A ministra das Finanças chefiou uma delegação angolana que participou, desde segunda-feira passada até domingo, em Washington, nas reuniões de Primeira do Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional (FMI). Em entrevista à Rádio Nacional e ao Jornal de Angola, Vera Daves de Sousa fez um balanço positivo das reuniões – oitenta, no total –, sendo que, numa delas, desafiou a Cooperação Financeira Internacional (IFC) a ser mais agressiva e ousada na sua actuação no mercado angolano. O vice-presidente da IFC respondeu prontamente ao desafio, dizendo que até está a contar ter um representante somente focado em Angola e não mais a partilhar atenção com outros países vizinhos na condução local do escritório do IFC. Siga a entrevista.
Kaissara é um poço de revelações quase inesgotável, como a seguir verão ao longo desta conversa, em que aponta os caminhos para um futuro mais consequente da modalidade; avalia o presente das políticas adoptadas sobre a massificação e formação. Mostra-se convicto de que o país pode, sim, continuar a ser a maior potência africana do Hóquei em Patins
Faz parte do crescente e heterogéneo leque de académicos que por este mundo se têm interessado pelo estudo e ensino das literaturas africanas em língua portuguesa. Carmen Lúcia Tindó Ribeiro Secco é Professora Emérita da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), profunda conhecedora das Literaturas Africanas em Português, bem como da brasileira. Em entrevista exclusiva ao Jornal de Angola, (efectuada por email) a estudiosa brasileira fala da sua paixão pelas letras africanas em português, das relações de intertextualidade com a literatura brasileira e traça um panorama das literaturas de Angola, Moçambique e Cabo Verde
O que a levou a
interessar-se pela área de estudo das Literaturas Africanas de Língua
Portuguesa?
Eu sempre fui amante de
Literatura. O meu Mestrado e o meu Doutorado foram sobre autores da Literatura
Brasileira: João do Rio, no Mestrado e, no Doutorado, vários autores, pois
analisei Guimarães Rosa, Machado de Assis, Clarice Lispector, Nélida Piñon,
Lígia Fagundes Teles, Jorge Amado, investigando como tratavam o tema da
velhice. A minha dissertação de Mestrado sobre João do Rio levou-me às
religiões do Rio, aos cultos africanos no Brasil e colocou-me em contacto com
um Rio de Janeiro marginalizado, onde muitos negros ainda sofriam efeitos das
desigualdades geradas pela escravidão. Comecei, assim, a interessar-me pelos
Movimentos Negros. No Doutorado, a minha tese, cujo tema foi a velhice,
levou-me aos griots, velhos contadores de histórias, ao livro "Entre Voz e
Letra: o lugar da ancianidade na literatura angolana”, da Professora Laura
Padilha, minha amiga e grande estudiosa das Literaturas Africanas em Língua
Portuguesa.
Em 1986, eu viajara a Cuba,
pois, nessa época, trabalhava com o Professor Darcy Ribeiro. Em Havana havia
encontrado e comprado alguns livros de autores angolanos, obras publicadas pelo
Governo cubano. Quando, em 1993, foi publicado o edital para o concurso para as
Literaturas Africanas na Universidade Federal do Rio de Janeiro, resolvi
concorrer à única vaga, tendo em vista haver percebido que, a par das muitas
diferenças existentes entre a Literatura Brasileira e as Literaturas Africanas
em Língua Portuguesa, poderia estabelecer importantes interlocuções com autores
africanos de Angola, Moçambique, Cabo Verde e Brasil, entre os quais, Luandino
Vieira e Guimarães Rosa, Manuel Bandeira e Jorge Barbosa da Geração Pasárgada
de Cabo Verde, Eduardo White de Moçambique e Carlos Drummond Andrade, entre
outros. Assim, as Literaturas Africanas me tomaram por inteiro e a elas me
dediquei desde 1986 e, como docente da UFRJ, a partir de 1993.
Quais foram as pontes ou
diálogos que identificou entre a Literatura Angolana e a Literatura Brasileira?
Embora sejam muitas as
afinidades entre vários autores e obras, a grande questão que levou alguns
escritores africanos a se espelharem em determinados períodos do sistema
literário brasileiro foi, justamente, a necessidade da busca de uma consciência
literária nacional. É comum, entre os
ensaios sobre as Literaturas Africanas em Língua Portuguesa, apontar o Modernismo
de 1922 e o Regionalismo de 1930 brasileiros como marcos paradigmáticos das
literaturas de Angola, Cabo Verde, Moçambique. Mas, voltando os olhos para o
final do século XIX, pode-se constatar que a intertextualidade com autores
brasileiros já se fazia, desde essa época, em poetas como: Costa Alegre, de São
Tomé; José Lopes, de Cabo Verde; José da Silva Maia Ferreira, de Angola, entre
outros.
Apesar de o Romantismo
brasileiro apresentar alguns ecos nas Literaturas Africanas em Língua
Portuguesa desde o final do séc. XIX e início do séc. XX, é, nos anos 1930, 40
e 50 do século XX, que a intertextualidade com a literatura brasileira se faz
mais evidente. Em Angola, António Jacinto, importante poeta da Geração
Mensagem, chama atenção para a influência literária brasileira nos jovens
poetas angolanos dos anos 1950. Costa Andrade, outro importante escritor
angolano, também é incisivo a esse respeito.O poeta Maurício Gomes de Almeida é
outra das vozes angolanas dos primeiros tempos de busca de uma literatura
autenticamente voltada para Angola que, propondo uma ruptura com os cânones
lusitanos, funda uma nova poética, cujos paradigmas passam a ser pautados pelo
Modernismo brasileiro.
A presença da literatura
brasileira não se dá apenas no momento do "Vamos Descobrir Angola”. Ocorre
também na produção posterior. Um exemplo é a poesia de Arlindo Barbeitos, onde
se detectam semelhanças com a poética de João Cabral de Melo Neto. Os dois
poetas operam com uma linguagem minimalista e descarnada que vai desbastando a
retórica. Os poemas expressam, pelo esgarçamento semântico e sonoro dos versos,
o dilaceramento de Angola, na época mutilada pela miséria e pela guerra. A
poética de Barbeitos se tece entre a ameaça dos "aviões mortíferos”,
metaforizados em "pássaros canibais”, e os "fiapos de sonhos” que ainda
resistem nos espaços intervalares da realidade angolana, pressionada por
conflitos interétnicos e por interesses das potências estrangeiras que
ambicionavam petróleo e diamantes. Nos últimos livros de Arlindo Barbeitos há
uma triste consciência de orfandade em relação a Angola, onde a imagem das
muletas nos versos do poeta expressa a mutilação e o consequente impedimento do
acto de sonhar naquele contexto de fome e dor:"a sul do sonho /a norte da
esperança / a minha pátria / é um órfão / baloiçando de muletas / ao tambor das
bombas / a sul do sonho / a norte da esperança.”(BARBEITOS, Arlindo).
Na prosa, além da forte
presença de autores como Graciliano Ramos, de "Vidas Secas” e "São Bernardo”;de
Jorge Amado, de "Jubiabá” e "Terras do Sem Fim”; de José Lins do Rego, com as
histórias dos engenhos no nordeste brasileiro, há uma grande intertextualidade
entre Luandino Vieira e Guimarães Rosa, o que se verifica também ao se analisar
alguns romances e contos do escritor moçambicano Mia Couto.
Pode falar, igualmente, dos
diálogos ou intertextualidades entre as literaturas do Brasil e de Moçambique?
Lembro versos de Noémia de
Sousa e de Virgílio de Lemos, que, nos anos 1948-1950, chamaram atenção para a
presença de ritmos africanos no samba brasileiro.Pela voz de Duarte Galvão, um
dos pseudónimos de Virgílio de Lemos, poeta fundador de "Mshao”, cuja poesia
propunha o abandono dos cânones da lusitanidade literária em Moçambique,
ouvem-se também ecos de ritmos e tipos característicos do Brasil nos bairros de
caniço da antiga capital Lourenço Marques.
Segundo Virgílio de Lemos, a
literatura brasileira era muito lida em Moçambique nos anos 1950 e 1960. Havia
contacto com os poetas de São Paulo e com a Antropofagia Cultural de Mário de
Andrade e Oswald de Andrade, que foram muito importantes para ele compreendera
necessidade de ruptura em relação à poesia colonial, antes praticada pelos
primeiros poetas moçambicanos. Augusto dos Santos Abranches foi, nos anos 1950,
o responsável pela divulgação da literatura brasileira em Moçambique. Virgílio
de Lemos tem um poema que se intitula "Essa negra Tembê”, cuja
intertextualidade com "Essa negra Fulô”,do poeta brasileiro Jorge de Lima,
também é bastante evidente, ractificando o intercâmbio constante ocorrido entre
a literatura brasileira e a moçambicana.
A presença do Brasil não se
verifica apenas nos anos 1950 e 60. Também na poesia produzida no
pós-Independência moçambicano se faz notar como, por exemplo, em Luís Carlos
Patraquim, poeta dos anos 1980.
Na ficção, Mia Couto, cuja
prosa é perpassada pela dimensão do poético, há intertextualidades não só com
Guimarães Rosa, mas também com Manuel de Barros, poeta brasileiro de Mato
Grosso, a quem dedica um dos contos do seu livro "Contos do Nascer da Terra”.
E relativamente à Literatura
de Cabo Verde?
Em Cabo Verde, as marcas da
literatura brasileira também foram muito fortes, desde o século XIX, com a
poesia de José Lopes, e, principalmente, com "Claridade”, em 1936, que
representou uma virada na lírica do Arquipélago. Manuel Bandeira, Ribeiro
Couto, Jorge Amado, Gilberto Freyre e outros eram bastante lidos nessa época.
Influenciados pelo Modernismo brasileiro, os poetas de "Claridade” romperam com
as formas clássicas da poesia, incorporando o verso livre, a não preocupação
rígida com as rimas, os temas cabo-verdianos e o uso do crioulo. A poética
claridosa fez o testemunho documental do dilema crucial do ilhéu, um ser
cindido pelo desejo de ficar e pela necessidade de partir.
Jorge Barbosa, um dos
principais poetas claridosos, apresenta grande intertextualidade com o nosso
poeta Manuel Bandeira, apropriando-se da metáfora de Pasárgada.
Corsino Fortes foi outro
poeta que defendeu o nascer da nação cabo-verdiana, conclamando os emigrantes
ao compromisso com o regresso para fortalecer a pátria a ser conquistada.
Ensinou ele, em um de seus poemas, "que toda a
partida é alfabeto que nasce / todo o regresso é nação que soletra”. E,
para acabar com a fome, alertou para o facto de que Cabo Verde necessitava do
empenho de seus filhos. A produção literária de Corsino Fortes representa um
grande salto da poesia cabo-verdiana em direção a uma linguagem autenticamente
comprometida com o universo ilhéu. O sujeito poético assume os ícones da cartografia
insular, os ritmos dos batuques africanos da Ilha de Santiago e inicia o
percurso em direção ao resgate dos sons da terra e do mar. A poesia de Corsino
apresenta um alto grau de consciência técnica e política. Prima pelo rigor
formal e pela contenção da linguagem, lembrando a poética de João Cabral de
Melo Neto. Há em seus poemas uma correspondência entre o trabalho estético e o
compromisso social. Opera com a força fonémica da palavra, alimento de
politização e de metapoesia. Funda, assim, uma poética de reflexão que busca
reescrever Cabo Verde com tintas próprias, com o sangue do poeta que goteja
cabo-verdianamente ao ritmo dos tambores e fonemas crioulos.
A prosa do Arquipélago
também foi, nos anos 1930, 40, 50 e 60, fortemente marcada pelo Regionalismo
brasileiro de 30. O romance "Chiquinho”, de Baltazar Lopes, tem, em muitos
aspectos, semelhanças com o romance "Menino de Engenho”, de José Lins do Rego.
O romance "Flagelados do Vento Leste”, de Manuel Lopes, dialoga com "Vidas
Secas”, de Graciliano Ramos. Como é possível perceber, os elos e os ecos são
muitos entre a literatura cabo-verdiana e a brasileira.
Gostaria que aprofundasse um pouco mais a questão das similitudes ou
inter-influências entre as ficções narrativas de Angola e do Brasil…
Chamo atenção para o romance
"A Gloriosa Família”, de Pepetela, que explora com acuidade o tempo dos
holandeses vindos do Brasil para Angola no século XVII. Lembro, também, o
romance "Maio, Mês de Maria”, do escritor Boaventura Cardoso, que apresenta uma
ambiência "fantástica” semelhante ao romance "A Hora dos Ruminantes”, do
escritor brasileiro José J. Veiga. Cito ainda "Mestre Tamoda”, do mais-velho
Uanhenga Xitu, que pode ser trabalhado comparativamente, pelo viés do humor e
da ironia, com romances do brasileiro Lima Barreto.
Um outro trabalho
comparativo pode ser o de estudar romances brasileiros e angolanos que
tematizam a "casa” como metonímia das respectivas nações. Menciono, por
exemplo, o romance "A Casa Velha das Margens”, de Arnaldo Santos, que se presta
perfeitamente a um trabalho desse tipo, na medida em que, "ao escrever a casa
angolana”, opera com a ficção e a história, apresentando uma releitura crítica
do passado histórico de Angola.
Uma outra comparação
possível é entre os escritores Luandino Vieira, Mia Couto e Guimarães Rosa,
"monstros sagrados”, respectivamente, das literaturas angolana, moçambicana e
brasileira. As obras desses autores encontram-se no cerne dos paradigmas da
modernidade, fundando nas literaturas do Brasil, Angola e Moçambique uma escritura
descentrada, caracterizada pela reinvenção tanto da linguagem, como da
arquitectura ficcional. Embora se inscrevam na esfera transgressiva da ficção
contemporânea, não rompem com a tradição oral, trabalhando com a memória viva e
com o imaginário mítico popular. Os três autores captam aspectos de suas
realidades regionais: Guimarães focaliza o sertão de Minas, repleto de
jagunços, de lendas e leis próprias; Luandino ficcionaliza a vida nos
"musseques” luandenses onde o português, principalmente pela influência do
kimbundu, se encontra africanizado; Mia Couto, por sua vez, traz para a sua
prosa sonhos e crenças do povo moçambicano, anestesiado pelos anos de guerra e
violência.
Na obra de Guimarães, o
ideológico não aparece de forma explícita como acontece com a ficção dos
escritores africanos por nós estudados. Luandino e Mia Couto trabalham
abertamente com o social, abordando a temática da revolução, da Independência,
da repressão e da liberdade. Entretanto, não denunciam apenas a fome e a
miséria; apontam, também, contradições existentes nas sociedades angolana e
moçambicana. Os seus textos não caem, em momento algum, no panfletário, pois,
como o de Guimarães, operam mitopoeticamente com a linguagem.
Entre os três autores há uma
outra identidade, nos seus discursos estão presentes as ambivalências entre o
local e o global, entre o social e o existencial, entre o real e o supra-real.
Apesar de acentuarem os traços característicos das realidades focalizadas,
"desrealizam” as paisagens, criando espaços imaginários que reflectem mitos
armazenados no inconsciente popular. Guimarães ultrapassa a geografia dos
Gerais e busca, pelo narrar, um sertão cósmico, fonte de conhecimento e
investigação existencial: "o sertão-mundo”, nos avessos da linguagem e do
humano. Luandino, na trilha rosiana de recriação verbal, persegue as "belezices
estéticas”, conforme sua personagem João Vêncio denomina o trabalho poético com
a linguagem. Dentro de semelhante vertente, o escritor Mia Couto traz
reinventado o manancial da cultura moçambicana para os seus textos e, sem
deixar de denunciar o contexto social do seu país, opera com uma cartografia
onírica, em que os sonhos se colocam como elementos imprescindíveis ao
despertar político de Moçambique.
Os autores comparados
utilizam ludicamente a linguagem, alcançando efeitos inusitados da
literariedade sígnica: criam neologismos, invertem provérbios. Usando
procedimentos da própria língua portuguesa, fazem combinações sintácticas e
léxicas inabituais, como: "aeiouava”, "homenzarrou”, "nuventanias” e muitas
outras.
Luandino também tem clareza
dos procedimentos que realiza com a língua; as suas pesquisas linguísticas são
conscientes: busca palavras arcaicas, nos textos dos cancioneiros, recria o
português com expressões do kimbundu.
A par dessa imensa artesania
da linguagem, os três escritores têm outra afinidade: os seus textos estão
cheios de seres de excepção, como crianças, velhos e loucos, personagens que
conservam a pureza e, por isso, captam o mistério poético da existência.
Os velhos têm um papel
importante na filosofia de vida africana: são os guardiães da memória, os
velhos contadores de estórias que passam aos mais jovens a tradição e os
conhecimentos ancestrais. As obras de Luandino e Mia Couto são povoadas de "vavós”
e "vavôs”, cuja sabedoria ensina o sentido cósmico de viver.
Em Guimarães Rosa, também a
velhice é vista com positividade, pois é o tempo privilegiado em que as
personagens atingem "a terceira margem da existência”, ou seja, apreendem a
poesia do universo.
Outro autor angolano que
apresenta evidente entrelace com a obra de Guimarães Rosa é o Ruy Duarte de
Carvalho, cujo romance "Desmedida” dialoga com "Grande Sertão: Verdesas”, de
Rosa, e com "Os Sertões”, de Euclides da Cunha.
Muitos outros diálogos podem
ser realizados entre escritores brasileiros e angolanos. A poesia de João
Maimona foi estudada numa tese de Doutorado da UFRJ, sendo comparada com a obra
de Salgado Maranhão. A ironia de João Melo e de Pepetela também foram
analisadas em comparação com romances de Machado de Assis. Diversos outros elos
podem ainda ser estabelecidos. Nesta entrevista, não há espaço para abordar
outras possibilidades de comparação que existem e são muitas.
Comprovados os fortes laços
que ligam as literaturas brasileira e angolana, só me cabe enfatizar que o
estudo comparativo entre elas deve ser sempre orientado no sentido de afirmar a
plena e real liberdade humana, seja ela de ordem social ou existencial,
colectiva ou individual, filosófica ou literária, pois, como ensina Guimarães
Rosa, "o que existe é homem humano: travessia...”
Quando decidiu enveredar pela área de estudos das Literaturas Africanas em
Português, qual era o cenário no Brasil?
Qual é o contexto que
determinou o interesse das universidades brasileiras pelas literaturas
africanas?
Quando enveredei pela área
das Literaturas Africanas, havia poucas obras sobre Literaturas Africanas
publicadas no Brasil, embora houvesse uma colecção muito importante da Editora
Ática, cujos livros me foram muito importantes. Essa colecção data dos anos
1980, quando houve, no Brasil, um forte interesse por essas literaturas e pelos
estudos africanos. Mas, nos anos 1990, quando comecei a leccionar na UFRJ,
poucas eram as instituições universitárias que abordavam África. O contexto que
ampliou o interesse pelas literaturas africanas nas universidades brasileiras
foi o da Lei 10.639, de 9 de Janeiro de 2003. Esta lei, promulgada pelo governo
Lula, estabelecia as directrizes e bases da educação nacional, para incluir no
currículo oficial da rede de ensino básico, médio e universitário a
obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira”.
Pode mencionar nomes de
académicos pioneiros, no Brasil, no estudo das Literaturas Africanas?
Sim, destaco em São Paulo,
na USP (Universidade de São Paulo), os nomes dos professores Maria Aparecida
Santilli, Benjamin Abdala Jr., Fernando Mourão. No Rio de Janeiro, tivemos José
Maria Nunes Pereira, na Universidade Cândido Mendes, que, como Mourão,
pertenceu a Casa dos Estudantes do Império. Devo a ele o empréstimo de muitas
obras, quando estudei para o concurso da Universidade Federal do Rio de
Janeiro, a UFRJ. Além do Zé Maria, como era carinhosamente chamado, tivemos na
UFF (Universidade Federal Fluminense) a Professora Laura Cavalcante Padilha,
grande intelectual e amiga que também foi muito importante para mim. As
professoras Elisalva Madruga, na Paraíba, também foi uma pioneira, assim como a
Professora Simone Caputo Gomes, que defendeu a sua dissertação sobre Daniel
Filipe, na PUC/RJ, em 1979. Na USP, também, houve nomes significativos que
sucederam o Professor Benjamin Abdala e a Professora Santilli: os das
professoras Tânia Macedo e Rita Chaves. Na Bahia, em Salvador, também foi
bastante pioneiro o trabalho da Professora Yeda Pessoa de Castro. Em Belo
Horizonte, a Professora Maria Nazareth Soares Fonseca iniciou a docência das
Literaturas Africanas na PUC/MG, na mesma época em que iniciei, em 1993, no Rio
de Janeiro, na UFRJ. Hoje, muitos nomes se destacam, tendo crescido bastante no
Brasil o número de docentes da área dos estudos africanos.
Recentemente foi jubilada na
UFRJ, mas continua ligada ao ensino, agora sem a carga horária anterior?
Sim. Fui jubilada, mas,
tendo recebido, em 15 de Dezembro de 2023, da Reitoria da UFRJ o título de
Professora Emérita, continuo a leccionar na Pós-Graduação da Faculdade de
Letras da UFRJ, no Programa de Pós-Graduação de Letras Vernáculas, ministrando
disciplinas e orientando teses e dissertações de Mestrado e Doutorado,
supervisionando vários estágios de Pós-Doutorado. Só não lecciono mais em
turmas de Graduação. Mas, como ainda tenho muitos orientandos, a minha carga de
trabalho, embora reduzida, continua ainda bem grande.
Durante a sua formação fez
uma temporada em Moçambique, pelo que conhece muito bem a Literatura daquele
país. O que nos pode dizer sobre a Literatura de Moçambique, além do que já
disse, com destaque para nomes e obras mais influentes?
Numa resposta anterior já
tracei um panorama amplo, focalizando várias obras e autores. Contudo, não
falei de todos, pois seria impossível. Agora, cito mais alguns, continuando a
não poder esgotar a lista. Há na Literatura de Moçambique, como na de Angola e
de Cabo Verde, autores muito bons. Dentre estes, Paulina Chiziane, grande
escritora, que, merecidamente, recebeu o Prémio Camões em 2021; José
Craveirinha, grande poeta, o primeiro a receber o Prémio Camões em 1991; Mia
Couto, de quem já falei, e que foi galardoado com o Prémio Camões em 2013. Há
escritores moçambicanos muitíssimo importantes: Ungulani Ba Ka Khosa, João
Paulo Borges Coelho, Marcelo Panguana, Calane da Silva e vários outros.
Infelizmente, não há espaço para citar todos. Há poetas maravilhosos, além do
Craveirinha e da Noémia de Sousa: Virgílio de Lemos, Ruy Knopfli, Glória de Sant’Anna,
Luís Carlos Patraquim, Eduardo White, Armando Artur, Nelson Saúte. Das novas
gerações há vozes poéticas bastante sensíveis que admiro: Guita Jr., Adelino
Timóteo, Sangare Okapi, Mbate Pedro, Deusa da África, Hirondina Joshua, Sónia
Sultuane, Álvaro Taruma, Eduardo Quive, Amosse Mucavele, Pedro Pereira Lopes,
Nelson Lineu, Leo Cote e muitos outros. As listas são sempre incompletas, pois
não temos condições de mencionar todos. Por isso, prefiro não citar as obras
desses autores para não incorrer no esquecimento de algum título importante.
Apenas destaco dois romances africanos considerados dentre os melhores
publicados no século XX: "Ualalapi”, de Ungulani Ba Ka Khosa, e "Terra
Sonâmbula”, de Mia Couto.
Fazemos a mesma pergunta mas
em relação a Cabo Verde, que tem uma literatura sobre a qual também escreveu…
Cabo Verde tem uma
literatura também muito instigante. Dois autores receberam o Prémio Camões:
Arménio Vieira e Germano Almeida. Escrevi menos sobre Cabo Verde, mas organizei
uma antologia sobre o mar na poesia cabo-verdiana que foi bastante elogiada por
autoras cabo-verdianas, entre as quais Vera Duarte e Dina Salústio.
Sendo Cabo Verde um
arquipélago formado por dez ilhas e vários ilhéus, o mar sempre teve uma
preponderante importância no imaginário cabo-verdiano. Integrado à paisagem,
funciona como uma imensa fronteira líquida e, ao mesmo tempo, como amplo
horizonte que se abre ao olhar dos habitantes, os quais apresentam em relação a
ele sentimentos contraditórios: ora o entendem como carcereiro de seus anseios
por longínquas terras, ora o concebem como caminho lógico para o povo das
ilhas, cuja sina marinheira fez do cabo-verdiano um ser, através dos tempos,
fadado à emigração e às aventuras oceânicas.
O mar que aprisionava e
cercava as ilhas não é mais, a partir dos claridosos, associado às caravelas
portuguesas. Passa a ser visto apenas como o Atlântico, cujas águas também
banham o Brasil e levam às ilhas as vozes poéticas do Modernismo brasileiro,
particularmente as de Manuel Bandeira e Jorge de Lima que tanto marcaram essa
geração poética cabo-verdiana, cujos principais poetas foram Jorge Barbosa e
Manuel Lopes.
Nostalgia e saudade,
expressas pelo ir e vir das ondas e pelo canto dolente das mornas, revelam a
não resolução da dicotomia entre ficar/partir, entre aprisionar/libertar. O
oceano permanece como fronteira a separar o habitante de Cabo Verde do resto do
mundo. Há na poesia dos claridosos uma ânsia de evasão. Já, a geração seguinte,
a do poeta Ovídio Martins, propõe a anti-evasão, o ficar para resistir.
A Geração Certeza, em
conexão com o realismo crítico português e o regionalismo brasileiro de 1930,
faz críticas à seca, à fome e à miséria em Cabo Verde. Os romances brasileiros
de José Lins do Rego, Graciliano Ramos, Jorge Amado foram muito lidos em Cabo
Verde, conforme já demonstramos na nossa primeira resposta a esta entrevista.
Manuel Ferreira escreve o romance "Hora di Bai”; Orlanda Amarílis denuncia a
opressão feminina em Cabo Verde, onde grande parte da elite crioula reproduzia
comportamentos absorvidos do colonialismo português.
Cabo Verde tem grandes
poetas: Corsino Fortes, Arménio Vieira, Mário Lúcio, Filinto Elísio, João
Vário, José Luís Hopfer Almada, José Luiz Tavares e muitos outros. O fim do ano 1980 e a década de 1990 são marcados
por um desencanto na área literária. Em 1991, há a publicação de "Mirabilis: de
veias ao sol” (ALMADA,1991: introd.), antologia organizada por José Luís Hopffer
Almada, que reúne os "novíssimos poetas de Cabo Verde”, divulgando a poesia
cabo-verdiana produzida após o 25 de Abril. O não cumprimento das promessas de
justiça social, depois da Independência, gera um desalento que domina também os
meios literários. Entretanto, lembrando-se de que, mesmo no deserto, cresce uma
planta chamada mirabilis, surge a geração mirabílica, oferecendo-se como
resistência poética a esses anos de "mau tempo literário”. Na apresentação da
antologia, seu organizador, José Luís Hopffer Almada, define a profissão de fé
desses novíssimos poetas, cuja poesia empreende uma profunda reflexão sobre o
presente cabo-verdiano.
Entre os poetas da geração
mirabílica, há Dina Salústio, Vera Duarte e outras mulheres que fundam uma
poética feminina. O interessante é que, em Vera, o mar está intimamente
associado ao seu discurso. Vera funda com a sua poesia um universo poético, no
qual a mulher almeja ser sujeito do seu próprio desejo. Com essa poética de
contestação da submissão feminina, o eu-lírico rompe com a ideia do "cais da
saudade” ("cais da sôdade”, em crioulo) que sempre aprisionou as mulheres
cabo-verdianas ao espaço circunscrito das ilhas do Arquipélago. Além de Vera
Duarte, destacam-se também entre os mirabílicos: Manuel Delgado, Canabrava,
David Hopffer Almada, Kaliosto Fidalgo, Luís Tolentino, Dina Salústio, Paula
Martins,Vasco Martins, José Luís Hopffer Almada, entre muitos outros.
Na novíssima poesia
cabo-verdiana o mar não é mais visto como prisão, espaço de evasionismo ou
metáfora utópica da liberdade social. Apresenta-se, agora, como espaço de
reflexão, de mergulho nas profundezas interiores e existenciais, como local de
passagem e de abertura para o mundo.
A actual prosa cabo-verdiana
caracteriza-se por uma grande diversidade de temáticas e estilos. São muitos os
autores, vou apenas citar alguns: Germano Almeida, Danny Spínola;Arménio
Vieira, Mário Lúcio, Dina Salústio, Vera Duarte e muitos outros.
E a mesma pergunta é
igualmente, válida para Angola…
Penso que, em outras
questões desta entrevista, já abordei um pouco a importante trajectória da
Literatura angolana, cujos poetas e escritores são muitos, dentre os quais
vários se destacaram ao longo dos anos. Na produção poética angolana das
últimas décadas, uma heterogeneidade de tendências reflecte a dispersão da
poesia que oscila entre a revitalização de formas orais da tradição e a ruptura/e
ou recriação em relação a alguns dos procedimentos literários adoptados por gerações anteriores.
A par do desencanto frente a
um social prenhe de contradições, muitos poetas, actualmente, continuam,
entretanto, a escrever versos, a maioria dos quais se oferece como instância
crítica de reflexão acerca dos sofrimentos do povo angolano. Fundir a
consciência do próprio fazer literário a uma reflexiva análise do contexto
social é um dos procedimentos recorrentes da poesia angolana pós-2000.
Nas origens das letras
angolanas, "sonhar a terra” constituiu-se como uma das primeiras quimeras,
embora, na poesia do século XIX, essa utopia se tenha expressado segundo os
valores nativistas. Nas primeiras décadas do século XX, a poesia ressemantiza
metaforicamente a terra com elementos do imaginário ancestralafricano. Mas é
com os poetas do grupo dos "Novos Intelectuais de Angola” que se dá o salto
decisivo rumo à formação de um sistema literário voltado para a realidade da
própriaterra, erigindo-se, assim, o sonho do "Vamos Descobrir Angola!” É, nos
anos 1950, com a geração poética da Revista "Mensagem”, constituída pelos
poetas Viriato da Cruz, António Jacinto, Agostinho Neto, entre outros, que a
poesia angolana se consagrou, cantando as gentes e as tradições de Angola,
exorcizando também opressões sofridas durante o colonialismo. Nos anos 1960 e
início do 70, muitos poetas se voltaram para os ideais da Revolução e cantavam
as armas como metáforas da luta pela Independência almejada. Paralelamente a
esse viés poético, existiu, entretanto, na cena literária angolana desse
período, uma safra de poetas afastados dos paradigmas guerrilheiros e voltados
para o próprio chão angolano. A poesia desse grupo buscava recuperar "os
hábitos da terra”, os ecos longínquos da memória ultrajada, a cartografia de
processos poéticos emergentes que operassem com a eroticidade da língua
portuguesa recriada por "saberes, sabores” e ritmos angolanos. É o caso, por
exemplo, de grandes poetas, entre os quais Ruy Duarte de Carvalho, Manuel Rui,
David Mestre, Arlindo Barbeitos, cuja produção apresentava como principal
característica a consciente opção pela metapoesia. Sintetiza bem a posição
dessa geração o conhecido verso de Ruy Duarte: "o texto como esforço de
existir”. Afastando-se da poética de combate, a poesia desse grupo, voltada
para a redescoberta ética e estética do poder da palavra e da imaginação
criadora, caracterizou-se pela
consciência crítica acerca do acto de escrever, por um mergulho abissal nas
entranhas da própria poesia, embusca de procedimentos inovadores. O poema
passou a ser, assim, o lugar do encontro do poeta consigo mesmo, o local,
portanto, da descoberta existencial, política e literária.Nesse sentido, deu
passagem à poética dos anos 1980, definida por Luís Kandjimbo como "Geração das
Incertezas”, e à poesia dos anos 1990 e primeiras décadas dos anos 2000, cujos
traços recorrentes são a decepção e a angústia diante da situação de Angola que
não conseguiu resolver a questão das desigualdades sociais dentro do país.
Além dos grandes poetas
anteriormente citados, Angola tem outras vozes poéticas muito importantes: João
Maimona, João Melo, José Luís Mendonça, Paula Tavares, Luís Kandjimbo, Lopito
Feijoó, Amélia Dalomba, João Tala, Zetho Gonçalves, David Capelenguela,
Fernando Kafukeno, Nok Nogueira, Abreu Paxe, Ondjaki, Hélder Simbad, Cíntia
Gonçalves (Marquita 50), Gociante Patissa, Job Sipitali, Tchiangue Cruz, entre
outros. É impossível citar todos.
Dentre as produções
pós-2000, também destacamos dois significativos movimentos literários: o
Levarte e o Litteragris. Cabe também ressaltar a "Poetry Slam” caracterizada
pelas "batalhas” de poesia vocal, ou seja, a "spokenword”, em que novas vozes
femininas angolanas vêm surgindo com força, havendo, inclusive, o grupo
"Muhatu”, vocábulo que, em kimbundu, significa "Mulher”.
Quanto à prosa de ficção
angolana, de acordo com Inocência Mata (2006) e Luís Kandjimbo (2001), ficou
consolidada, principalmente, no período pós-Independência, levando-se em conta
a produção de grandes romancistas, autores também de contos que ficaram
consagrados na literatura angolana, como, por exemplo, "A História da Galinha e
do Ovo”, de Luandino Vieira (Prémio Camões/2006, honraria recusada pelo
escritor), Arnaldo Santos, Pepetela (Prémio Camões/1997), Manuel Rui,
Boaventura Cardoso, Uanhenga Xitu, Ruy Duarte de Carvalho, Henrique Guerra,
Henrique Abranches, Dario de Melo, Fragata de Morais, José Luís Mendonça, João
Melo, Roderick Nehone, José Eduardo Agualusa, João Tala, Carmo Neto, Isaquiel
Cori. Da geração mais jovem lembramos alguns escritores que vêm se destacando:
Ondjaki, Adriano Mixinge, Albino Carlos, Kalaf Epalanga, Benjamim Mbakassy,
Mwene Vunongue, João Fernando André, entre outros.
Da prosa feminina angolana
registamos os nomes de Rosária da Silva, Maria Celestina Fernandes, Isabel
Ferreira, Marta Santos, Sónia Gomes, entre outras. Ressaltamos, ainda,
importantes escritoras angolanas que residem fora de Angola: Ana Paula Tavares,
Djaimilia Pereira de Almeida, Yara Monteiro, Aida Gomes.
Como é que chega ao estudo deste ou daquele autor? A presença na media ou há um
circuito de recomendação?
Depende muito. Algumas vezes
leio artigos e vejo notícias de obras publicadas. Outras vezes, as obras me são
recomendadas. Sempre que viajo, vou às livrarias, à União dos Escritores
Angolanos, à Associação de Escritores Moçambicanos, à Associação de Escritores
Cabo-Verdianos. Procuro autores desses países e também da Guiné-Bissau, de São
Tomé e Príncipe e peço sugestões de obras publicadas.
Dedicou quase toda a sua
vida académica ao estudo e divulgação das Literaturas Africanas em Português no
Brasil. Hoje pode dizer que valeu a pena? Se fosse possível recuar no tempo
escolheria a mesma área de estudo?
Eu dediquei grande parte de
minha vida à Literatura Brasileira. A partir de 1993, entreguei-me totalmente
às Literaturas Africanas. Penso que valeu sim. Escolheria,novamente, as
Literaturas Africanas. Como diz Mia Couto, a África vaza a alma da gente e não
há volta.
Durante o seu percurso
académico sentiu algum tipo de reconhecimento institucional nos países
africanos cujas literaturas tanto
estudou e promoveu no Brasil?
Sim. Sempre que viajei a
Angola, a Moçambique, recebi livros para poder desenvolver o meu trabalho no
Brasil. Em Angola, fui convidada a integrar à Academia Angolana de Letras como
Sócia Correspondente. Em Moçambique fui convidada a fazer parte da Comissão de
Honra da Fundação Fernando Leite Couto. Fiquei muito honrada com essas duas
honrarias.
E como é a sua relação com
os autores?
De muito respeito, de grande
admiração e amizade. Procuro divulgar as suas obras em artigos, em congressos,
em entrevistas. Fiz dentre muitos escritores africanos grandes amigos.
Pelos vistos teve sempre o
cuidado de escrever sobre obras e autores de que gostou. Qual é a razão dessa
opção? Foi para evitar dissabores?
Sou uma pessoa muito
emotiva, mas, ao mesmo tempo, também muito racional. As paixões me movem, porém
também a lucidez e as reflexões são de grande importância para mim. Assim,
procuro sempre escrever sobre o que me toca profundamente. Os afectos me
impulsionam. Mas, afectos não como sentimentos. Entendo o afecto como potência
criadora, como força vital que nos faz sonhar. Não como um sonho romântico, mas
como uma força interna que nos empurra para a vida, para as realizações, para a
beleza das artes. Escolho obras e autores que me emocionam e me levam a pensar
sobre o mundo, sobre a história, sobre a política, sobre o ser humano, sobre a
natureza.
Do conjunto dos autores angolanos que estudou, quais são as principais
características da literatura angolana?
Há uma diversidade de
tendências. Muitos escritores, actualmente, continuam, entretanto, a escrever
acerca da História de Angola e dos problemas vivenciados pelo povo angolano. É,
pois, como resistência, que a literatura sobrevive emAngola, ora trilhando os
caminhos da sátira e da paródia, ora os da metalinguagem e do erotismo, ora os
dos mitos e da História. Os sonhos sempre nutriram o sistema literário angolano
e, nos tempos presentes, embora esgarçados, ainda constituem uma espécie de
energia subterrânea que impulsiona a imaginação criadora, combatendo, assim, o
imobilismo cultural. Obras, tanto da poesia, como da prosa, que fundem a
consciência do próprio fazer literário a uma reflexiva análise do contexto
histórico-social, são representativas das tendências recorrentes da literatura
angolana das últimas décadas.
Ultimamente, a história tem
dado à memória uma grande relevância, demonstrando como os actos rememorativos
se relacionam com o fazer histórico. A Literatura, por sua vez, também vem
priorizando as relações entre escrita, memória e esquecimento. Os romances
angolanos contemporâneos, por exemplo, assim como os moçambicanos, os
cabo-verdianos e os guineenses, têm trabalhado com escritas de memórias, sejam
essas reinvenções de narrativas orais individuais e/ou de registos da memória
social colectiva. Alguns dos romances produzidos neste milénio se constituem como
escritas que revisitam e colocam em questão aspectos da História, da Geografia
e das culturas locais. Outras características da prosa contemporânea angolana
são a tensão entre tradição e a modernidade; a ressignificação do património
oral; o trabalho com a meta ficção historiográfica, cujo olhar pós-colonial
repensa o passado; a ironia e a sátira que, em alguns autores, fazem
questionamentos mordazes, contribuindo para o desenvolvimento da consciência
crítica dos leitores não só em relação ao contexto angolano, mas também ao do
mundo globalizado.
Há narradores e personagens
muito originais em romances de vários autores, entre os quais Pepetela,
Luandino Vieira, Boaventura Cardoso, Manuel Rui, Uanhenga Xitu, Arnaldo Santos,
José Luís Mendonça, Adriano Mixinge, Ondjaki, Agualusa, entre outros.
Fazem falta aos estudiosos
da sua área de estudo, brasileiros e de outros países, contactos, ligações,
intercâmbio com universidades e académicos dos países africanos, e
nomeadamente, de Angola?
Com certeza. Os diálogos são
imprescindíveis. Quando comecei a ensinar Literaturas Africanas, não havia
quase nada na Internet. Michel Laban, com a sua generosidade e grandeza
intelectual, me ajudou muito. Eu escrevia para ele perguntando os significados
de muitos termos das línguas africanas e ele respondia com a maior paciência.
Também Ana Paula Tavares, Manuel Rui, Pepetela, Boaventura Cardoso, Virgílio
Coelho, Fernando Kafukeno, Conceição Barata, Mena Gioveth, entre outros, me
auxiliaram sobremaneira. O mesmo ocorreu em Moçambique, por parte de Lourenço
do Rosário, Mia Couto, Fernando Leite Couto, António Sopa, Nelson Saúte, Fátima
Langa, Calane da Silva e muitos mais. Em Cabo Verde, devo a Vera Duarte me
mostrar a diversidade de algumas Ilhas, de obras literárias e de escritores
cabo-verdianos. Estudiosos das Literaturas Africanas, entre os quais, Ana
Mafalda Leite, Inocência Mata, Laura Padilha, Rita Chaves, Tânia Macedo, também
contribuíram bastante, na medida em que trocaram ideias comigo. Amélia Mingas
convidou-me, em 2013, para leccionar no Mestrado de Letras da Universidade
Agostinho Neto, o que muito me honrou e enriqueceu meus conhecimentos sobre
Angola. Essas trocas e intercâmbios foram fundamentais.
E não farão também falta
encontros, ligações, intercâmbios entre estudiosos das literaturas africanas de
todo o mundo? Tem havido esses encontros?
Claro que fazem muita falta.
Nesses eventos, conhecemos escritores, conseguimos comprar livros que,
infelizmente, não costumam circular entre os países, como deveriam. Participei
de muitos eventos em Angola, Moçambique, Cabo Verde, Portugal e outros países.
Com a pandemia, os eventos rarearam. Agora estão retornando, entretanto, as
passagens aéreas ficaram muito caras após a Covid-19.
No Brasil qual é a saída
profissional dos cursos de Literaturas dos Países
Africanos de Língua oficial Portuguesa?
A lei 10.639, de 09/01/2003,
criou a obrigatoriedade do ensino das Literaturas Africanas e da Cultura
Africana em todos os níveis de ensino, em todo território brasileiro. Assim, a saída
profissional é o magistério em escolas do ensino básico, médio e universitário.
Jubilada que está, como será
a sua rotina? Continuará a estudar a escrever? Pensa viajar?
Eu fui honrada com o título
de Professora Emérita da Universidade Federal do Rio de Janeiro, o que me
permite continuar a leccionar e orientar na Pós-Graduação. Tenho, actualmente,
nove orientandos. Ainda não consegui sentir o gostinho da jubilação. Aprecio
muito, também, diversas artes: cinema, pintura, escultura, música. Penso em continuar
a oferecer, anualmente, em um dos semestres, uma disciplina de Literaturas
Africanas na Pós-Graduação em Letras da UFRJ. No outro semestre, penso em
viajar, ler, estudar, organizar eventos, mostras de cinema, exposições de
pintura, escultura.
Tem livros por publicar?
Por escrever?
Tenho muitos artigos sobre
obras literárias que apresentei em congressos. Penso reuni-los em livros. Mas, ainda preciso
organizá-los. Agora, espero ter um tempo maior para mim.
Eventualmente uma pergunta provocatória:
para que serve a crítica literária?
Na verdade, serve aos
próprios críticos que se deliciam com o prazer de suas análises e
interpretações. Contudo, se os ensaios forem escritos com arte e poesia, usando
uma linguagem sem excesso de terminologias teóricas, ou seja, um discurso que
todos consigam entender, acredito que podem captar novos leitores,
incentivando-os a ler mais, a pensar, a ter uma aguda consciência crítica.
O que é que mais a preocupa
neste Mundo em que vivemos?
O individualismo exacerbado
pelo consumo capitalista, a falta de ética, a violência urbana, a ausência de
respeito em relação à natureza, ao meio ambiente, o descaso com a cultura e com
a educação em muitos dos nossos países. Quando fui a Cuba, em 1986, a frase de
José Martí que mais me tocou foi: "Só um povo culto será um povo livre”.
Precisamos de pensadores como este cubano, como Amílcar Cabral e outros líderes
que sempre defenderam o direito à cultura para todos.
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LoginEm entrevista exclusiva ao Jornal de Angola, a ministra da Saúde, Sílvia Lutucuta, fez a radiografia do sector, dando ênfase aos avanços registados em 22 anos de paz. Neste período, houve aumento do número de camas hospitalares, de 13 mil para 41.807, e da rede de serviços de saúde, que tem, actualmente, 3.342 unidades sanitárias, das quais, 19 hospitais centrais e 34 de especialidade. Sobre a realização de transplantes de células, tecidos e órgãos humanos, a ministra disse que, com a inauguração de novas infra-estruturas sanitárias e a formação de equipas multidisciplinares, o país está mais próximo de começar a realizar esses procedimentos
Assume-se como uma jornalista comprometida com o rigor que a profissão exige. Hariana Verás, angolana residente nos Estados Unidos da América há mais de 20 anos, afirma, em exclusivo ao Jornal de Angola, que os homens devem apoiar as mulheres e reconhecer que juntos são mais fortes e capazes de construir uma sociedade equitativa e próspera. A jornalista fala da paixão pela profissão e da sua inspiração para promover as boas causas do Estado angolano, em particular, e de África, em geral.
Por ocasião do Dia Nacional da Juventude, que se assinala hoje, o Jornal de Angola entrevistou o presidente do Conselho Nacional da Juventude (CNJ), Isaías Kalunga, que aconselha os jovens a apostarem no empreendedorismo, como resposta ao desemprego, que continua a ser uma das maiores preocupações da juventude angolana.
No discurso directo é fácil de ser compreendida. Sem rodeios, chama as coisas pelos nomes e cheia de lições para partilhar com as diferentes áreas e classes profissionais. Filomena Oliveira fala na entrevista que concedeu ao Jornal de Angola em Malanje sobre a Feira Agro-industrial, mas muito mais da necessidade de os organismos compreenderem que só interdependentes se chegará muito mais rápido aos objectivos.
O embaixador de Angola na Côte D'Ivoire, Domingos Pacheco, reuniu-se, esta sexta-feira, em Luanda, com empresários e instituições angolanas, com os quais abordou questões de cooperação económica e de investimentos.
Dois efectivos da Polícia Nacional foram, quinta-feira, homenageados, pelo Comando Municipal de Pango Aluquém, por terem sido exemplares ao rejeitarem o suborno no exercício das actividades, na província do Bengo.
Vasco Lourenço, um dos capitães de Abril que derrubaram a ditadura salazarista há 50 anos em Portugal, foi hoje recebido em Lisboa pelo Chefe de Estado angolano, João Lourenço, na qualidade de Presidente da Associação 25 de Abril.
A responsável pela Secção de Crimes contra o género da Polícia Nacional, Intendente Sarita de Almeida, realizou, quinta-feira, em Juba Central Equatorial State, no Sudão do Sul, um Workshop sobre Direitos Humanos e Protecção Infantil.