Entrevista

João Massano: Recolha de obras vai ajudar a preservar a História do 4 de Fevereiro

Edna Dala

Jornalista

No dia em que o país celebra 60 anos do Início da Luta de Libertação Nacional, o director nacional da Preservação do Legado Histórico Militar do Ministério da Defesa Nacional e Veteranos da Pátria afirma que o sector está a fazer a recolha de todas as obras sobre o 4 de Fevereiro para preservar a História. O general João Massano sublinha que esta é uma tarefa difícil, que exige um esforço redobrado da parte das estruturas do Estado que concorrem para a sua preservaçã.

04/02/2021  Última atualização 12H40
© Fotografia por: Kindala Manuel | Edições Novembro
Os sobreviventes do 4 de Fevereiro queixam-se de serem recordados apenas nas vésperas da efeméride. Até que ponto isto corresponde à verdade? 
O 4 de Fevereiro de 1961 é uma data de transcendental importância na vida do povo angolano. Os acórdãos do nosso Hino Nacional são a prova evidente desta minha afirmação, pois estamos a falar de heróis e, por conseguinte, de feitos que jamais os angolanos esquecerão. Reconhecemos que existem muitas preocupações, mas não é possível solucionar todas neste momento. Contudo, uma reclamação é sempre um sentimento que nutre as pessoas por algo que consideram que não vai bem. Não devemos retirar às pessoas o direito de reclamar. É necessário termos a sensibilidade necessária para compreendermos o problema das pessoas, mas estas também devem ter a sensibilidade de compreender os problemas do país. Não se trata de uma verdade ou de  mentira, o importante é ouvirmos o clamor das pessoas e procurar dar respostas e soluções necessárias. Quanto à efeméride do 4 de Fevereiro, é lógico que ela só se comemora uma vez por ano e nesta data há uma maior incidência e actividades, mas no dia a dia procuramos dar solução aos inúmeros problemas com que se debatem os sobreviventes. 
Que acções estão a ser feitas no sentido da valorização não só dos heróis do 4 de Fevereiro, como de todos os antigos combatentes e veteranos da Pátria?
 
A valorização das pessoas é um processo natural. Tratando-se dos antigos combatentes e veteranos da Pátria, a valorização, além de ser histórica, também é simbólica por tudo quanto fizeram em prol da Pátria. A título de exemplo, os ex-combatentes veteranos da Pátria que continuaram a  carreira militar, que atingiram postos de oficiais e foram posteriormente licenciados à reforma estão inscritos na Caixa de Segurança Social das Forças Armadas Angolanas, têm as pensões regularizadas. Podemos ter alguns de fora, mas talvez por questões de organização das instituições de proveniência ou ainda por algum desleixo da parte do interessado.  
Que critérios são usados para o enquadramento dos Antigos Combatentes?
 O enquadramento na Caixa de Segurança Social obedece a critérios previstos na Lei das Carreiras dos Militares e no Decreto-Lei nº 16/94 de 10 de Agosto, que institucionaliza o Sistema de Segurança Social das Forças Armadas Angolanas. No entanto, a maioria que não beneficiou desta oportunidade se tem mostrado insatisfeita e compreendemos essa insatisfação. Não sendo possível abranger todos os antigos combatentes e veteranos da Pátria, por imperativos legais, a preocupação do sector tem sido a de lutar pela dignificação da pensão de mérito que aufere o antigo combatente, conforme estabelece a Lei nº 13/02, de 15 de Outubro, Lei do Antigo Combatente e do Deficiente de Guerra,  a  promoção de programas de assistência social e projectos de integração económica- produtiva, cuja implementação é limitada, devido à crise financeira que assola o País. 
Que políticas o Ministério tem em prol dos sobreviventes do 4 de Fevereiro ou seus descendentes? 

Em primeiro lugar devemos reconhecer que são praticamente 60 anos desde a insurreição do 4 de Fevereiro, o que implica dizer que muitos dos sobreviventes estão com mais de 75 anos e muitos também já terão falecido. Sempre houve uma preocupação com os sobreviventes, desde as questões de habitação, saúde, pensão, etc. Quanto aos descendentes tem existido uma preocupação, fundamentalmente para a sua formação e integração. 
O que é que o Ministério tem feito para a preservação do seu legado?  

O 4 de Fevereiro, enquanto legado histórico nacional, é uma data de todos os  angolanos. O Ministério da Defesa Nacional e Veteranos da Pátria, em particular, tem feito uma série de actividades comemorativas,  como a realização de palestras, seminários e conferências para que se mantenha viva a chama do 4 de Fevereiro. Vamos e estamos a trabalhar no sentido de fazer a recolha de todas as obras publicadas sobre o 4 de Fevereiro, quer por autores angolanos, quer por autores estrangeiros para preservarmos a história sobre o 4 de Fevereiro. É uma tarefa difícil, não só pela conjuntura actual, mas porque  exige um esforço redobrado da parte das estruturas do Estado que concorrem para a sua preservação. 
O que está a ser feito para que o Marco Histórico do 4 de Fevereiro, no Cazenga, sirva os objectivos para os quais foi criado? 

É uma pergunta difícil de ser respondida com a objectividade que se impõe. O Monumento Histórico do 4 de Fevereiro é nacional e, neste sentido, o seu simbolismo pertence aos angolanos. Não é exclusivamente um monumento militar, o seu alcance é de âmbito de todos os que estão na base da sua existência. 
Preocupações sobre o baixo subsídio são evocadas constantemente pelos antigos combatentes. O que é que o Ministério tem feito para responder essas questões?  

Temos consciência desta situação. Se tudo fosse fácil de resolver, os antigos combatentes seriam os mais privilegiados, tendo em conta o que fizeram pela Pátria. O maior problema muitas vezes é a relação entre o subsídio e o poder de compra dos bens essenciais.  Se pudéssemos estancar a subida de alguns preços, os subsídios não seriam tão baixos quanto parecem. Porém, estamos conscientes dos esforços que têm sido desenvolvidos pelo Executivo para ver a questão dos nossos antigos combatentes mitigada.  
Não existe discriminação no processo de enquadramento 
As mulheres ( viúvas, guerrilheiras e antigas combatentes) afirmam existir discriminação no processo de enquadramento e tratamento,  comparado aos homens. O que tem a dizer sobre isso?    

Será discriminação positiva ou negativa? Não existe política de discriminação por ser mulher, nem na atribuição de subsídios ou nas formas de atendimento.  Procuramos sempre ouvir as reclamações de todos e compreender melhor os anseios das viúvas, das guerrilheiras, etc.  Na nossa luta estiveram sempre mulheres ao lado dos homens e homens ao lado das mulheres. Pode ser um caso isolado e não generalizado. Estamos a falar de duas situações distintas. Para o caso dos beneficiários do Sistema de Segurança Social das FAA gerido pela CSS/FAA e dos subsídios dos antigos combatentes, a situação é regulada por diplomas próprios. 
Que iniciativas foram tomadas para a recuperação de informações sobre os movimentos desenvolvidos por grupos de combatentes em prol da independência nacional?
  
Se pretende saber o percurso histórico dos três movimentos de libertação nacional no processo de luta pela Independência Nacional, podemos afirmar que existe um grande acervo biográfico e histórico, não só em Angola como também no exterior, Portugal, em particular.  Neste quadrante, já temos um acervo considerável sobre estes movimentos. A criação da Direcção Nacional de Preservação do Legado Histórico Militar – DNPLHM no Ministério da Defesa Nacional e Veteranos da Pátria visa responder esta questão. No âmbito das suas responsabilidades, este órgão tem como tarefa a criação de uma base documental sobre a luta de libertação nacional, a luta pela conquista da Paz e sobre outros feitos que estão na origem do nosso Estado independente. 
Estas informações já estão disponíveis no enquadramento de antigos combatentes e consolidação do espólio militar que forma o património histórico das Forças Armadas?   

É evidente que estas informações contribuíram significativamente para o enquadramento dos ex - militares. O espólio militar é um processo que vamos consolidando aos poucos por razões compreensíveis. 
Que razões compreensíveis seriam estas?  

Viemos de uma guerra civil que reacendeu em 1992, isso fez com que perdêssemos a mínima base que já estava organizada,  como o espólio passa por necessariamente não discriminar nenhuma das partes. O que implica fazer uma pesquisa  em relação a feitos históricos e uma base de dados que dá possibilidade de todos os movimentos de libertação.   Por outro lado ainda temos a dispersão de corpos por  todo país e temos que identificar essas campas de angolanos que pereceram lutando, o que subentende-se que todos nós combatemos por uma causa. Essas e outras são as dificuldades que enfrentamos.  
Além de ajudar na integração dos institutos de atendimento por pensões, as informações permitem também, a integração dos antigos combatentes e ex militares nos processos de desenvolvimento agrícola?  

É claro que sim.  A integração dos antigos combatentes e ex-militares nos processos de desenvolvimento agrícola e o apoio prestado às Associações de ex-militares são bem a prova evidente de todas as acções desenvolvidas neste sentido 
Existe, neste sentido, reclamação de falta de orientação do Ministério e lentidão no processo de identificação e integração de antigos combatentes e seus familiares. Concorda? 

Podem existir dificuldades, mas não derivam do Ministério. Neste momento, o Ministério da Defesa Nacional e Veteranos da Pátria controla um total de 153.483 assistidos. Com a retomada do processo de recadastramento e prova de vida dos beneficiários, iniciado em 2018 e interrompido em Março de 2020 devido à pandemia da COVID-19, o número poderá diminuir em função da retoma do processo.  
Em que fase se encontra o programa de recadastramento e prova de vida? 

O processo de integração está, em grande medida, dependente da conclusão deste trabalho. Precisamos de marchar com segurança, a fim de evitar o vício a que o processo anterior esteve submetido, facto que deu origem a um número elevado de fantasmas. 
O processo de recolha de informação prevê a inclusão das actividades desenvolvidas por grupos integrados nos movimentos de antigos combatentes e veteranos da pátria sob liderança da FNLA e UNITA?  

Estamos a trabalhar no assunto.  Nesse particular existem orientações muito precisas do Comandante - em -Chefe das FAA e do ministro da Defesa Nacional e Veteranos da Pátria.  A recolha de informações obedece a critérios muitos rigorosos a fim de se evitar aproveitamentos. A situação é mais séria em relação à FNLA, cujo processo depende, em grande medida, do entendimento e concertação interna. Temos desenvolvido algumas acções no sentido de encontrar a melhor solução para o enquadramento e entendimento a que se refere. Pensamos que estamos no bom caminho. 
Como define a  relação do Ministério com esta classe'? 

Boa. Sob a égide do Ministério são realizados com regularidade encontros com as associações de ex-militares com o objectivo de auscultar as preocupações e inteirar-se de projectos futuros. 
147 cooperativas de ex-militares e antigos combatentes 
Quantas cooperativas de ex-militares, antigos combatentes e veteranos da pátria estão sob acompanhamento do Ministério, através dos seus institutos? 

O Ministério controla neste momento 147 cooperativas que envolvem 10.475 associados, distribuídos em todo território nacional. Apesar da protecção social que lhes é reconhecida nos termos do artigo 84.º da Constituição da República de Angola e da Lei, os antigos combatentes e veteranos da pátria, na generalidade, enfrentam enormes dificuldades sociais, algumas das quais caracterizadas pela exiguidade da pensão que auferem, falta de fontes alternativas de renda, deficiente assistência médica e medicamentosa, falta de habitação, falta de oportunidade de emprego e outras situações, agravadas pela crise financeira que o país atravessa. 
Que outros apoios, como ajuda em financiamento, estão previstos para permitir aos antigos combatentes e ex-militares, de forma geral, o estabelecimento de negócios no domínio das actividades agrícolas? 

Existe um Plano Estratégico e Plano de Negócios da Caixa de Segurança Social das FAA que prevêm a inclusão dos antigos combatentes e ex-militares organizados em cooperativas, nos distintos projectos em carteira, com o fito de alargar a sua base de renda e desta forma mitigar as carências sociais. 
Do fundo disponibilizado para atender os antigos combatentes, por exemplo, está prevista a aplicação financeira pensando na multiplicação do capital? 

Não existem fundos disponibilizados para esse efeito em concreto. O que existe são iniciativas da parte da Caixa de Segurança Social das FAA, cujo objectivo final será, certamente, o de melhoria das condições de vida do público alvo. 
Em que sectores de negócios podem ser encontradas essas iniciativas e qual o montante financeiro?  

A Caixa de Segurança Social das FAA tem levado a cabo uma grande campanha de informação, não só nas unidades, estabelecimentos e órgãos das FAA, mas também a nível das associações de ex-militares, a fim de levar ao conhecimento de todos os esforços que têm sido feitos nesse sentido, bem como definido a forma de participação do público alvo nas acções em curso. 

Comentários

Seja o primeiro a comentar esta notícia!

Comente

Faça login para introduzir o seu comentário.

Login

Entrevista