Reportagem

Garimpo de ouro em Buco-Zau contamina águas do rio Luali

Pedro Vicente | Cabinda

Jornalista

A exploração clandestina de ouro ao longo da orla do rio Luali, no município de Buco-Zau, província de Cabinda, a 120 quilómetros da cidade de Cabinda, continua a preocupar as autoridades locais. Além de poluir as águas e prejudicar o ecossistema, a actividade representa uma ameaça grave à saúde da população. Há relatos de casos de mortes durante o processo de escavação do solo para encontrar a jazida de ouro (mina).

16/12/2023  Última atualização 12H31
Centenas de pessoas ganham a vida com a exploração clandestina de ouro, deixando buracos em áreas destinadas à agricultura © Fotografia por: Edições Novembro
O Jornal de Angola visitou, recentemente, os locais que os garimpeiros consideram como zonas férteis, em que o ouro, segundo depoimentos, aparece com mais frequência.

As incontáveis crateras ao longo da margem do rio Luali e os instrumentos utilizados para essas práticas são uma prova das actividades dos garimpeiros.

Segundo constatações, o trabalho é tão duro e arriscado que já ceifou a vida de muitos protagonistas, devido ao deslizamento de terra.

Moisés Cussumbo, de 16 anos, conta que o seu tio, Gabriel Cussumbo, morreu ano passado devido a um deslizamento de terra, quando ele e os amigos se encontravam a cavar ouro na margem do rio.

Segundo Moisés Cussumbo, o malogrado, que se encontrava no interior do buraco, foi surpreendido com uma porção de terra que o deixou completamente soterrado.

Os companheiros, prosseguiu, assustados com a situação, fizeram recurso a enxadas, pás e picaretas para retirar  a terra, a fim de salvar Gabriel Cussumbo, mas sem sucesso. "Já não foram a tempo. O meu tio saiu do buraco sem vida”, lamentou.

Contaminação das águas

Os perigos à vista pelo dinheiro fácil, a contaminação das águas do rio, que estão sempre turvas e as queixas constantes dos populares devido aos efeitos nocivos do consumo do líquido, levaram as autoridades locais a intervir para encontrarem uma solução.

Se, por um lado, a exploração ilegal de ouro coloca em causa a qualidade da água do rio, por outro, a população do município de Buco-Zau alega não ter alternativa quanto à água para o consumo. Ester Nhangue, encontrada a lavar a roupa no rio, disse que nos últimos dois anos os moradores da comunidade se deparam com problemas de fortes alergias na pele depois de tomarem banho no rio, ao ponto de recorrerem ao hospital. "Muita comichão mesmo! Quando as pessoas tomam banho no rio ficam toda hora a se coçar”, lamentou, argumentando que "não há alternativa”, porque o rio Luali, desde os antepassados, sempre foi usado para tomar banho e lavar a roupa.

Génese do garimpo

A actividade de exploração ilegal de ouro na margem do rio Luali, no município do Buco-Zau, segundo relatos, existe há mais de 50 anos, iniciado por cidadãos da República Democrática do Congo (RDC), em zonas, consideradas de difícil acesso.Ao longo desse período, a actividade clandestina, que actualmente ocupa dezenas de adultos e crianças, ganhou espaço e expandiu-se por toda a comunidade e tem sido um verdadeiro "calcanhar de alquiles” para as autoridades. A natureza deste trabalho exige bastante esforço físico dos garimpeiros, uma vez que, os meios utilizados para o efeito são muito rudimentares e, em regra, fazem recurso a substâncias psicoativas, com destaque para a liamba e bebidas com elevado poder estimulativo como sendo o whisky(o chamado pacotinho), para se manterem enérgicos.

Segundo informações de alguns habitantes próximo à margem do rio Luali, o uso dessas substâncias tóxicas debilita o estado de saúde de grande parte dos garimpeiros, cujos ganhos financeiros "são efémeros”. "É tipo dinheiro de feitiço, não demora no bolso”, indicou uma das moradores.

Os buracos chegam a ter uma profundidade de cerca de três metros para extrair uma quantidade de pedaços de ouro de pouco menos de oito  gramas, equivalente a uma tampa de lapiseira, que pode custar cerca de 30 mil kwanzas.Este valor, em regra, é repartido entre quatro a cinco pessoas que fazem a equipa de trabalho. O que fazem, afinal, com esse dinheiro?

O estado físico debilitado dos jovens envolvidos nessa actividade responde a essa questão: "parte deste vai para o álcool e alimentam-se de forma precária”, confidenciou-nos uma das habitantes do município, acrescentando que muitos deles acabam por adquirir doenças pulmonares, como a tuberculose, levando-os à morte.

Disenterias e alergias na pele

Diariamente, o hospital municipal do Buco-Zau recebe pacientes com disenteria, parasitose intestinal e febre tifóide, devido à ingestão de água do rio que está contaminada, como resultado do garimpo nas margens do principal rio, informou o secretário municipal da Saúde do Buco-Zau, Inácio Tamba.

Alergias constantes na pele quando os habitantes entram em contacto directo com a água do rio, é outro problema que preocupa as famílias e os agentes da saúde daquele município.

Para dar resposta a essas situações, enquanto prevalece o garimpo, Inácio Tamba disse que a secretaria de Saúde elaborou um plano que visa educar as pessoas em relação ao tratamento da água para consumo, com vista a minimizar os efeitos negativos.

 "Estamos a realizar palestras nas comunidades, igrejas e nas escolas, orientando as pessoas a ferverem a água antes de beberem ou tomarem banho”, informou.  Quanto a medicamentos, o responsável afirmou que as unidades hospitalares do município de Buco-Zau dispõem de fármacos suficientes para atender a população, sobretudo para essas situações em concreto.

Inácio Tamba apelou aos garimpeiros a prática o quanto antes, para evitarem consequências mais graves.



Dezenas de crianças abandonaram a escola

Para além da contaminação das águas, tornar-se um vector de doenças, as consequências do garimpo de ouro vão desde a perda de vidas humanas, alteração do ecossistema, colocando em perigo a vida aquática e  estende-se até ao sector da educação, segundo o administrador Adjunto para o sector Técnico Infra-estruturas e Serviços Comunitários do Buco-Zau, Joaquim Barros Macosso.

O administrador Adjunto acrescentou que dezenas de crianças do Buco-Zau, influenciadas pelos adultos, abandonaram a escola para se dedicarem ao garimpo de ouro, colocando em causa o seu futuro.

Os professores, disse, têm estado a reportar aos encarregados  a ausência dos meninos nas escolas nos dias normais de aula, mas a situação continua.

A maioria dos encarregados de educação, sustentou, dedica-se à agricultura e não tem o controlo total sobre a frequência dos filhos na sala de aula.O garimpo tem causado, também, transtornos aos camponeses que cultivam próximo à margem do rio Luali, devido à quantidade de buracos nos perímetros das lavras. Enquanto as autoridades não tomam medidas, prevalece a lei do mais forte.

Assim, os agricultores são forçados a suportar os estragos à volta das lavras ou procurarem outras terras para o cultivo.



Autoridades tradicionais

O regedor da aldeia do Chionzo, Tiago Chicaia, disse que as autoridades tradicionais estão à altura de dar solução ao fenómeno do garimpo ilegal de ouro, porque grande parte dos praticantes reside na comunidade.

Questionado sobre os motivos do silêncio das autoridades tradicionais diante da exploração ilegal de ouro, Tiago Chicaia respondeu que as autoridades tradicionais não podem avançar com alguma medida em relação à exploração ilegal de ouro sem que a administração municipal ou os órgãos de defesa e segurança autorizem.

Todavia, um dos pontos mais importantes discutidos no Conselho de Auscultação do município de Buco-Zau, tem que  ver com a necessidade de envolvimento de todas as forças na solução deste problema.

No final do encontro, o regedor disse que nos próximos dias as autoridades tradicionais vão reunir com os encarregados dos jovens que fazem o garimpo, de modo a encontrar uma solução para se acabar com a prática.

Tiago Chicaia informou, ainda, que a principal dificuldade reside nos cidadãos de outras nacionalidades, sobretudo os da República Democrática do Congo (RDC), que fazem garimpo em zonas completamente inacessíveis da circunscrição municipal.

Micro operação de supervisionamento

O comandante municipal da Polícia Nacional no Buco-Zau, António César, informou que neste momento está em curso uma micro operação de supervisionamento dos locais de garimpo, em colaboração com as comunidades locais, com vista a apelar aos jovens a deixarem essa prática.

António César contou que, na última operação realizada com todos órgãos de defesa e segurança, há cerca de dois meses, foram detidos 44 cidadãos estrangeiros e os respectivos meios de trabalho, apresentados, posteriormente ao Ministério Público, tendo este órgão levado os prevaricadores a julgamento.



Medidas para acabar com o garimpo
 

O administrador municipal do Buco-Zau, Óscar Dilo, está preocupado com a situação, sobretudo com a questão das crianças que desistem da escola para se dedicarem inteiramente ao garimpo, considerando que esta conduta mancha a imagem, não só das famílias, mas também das autoridades administrativas do município.

Por esta razão, disse, as autoridades vão usar todos mecanismos para acabar com o garimpo de ouro no município de Buco-Zau."Se o pai ou mãe for pobre, não é a criança que vai cavar ouro para sustentar a casa, temos que colocar termo nisso” declarou. Óscar Dilo alertou às pessoas que mandam as crianças exercerem este tipo de actividade para pararem com essa prática, sob pena de serem responsabilizadas.

 Número de garimpeiros regista aumento

Recentemente a  administração do Buco-Zau realizou um encontro que envolveu os órgãos de Defesa e Segurança, autoridades religiosas e tradicionais  e sociedade civil, a fim de estudar mecanismos para acabar com o garimpo ilegal de ouro naquela circunscrição.

O assessor Adjunto para area jurídica do administrador municipal do Buco-Zau, António Guia, indicou que o número de garimpeiros tem vindo a aumentar nos últimos anos, devido à apetência pelo lucro fácil.

No seu entender, a falta de estruturas na comunidade que possam garantir a empregabilidade da juventude é uma das causas que leva os jovens a abraçarem o garimpo de ouro, sem medir as consequências que advém desse trabalho.

A falta de rigidez nas sanções é outro elemento que deve ser visto, sustentando que as multas aplicadas aos prevaricadores apanhados em flagrante não são desencorajadoras.

Uma das medidas a tomar, disse, seria a promoção de eventos que possibilitam educar a população em matéria jurídica, para estar informado sobre as consequências da exploração ilegal de ouro."Uma vez que o Tribunal de Comarca do município de Buco-Zau é recente, devemos antes empreender um conjunto de acções que vise  educar a população em matéria jurídica”, sugeriu.

Multas mais pesadas

O negócio Doravante, reforçou o jarista, as multas vão passar a ser mais "pesadas” para os casos de garimpo porque o município está a adoptar um novo instrumento jurídico que vise inibir, principalmente, a exploração ilegal de ouro, bem como a caça furtiva.

A fonte admitiu, por outro lado, que mesmo com a rigidez das multas, que poderão resultar da alteração da lei, a eliminação total do garimpo de ouro não será uma tarefa fácil porque é uma prática tradicional e é feita muitas vezes em locais inóspitos fora do controlo das autoridades. "Não há meios para a fiscalização de todo território”, reconheceu. O jurista defendeu o envolvimento de todas as forças vivas da sociedade, começando pelas famílias, igrejas, partidos políticos, associações e autoridades tradicionais no combate ao garimpo de ouro, para se banir este mal que prejudica a todos.

Quem compra o ouro?

O negócio do ouro não depende de um mercado formal, porque a maior parte das empresas que fabrica e vende peças em ouro compra o produto primário nos garimpeiros, disse ao Jornal de Angola a ex-funcionária da ourivesaria Pedras Rubras Maura Luía Kikongo.

As demais ourivesarias espalhadas por Luanda, Benguela, Huambo e Huíla, explicou, adquirem o produto de fontes oficiosas.

Maura Luía Kikongo ressaltou que as principais fontes das ourivesarias em todo país são os garimpeiros. "Nenhuma ourivesaria em Angola compra ouro legalmente, os garimpeiros são os principais fornecedores”.

"A única solução é só mesmo nos garimpeiros, se assim não for, as lojas de ouro em todo país fecham” concluiu. Recentemente, o Governo inaugurou duas dragas de ouro, nos municípios de Buco-Zau e Belize, província de Cabinda, com vista a tornar o sector mais produtivo.Com a inauguração das duas mineradoras, nomeadamente a do Lufo, em Belize, com a capacidade de produzir 10 quilogramas de ouro mês e 120 anual, e a mineradora de Buco-Zau, com uma capacidade de produção anual de 150 quilogramas, a província de Cabinda eleva a sua produção para 270 quilogramas de ouro primário.

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