecer ao plano nacional de recursos humanos 2012-2025, ou seja,estão a ser formados quadros, mas sem garantia de emprego.A título de exemplo, o bastonário justificou que, em 2019, foram formados 17 mil profissionais, mas "com certeza a maioria está desempregada”.

"A enfermagem não está muito bem.  Alguns estão a ser formados sem a devida qualidade", realçou, acrescentando que há estabelecimentos de ensino que não têm laboratório e bibliotecas e os estudantes não fazem estágios. "Isso não é formar”, avisou, fazendo um apelo aos promotores das universidades para que não olhem apenas na vertente económica, mas na qualidade. "Estes enfermeiros que estamos a formar são os enfermeiros do futuro (...). Se estivermos a formar mal, são eles que nos vão atender mal no Banco de Urgência”, explicou Paulo Luvualo.

A Ordem dos  Enfermeiros  fundamenta que o processo da carreira está bem estruturado, repartida em técnicos básico, médio e superior, mas peca na sua implementação. "Foi actualizado em 2018, mas muitos profissionais mantêm as categorias anteriores. Com a actualização da carreira de enfermagem, também se actualizou o regime re-muneratório, só que o salário de muitos profissionais, ao invés de subir, baixou”."O nosso assunto não pode ser promessa. Tem criado um descontentamento à classe”, disse o bastonário da Ordem dos Enfermeiros de Angola, para admitir que o profissional da saúde ainda não se sente valorizado, embora a sociedade reconheça o seu papel.A Ordem tem inscrito 33 enfermeiros especializados, 4.453 enfermeiros, 456 bacharéis em enfermagem, 89 técnicos médios de enfermagem, 43.988 técnicos de enfermagem e 4.730 auxiliares de enfermagem.

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