Sociedade

Familiares de pacientes continuam a pernoitar no exterior dos hospitais

André Sibi

Jornalista

Dezenas de pessoas, a maioria mulheres, não arredam pé, faça sol ou faça chuva, quando se trata de um marido, esposa, filho ou sobrinho internado

18/03/2024  Última atualização 07H07
Uma das senhoras afirmou que o coração de mãe não lhe permite ficar em casa sabendo que a filha está hospitalizada © Fotografia por: Armando Costa | Edição Novembro

Quem circula na Avenida Revolução de Outubro, na entrada para o Banco de Urgência do Hospital Josina Machel, depara-se com familiares de pacientes internados naquela unidade, que passam a noite na via pública.

Alguns de pé, outros sentados, sem se alimentarem em condições, aguardam, ansiosamente, por informações sobre o estado de saúde do familiar internado.

Dezenas de pessoas, a maioria, mulheres, não arredam pé, faça sol ou faça chuva, quando o assunto é marido, esposa, filho ou sobrinho doente.

O Jornal de Angola efectuou uma ronda para constatar as condições de acolhimento dos familiares dos pacientes internados nas principais unidades hospitalares da capital do país, com destaque para os Hospitais Josina Machel, Prenda, Complexo Hospitalar Dom Alexandre Cardeal do Nascimento, Hospital Geral de Luanda e Hospital Materno Infantil Azacont de Menezes.

No Hospital Josina Machel, encontrámos Fiel Henriques, morador do Bairro Operário, que se dedica à comercialização de papelão, onde as pessoas se deitam para passar a noite.

Fiel Henrique recolhe o produto nos armazéns do São Paulo e noutros estabelecimentos comerciais. O preço da tira de papelão varia entre 100 e 300 kwanzas, de acordo com o comprimento e largura.

Regularmente, os seguranças, enfermeiros e médicos procuram pelos familiares dos pacientes, para informar sobre a falta de fraldas descartáveis, água para beber, sumos e, às vezes, dadores de sangue.

"Estamos aqui há três dias”, disse Conceição Sebastião, de 39 anos, que tem um dos filhos internado.

Para fazer as necessidades fisiológicas ou tomar banho, os familiares de pacientes pagam 100 kwanzas, por pessoa, para um quarto de banho nas imediações, sem o mínimo de condições.

"Para nos alimentarmos, quando os familiares não aparecem, dependemos da solidariedade das amizades criadas a partir daqui”, lamenta Conceição Sebastião.

A entrevistada disse que da baixa da cidade até ao bairro Malueca, no Cazenga, gasta três mil kwanzas por dia, razão pela qual prefere passar a noite.

Fátima Adriana, moradora do município de Cacuaco, tem o filho de 15 anos de idade internado, com dor de bexiga.

O hospital assegura as três refeições para o paciente. No entanto, enquanto se aguarda pela refeição do hospital, algumas vezes, os familiares são chamados para dar água, bolachas ou sumos, para garantir a sua rápida recuperação.

"Desde que chegámos aqui, não pagámos nada, toda a medicação para os pacientes internados é garantida pelo hospital”, confirmou.

Questionada porque razão passa a noite no exterior do hospital, com o risco de contrair uma doença, Fátima Adriana explicou que o coração de mãe não lhe permite ficar em casa sabendo que a filha está internada no hospital.

 
Construção de jangos

Samuel Suami, de 52 anos de idade, que veio do Zaire para acompanhar o irmão que fracturou a perna durante a caça furtiva, explicou  que a solução passa por construir jangos para acolher os familiares dos pacientes, nem que tenham de comparticipar com algum valor simbólico por noite.

"O Estado pode mudar esta situação”, disse, acrescentando que as coisas ficam mais difíceis quando está a chover.

"Enquanto chove, somos forçados a ficar debaixo dos edifícios com todos os riscos”, desabafou, admitindo que há pessoas que ficam doentes a partir dali, ao ponto de serem internadas na mesma enfermaria em que está o familiar.

Samuel Suami explicou que, durante o dia, há vezes em que são escorraçados pelos agentes da polícia que entendem que a sua presença debaixo dos edifícios retira o sossego dos moradores e comerciantes das redondezas.

À semelhança de Suami, que veio do Zaire para cuidar do irmão, Tomás Kanguende veio de Caluquembe, província da Huíla, para acompanhar o filho, de 19 anos de idade, internado devido a uma malária cerebral.

"O meu filho trabalhava como roboteiro no Mercado do Km-30, onde contraiu a malária e foi levado ao hospital pelos amigos”, disse, acrescentando que a mãe se recusou a vir porque não conhece Luanda.

Além da fome e sede nas ruas de Luanda, está com dificuldades de adquirir as fraldas descartáveis, para trocar ao filho.

 
Isabel Maria pernoita com cinco filhos

Isabel Maria veio da província do Bié, na companhia do esposo para tentar a vida no Bengo. Há quatro meses, na ânsia de buscar o sustento para a família, este escorregou a caminho da lavra e quebrou a coluna.

O paciente recebeu os primeiros socorros no Hospital Provincial do Bengo, que o transferiu para o Hospital Josina Machel, em Luanda, onde está internado desde Setembro último.

O esposo não se move. Faz as necessidades fisiológicas no mesmo lugar. O maior desafio nesta altura é garantir as fraldas descartáveis para o esposo, bem como o sustento dos cinco filhos do casal, que estão a dormir debaixo dos edifícios por falta de alguém para os acolher.

Não tendo familiares com quem deixar os filhos, passa a noite debaixo dos edifícios da Maianga, nas cercanias do Hospital Josina Machel, para acompanhar o estado do esposo.

O primogénito chama-se António. Não tem qualquer registo de identidade e tão pouco se lembra de ter frequentado uma instituição de ensino, por isso, não sabe escrever o seu nome, ainda assim, sonha ser regulador de trânsito quando for grande. Entre os quatro rapazes, está a única menina, Ana Cassama, que completou dois anos de idade no dia da reportagem.

 
Sem abrigos

Ao longo da reportagem, o Jornal de Angola descobriu que, além dos familiares dos pacientes, também existem sem-abrigos, que se juntam nestes espaços, para aproveitar o movimento e passar a noite no meio de mais pessoas.

É o caso de Amélia Bernardo, de 23 anos, com uma bebé de dois meses ao colo, que passa a noite ao ar livre, na companhia de familiares de pacientes internados.

Amélia Bernardo diz ser órfã de pai e mãe. Vivia em Viana com a irmã de 35 anos de idade, desempregada e mãe de cinco filhos, de pais diferentes.

Ao engrávidar com um efectivo de uma empresa de segurança, no bairro Calemba II, a irmã enfureceu-se e expulsou-a de casa.

Hoje, vive a deambular nas ruas da capital com a bebé e passa a noite onde encontrar ajuntamento.

Amélia Bernardo explicou que nunca teve bilhete de identidade, muito menos a bebé. Disse que não conhece os sogros, porque todos os encontros com o pai da criança aconteceram no posto de trabalho do segurança. "Não estamos a viver juntos porque ele é muito mais velho que eu”, justificou.


Azancot de Menezes é referência no acolhimento de acompanhantes

No Hospital Dr. Manuel Azancot de Menezes, a realidade é diferente das demais unidades hospitalares.

Na sala onde ficam as mulheres em recuperação, após o parto, encontramos Feliciana Lopes, que veio do Uíge para cuidar da filha internada.

Tão logo chegou ao hospital, contou, identificou-se e foi imediatamente conduzida para o segundo andar, onde a filha está internada.

 "Desde que cheguei, estou a passar as noites neste cadeirão, ao lado da minha filha e o meu neto, que nasceu aqui", disse, acrescentando que não tinha razões de queixa em relação à interacção com os profissionais de saúde.

 
Salas para acompanhantes

A directora do hospital, Manuela Mendes, disse que, ao longo dos sete andares, cada enfermaria tem cadeiras e salas para acolher os acompanhantes dos pacientes internados.

Para as crianças internadas nos cuidados intensivos, as mães ficam numa sala reservada, no primeiro andar, e visitam os filhos de duas em duas horas para acompanhar o estado de saúde e amamentar, se for o caso.

A médica explicou que, para a unidade hospitalar que dirige, não há necessidade de os familiares dos pacientes passarem a noite ao ar livre, com risco de contrair doenças.

 Inaugurada há um ano e seis meses, a unidade tem equipas médicas e de enfermagem a trabalhar dia e noite, a fim de garantir um atendimento humanizado a mulheres grávidas e crianças até aos 16 anos de idade.

"Somos um hospital amigo da família, razão pela qual não temos nenhum doente sem o seu acompanhante ao lado", garantiu.

Para Manuela Mendes, o grande problema é que as pessoas não querem ter apenas um familiar ao lado do paciente internado, mas sim a família toda, e isso não é possível. "Criámos condições para que haja sempre um familiar ao lado do paciente, na consulta, trabalho de parto, internamento pediátrico e internamento de recém-nascido”, sublinhou.

Segundo a médica, os familiares podem acompanhar o paciente em todas as fases, incluindo o parto. "Mesmo os doentes nos cuidados intensivos, temos sempre os familiares ao lado para acompanhar a sua evolução”, salientou, acrescentando que o hospital encoraja a substituição dos acompanhantes para que a pessoa que passou a noite consiga ir para casa tratar da higiene pessoal e alimentar-se.

Para os acomodar, o Hospital Materno Infantil Azancot de Menezes tem cadeiras próprias reservadas para esse fim. O objectivo, segundo a directora, é assegurar uma estabilidade emocional ao paciente, ao ver o seu familiar.

Além das cadeiras desdobráveis, a unidade hospitalar conta igualmente com cadeirões, sofás e cadeiras que permitem aos familiares descansar de forma mais cómoda possível dentro de uma sala própria.

 
Recomendação da OMS

A directora explicou que a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que se reconheça à mulher o direito de ter alguém da sua confiança ao lado durante o parto.

"Às vezes encontramos alguma resistência por parte de alguns funcionários, que tendem a restringir este direito. No entanto, orientamos para que situações desta natureza não se verifiquem”, garantiu. Quanto às visitas, explicou, iniciam às 15 horas e terminam às 17 horas, todos os dias.

No entanto, para os doentes graves, não existe um horário fixo, podendo os familiares ter acesso à sala de internamento a qualquer hora.

A troca dos acompanhantes é feita até às 18 horas, por razões de segurança. "Na nossa unidade hospitalar, os familiares que ficam fora fazem-no por outros motivos, porque não há razões para permanecerem ao relento durante a noite", disse.

A médica explicou que a unidade hospitalar não chama pelos familiares dos pacientes fora dos horários normais de expediente. Além disso, dispõe de Gabinete do Utente, onde os acompanhantes podem consultar as informações sobre a evolução do estado de saúde dos internados.

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