Entrevista

João Tala: “A mulher é a pátria do homem”

Isaquiel Cori

Jornalista

Escritor com obra que se estende pela poesia e a ficção, João Tala recentemente recebeu, em Luanda, por intermediação de Luandino de Carvalho, adido cultural na Embaixada de Angola em Portugal, o galardão do Prémio Guerra Junqueiro que lhe foi outorgado em 2021 pelo município de Freixo de Espada à Cinta. Em Maio do presente ano, Tala lançou o poemário “A mulher é a pátria do homem” (Editora Palavra & Arte), mais uma obra sua inteiramente dedicada à exaltação da mulher. O poeta, em entrevista ao Jornal de Angola, explica a origem do seu fascínio pela mulher, o contexto da escrita desse livro e lança um olhar em torno da emergência de novos escritores. João Tala queixa-se “de um certo ostracismo” a que foi submetido “por parte do poder que instâncias literárias consentem” e anuncia que já não escreve poemas com o objectivo de os publicar

29/10/2023  Última atualização 12H02
© Fotografia por: Edições Novembro

A mulher é tema recorrente na sua poesia, e diríamos mesmo, em quase toda a sua obra. A mulher como objecto de desejo, como fonte da vida, como ser maternal, como nação, como pátria, como éden… Para lá da poesia, a mulher reúne em si todas essas qualidades?

Sim, à medida que foram acontecendo os feitos poéticos, a temática da mulher foi se incorporando e impondo. Penso que há aqui uma interacção que opera ao nível do subconsciente. Explico melhor: no capítulo da infância, meu pai esteve muitas vezes ausente, assim eram as mulheres que me cuidavam, educavam e incitavam todos os processos da minha formação como homem. Eu tive duas mães, duas irmãs que viviam juntas, e eu tratava a ambas como mães. Com elas aprendi a ler e a escrever;aprendi também a trabalhar na lavra, e iniciaram-me no metodismo (a Igreja Metodista). Meu pai era um cafeicultor do Golungo Alto, polígamo – situação própria dos grandes agricultores e não só, na época. Um dia ele levou-me para o Golungo e passaram a cuidar de mim as suas três esposas, minha avó e também minhas irmãs mais velhas que, por sinal, ainda cá estão. Essa realidade iria se refletir no meu futuro ao nível, provavelmente, da representação mental. Mas eu não sou psicólogo, sei muito pouco disso, e se não é assim então não sei. Depois, essa recorrência de que dizes, torna-se uma especialidade, um lugar de conforto acima dos sentimentos, quiçá um comprometimento.

"A mulher é a pátria do homem”. Mais do que uma metáfora ou um achado poético, certamente quis expressar um pensamento mais profundo. Quer explicar aos leitores por que acha que a mulher é a pátria do homem?

É o título de um dos poemas constante do livro "A Forma dos Desejos II”. Certa vez desloquei-me à casa de um primo meu e a sobrinha apresentou-me o texto como enunciado de uma prova de português. A partir de então o título ("A mulher é a pátria do homem”) faria uma caminhada mental comigo, praticamente estava idealizado esse poemário, só levaria décadas a sua efectivação. Não preciso explicar mais do que isso, porque o leitor entenderá que o pensamento mais profundo em razão da expressão, venha do leitor.

Então o livro foi escrito em torno deste título, não é o resultado da recolha e organização de poemas que estavam na gaveta?

Falei de uma caminhada mental, uma idealização. A concepção de um poema não é operacionalmente idêntico ao de uma narrativa, onde as coisas andam conforme um enredo. A intenção não é tão consciente, menos ainda ordenada, até chegar à fase de selecção dos textos. O critério é a seleção, em razão do que se foi pensando, ou de que se guardou na mente. Por exemplo, se tiver muitos escritos onde o cachorro surge como uma figura, uma imagem, posso pensar um dia num título como "cachorro latindo”, e, no fim de uma década, entre uma centena de poemas estará uma vintena deles próxima à temática, enquanto outros podem encorpar outra tendência.

Diríamos que toda a sua poesia, desde "A Forma dos Desejos”, é um canto incessante à mulher. Mas não só a poesia, porque o livro de contos "Rosas & Munhungo” é todo dedicado à mulher…

É uma história pessoal. Eu tinha acabado de fazer 20 anos, quando terminei o curso geral de enfermagem. No entanto, a guerra começava a crescer, requisitaram-me imediatamente para as Forças Armadas. Parti numa madrugada para apanhar o avião que me levaria ao Huambo, onde estava destinado. Minha mãe, naquela madrugada, seguia-me a chorar. "Não chore, mamã; vai pra casa”, apelava eu naquela distante madrugada. Consegui fintá-la e desaparecer.  Na primeira caserna militar da minha vida, primeiro sono, depertei ouvindo minha mãe que falava em voz alta. Pulei do beliche atrapalhado, espantado."Será que a mamã seguiu-me até aqui?”. Fui ver. Era somente alucinação, não me lembro de ter tido uma antes. Escrevivendo, posso dizer, a guerra pode estar entre as causas do meu fascínio pela mulher, porque a memória da minha partida de casa traz à liça minha mãe; e está a espaços, também ela, uma temática recorrente; e a política. Por isso mesmo, eu tenho muita coisa para escrever. Há lá, e aqui, no meio de tudo, uma história pessoal.

 
Existe uma mulher real, concreta, de carne e osso, que concentra em si todo esse seu fascínio pela mulher em geral?

Vou repetir: a minha mãe; sem prejuízo de quantas mulheres me realizaram.

 
A mulher na sua fase lunar, a mulher infernal, furiosa, ainda assim é poeticamente irresistível?

Sim, depois a própria temática vai divergindo, vão surgindo outras característica. Estamos no domínio da imaginação, da reinvenção, da reelaboração, da dispersão. Literatura é assim mesmo, não adianta um mundo perfeito. Mas é sério sim, não resisto à mulher, esse ser plural.

 
Está claro que os seus poemas não são meras construções intelectuais.  A sua obra alimenta-se muito da sua prática médica mas também dos dias e noites e dos cantos e recantos onde vive e convive… Quer comentar?

Aquilo que eu sou; aquilo que vivemos todos como colectividade tem suas "épocas” no poema. Porém, apesar de não serem meus textos meras construções intelectuais, ainda priorizo a arte, nem que seja arte pela arte – felizmente não precisa ser assim, porque estabeleci uma marca, uma estética pessoalizada, uma identidade. Eu crio laços, saio para viver a poesia. Ando pelos musseques, andei por províncias, municípios e aldeias,já fui cliente dos taxistas-kandongueiros, passei por "teatros” de guerra e pela Faculdade de Medicina. Tudo facilita à inspiração e à mente, dependendo da motivação; tudo pode ser experiência e matéria para poesia.

 
Quais são as qualidades que muito preza numa mulher?

Eu escolhi para casar uma mulher batalhadora, alegre, simpática, conselheira, higiénica. Ela tem atitude, nem que seja para ralhar comigo, porque eu falho muito (risos).


A sua poesia revela uma simpatia muito grande pela mulher comum, a mulher sofrida, a mulher da rua, a prostituta… Parece que há uma dimensão mais política e intelectual da mulher que parece ausente na forma como retrata a mulher… Concorda com essa leitura?

Eu concordo plenamente, mas não devo ser eu a desvendar, a emitir uma opinião afim, porque está do outro lado o leitor, o intérprete...

 
Agora que está aposentado como médico, o que faz? Dedica-se inteiramente à criação literária?

Algumas vezes fico vendo passarinhos; vêm pousar muitas aves no espaço que me habita; outras tantas tiro uma folga com amigos e parentes. E a boemia então, é quase uma sentença. Doutra forma, estou escrevendo romances que, parece-me, ninguém quer publicar.  São os editores mais jovens que se interessam actualmente pelos meus escritos, como no caso do último poemário ("A mulher é a pátria do homem”), porém, quando se trata de obras mais dispendiosas como são os romances, não têm sustentação financeira. Estamos em tempos difíceis, falta dinheiro para tudo; e falta tudo para se ter dinheiro. Um desses editores jovens tem na mão um romance curto. Esperamos para ver.

 
A dificuldade de publicar actualmente é transversal a todas as gerações… 

Certamente. Editores que mais se interessam pela minha obra são jovens, financeiramente limitados. Depois, não sou garantia de lucros. É mais fácil um político, um músico, um jornalista vender, à medida da sua fama, seja ou não literatura.

A mim parece estranho que um médico especialista aos sessenta e poucos anos, cuja formação em todas as etapas foi feita em instituições do Estado ou com bolsa do Estado, esteja aposentado, num país como o nosso em que os médicos especialistas são tão poucos… Foi seu desejo aposentar-se?

Também me pareceu estranho, não foi meu desejo. Saíram naquela altura todos, ou quase todos, que tinham completado 60 anos. Dois meses depois surgiu a pandemia e tive de voltar aos serviçosde urgência para chefiar uma equipa, por alguns meses. Mas, meu caro, eu sou militar, foi uma decisão das chefias militares. Cumpra-se. Foi bom para mim, tenho outras coisas para fazer na vida.

 
Você encara a vida e o mundo, sempre, sob uma óptica poética?

Eu sou louco. Tenho dito.

 Será a loucura condição sine qua non para se ser poeta?

Não sei. Falo por mim.

Sente que na poesia angolana, do mesmo modo que há esse olhar sobre a mulher, centrado no seu corpo, também existe um olhar da mulher centrado no corpo do homem?

De modo geral as mulheres gostam de falar de crianças e do amor. O corpo e a fisiologia são achados espontâneos nos seus escritos, pelo que vejo. Ou, se calhar, tenho de ler mais.

 
Alguns dos seus poemas são abertamente eróticos. Quando teremos um livro seu só com poemas eróticos?

Não teremos. Poderei vir a publicar textos poéticos que recupere das gavetas ou de um outro lugar. Há vezes que encontro poemas dos quais já não me lembrava, ou até já publicado em livro mas que eu já não me lembre. Poderei publicar antologias temáticas de meus poemas, talvez, mas, de certa forma já não escrevo poemas com o objectivo de os vir a publicar em livro, por enquanto. Reitero a vontade de publicar no futuro antologias temáticas ou achados de gaveta, contudo,estou a dedicar-me a escrever romances, por agora.

 
Fala em romance no plural. Quantos já tem escritos e engavetados? Ou está a escrever mais do que um, simultaneamente?

Quis apenas simplificar a dedicação na escrita de romances. Tenho obras, romances, quero dizer, na gaveta. Claro que estou a escrever outro, mas, veremos onde chega.

 
Durante algum tempo alimentou o projecto de publicação de um poema ao sábado, nas redes sociais. Quais são as lições que colheu dessa experiência de divulgação da sua poesia nas redes sociais?

Tive a oportunidade de conhecer muita gente através do Facebook, nesse tempo. É o exemplo dos poetas Breve Leonardo, português e Hirondina Joshua, moçambicana, que me mandaram suas obras. Breve Leonardo tem um pequeno restaurante em Castelo Rodrigo, uma aldeia no interior de Portugal,que contempla a acção literária.Em cada tampo das sete mesas do restaurante há um poema impresso, dos autores da sua preferência. Um dos poemas é meu, antes publicado no meu mural do Facebook, e foi lá que o buscou. Eu não conheço Portugal, mas sinto que as palavras foram lá ter.Esses poemas, creio, criaram o incentivo ao convite para uma conversa com estudantes de pós-graduação em Literatura da UFRJ/Brasil (Universidade Federal do Rio de Janeiro) em 2017. Tenho recebido muitas manifestações de aceitação, estima, admiração e partilha desses poemas.

A sua obra tem uma óptima recepção no seio dos jovens escritores. Na sua opinião, a que se deverá isso?

Há hoje maior actividade académica e literária entre os jovens. Há muitos mais rapazes e raparigas interessados em literatura. Esses jovens lêem muito, realizam actividades e discutem temas literários. Entre eles temos críticos com enorme sustentação, poetas, ficcionistas etc., que não podem deixar de estar em processo de amadurecimento, mas são bons, é uma questão de tempo, naturalmente. Meus livros tiveram pouca saída no período em que os escrevi, ademais o efeito de certo ostracismo a que fui submetido. Quando os publiquei, a maioria desta nova geração tinha em média 10 anos de idade. Os miúdos cresceram e evoluíram com a academia, movimentos como o colectivo Litteragris, entre outros, e por vontades pessoais, sobretudo, ligadas fundamentalmente à leitura. De repente, meus livros armazenados são trazidos à superfície, são comentados, eu sou abordado até em casa (um prazer dizer a eles "voltem sempre”). A título de exemplo, Edmira Manuel defendeu a sua tese de licenciatura trabalhando com o meu livro de contos "Rosas & Munhungo”; o Hélder Simbad dissertou no seu mestrado sobre a minha novela "Viagem para o Fim”, que integra o livro de contos "Surreambulando”. São dois nomes sonantes da nata literária juvenil, e há outros que abordam com interesse minhas obras. E o futuro é com eles mesmo. Participei intensamente no brigadismo literário dos anos 80. Portanto, posso concluir que o movimento literário hoje não deve nada, rigorosamente nada, ao daqueles anos, salvo naquilo que se pode achar como herança patrimonial.

 
Fala num certo ostracismo a que foi submetido. Pode ser mais explícito? Ostracismo por parte de quem?

Por parte do poder que instâncias literárias consentem. Alguns escritores, mesmo por tão pouca qualidade que expressam suas escritas, são favorecidos dentro de um sistema elitista. Não está fora de hipótese que é a qualidade da minha arte que os chateia. Ninguém me convidou, por exemplo, a qualquer participação ante toda a movimentação que viria a constituir a Academia Angolana de Letras, não porque se esqueceram, que não me tivessem achado, nada disso. Foi apenas o dedo da mão elitista que aponta. Um jovem escritor presente no acto de posse, ligou para mim exclamativo: "não estou a ver o senhor aqui”. Respondi-lhe: "eles não me levam a sério”. Não foi com espanto que ouvi o jovem dizer que tinham posto de lado um dos melhores poetas da actualidade. Quando o elitismo consagra as vaidades, melhor é mesmo desencantar-me. Citei apenas um exemplo, até porque não quero exacerbar nada.

 
As suas leituras já identificaram bons novos poetas e escritores? Quais, além dos que mencionou?

Hoje em dia leio mais escritores jovens. É uma das formas de ocupar o tempo e de os conhecer. Eu sempre afirmei que a minha principal actividade literária é a leitura, porém, já não o faço com o mesmo ímpeto e intensidade, a acuidade visual já não é a mesma. Portanto, conheço esses emergentes.  Há entre eles muitos escritores bons. Quando me dizem que a nova geração não lê, aí logo sei que quem o diz é quem não os lê. São académicos, alguns formados em língua portuguesa, e vem alguém anedótico dizer-nosque eles não sabem escrever na língua em que se expressam e não sei quê. É um exagero. Por exemplo, eu não vejo a possibilidade de, honestamente, não se dar um prémio literárioem concursos para novatos, alegando mediocridade das obras todas, onde participa o jovem poeta do Sambizanga, o Vunje Futa, ainda sem obra publicada, é claro, mas conheço bem seus trabalhos. Aconteceu no passado, e não é caso único. A inveja tece seus métodos e encanta a mentira. Pena é que vão levando muitos jovens a dissertar sobre luta de gerações, o que não é, de modo nenhum. Para mim está claro que não existe, não é possível luta de gerações literárias vistas deste modo, porque o novo e o velho são maturidades diferentes. Geralmente são os escritores medíocres que alimentam manifestações excludentes; têm forma de chamar atenção sobre si mesmos, por vias que pouco têm a ver com o texto.


É capaz de mencionar a conjugação de circunstâncias da sua vida pessoal e familiar que o tornaram escritor?

Há pormenores que me remetem à infância, mas disso não falo agora. Sempre gostei de ler e isso levou-me à preocupação com a redacção. Primeiras evidências surgiram na 4ª classe.  Minha professora fartava-se de elogiar minhas redacções. Conto um espisódio, ciente disso, vez uma, para agradar mais ainda a professora, tirei do livro de ciência umas frases para embelezar uma redacção que ela mandara fazer à turma. Coisa infantil mesmo. Levei do bom. Aquelas professoras do tempo colonial surravam bem (risos). Mandou-me repetir a redacção, debaixo do seu nariz (digo com respeito). No fim, ela exclamou: "Faz sempre redacções bonitas”.Nas classes subsequentes, era naquele tempo infalível que as provas de língua portuguesa terminavam mandando fazer uma composição com dado assunto. Eu não era bom em língua portuguesa, e até hoje não sou. No entanto, essas composições valiam 5 ou 6 valores. Eu sacava sempre valor máximo na composição, e não havia mais quem o fizesse. Para o resto da prova era só conseguir mais quatro pontos e tinha positiva. Uma vez apareceu não sei donde um estranho enunciado, sem composição para se fazer, tive negativa... mas que raio! Contudo, ainda não sabia ao que vinha, e só comecei verdadeiramente a interessar-me em escrever poemas na tropa, quando não tinha mais nada para ler. Em 1983 acontece um concurso literário nos domínios da 4ª Região Político Militar (abrangia Huambo, Bié, Kwanza Sul, Benguela) que eu ganhei. O prémio era um televisor que mandei para Luanda porque em casa da minha mãe não havia televisor. Naquele tempo, sobretudo nos musseques, quem tinha o aparelho acolhia os outros, da vizinhança. Lembra-se? Depois desse prémio alinhei imediatamente com o grupo que fundaria a Brigada Jovem de Literatura Alda Lara, no Huambo. Foi uma caminhada em beleza, até à obsessão. Mas a obsessão também está a ser bom.

 
O que é que diz aos jovens escritores ou aspirantes a escritores que o procuram em casa ou o abordam na rua? Quais têm sido as preocupações desses jovens?

Preocupações de todo o tipo. Alguns entregam-me ou enviam-me textos, o que torna difícil a minha missão em muitos casos, porque os jovens buscam por resultados apressadamente, faz parte da natureza juvenil. É necessária uma certa sensibilidade para conversar e apontar-lhes deveres. Outros querem conversar sobre nossas experiências, ou simplesmente sobre literatura. Alguns buscam livros e eu, infelizmente, nem sempre consigo deixar de emprestá-los, contra todos os riscos. Também tem se dado casos de eu tomar emprestado livros dos jovens. Tenho aprendido muito com eles.

 
Agostinho Neto,António Jacinto, Viriato Cruz… Com qual dos três se sente poeticamente mais próximo?

Estaria mais próximo do António Jacinto, mas nem tanto,revendo os primeiros anos, muito antes até do esboço que viria a ser a minha poesia actual.


Quando pensa no ser humano hoje, o que é que mais o inquieta?

A ganância, ao ponto de se estar à beira da autodestruição. A despreocupação com a natureza, com as alterações climáticas, é de bradar aos céus.


Bio-bibliografia

João Tala nasceu em Malanje, em 1959, onde frequentou o ensino primário. Em 1974 passa a viver em Luanda, onde continua os seus estudos. Ingressou nas Forças Armadas num contexto de guerra, tendo sido enviado para o Huambo em 1980. Aqui,  participa na formação da Brigada Jovem de Literatura Alda Lara e começa a estudar medicina, que conclui em Luanda. Émédico especialista em medicina interna.

Pertence à União dos Escritores Angolanos desde Dezembro de 1997, ano em que lançou a sua primeira obra intitulada "A Forma dos Desejos”, poesia (Prémio Primeiro Livro da UEA). Seguiram-se outros títulos: "O Gasto da Semente”, poesia (menção honrosa do Prémio Literário Sagrada Esperança, edição 2000); "A Forma dos Desejos II”, poesia (2003); "Lugar Assim”, poesia (2004); "Os Dias e os Tumultos”, contos (Grande Prémio de Ficção, 2004 da UEA); "A Vitória é uma Ilusão de Filósofos e de Loucos” (Grande Prémio de Poesia, 2005 da UEA); "Surreambulando”, contos (2007); "Forno Feminino”, poesia (2010); "Rosas & Munhungo”, contos (2011); "Rua da Insónia - Um Manifesto de Inquietações”, poesia (2013); "Além da Noite”, livro com duas novelas (2019); "Missal de Sábado”, poesia (2020).

Em 2021 foi distinguido com o Prémio Literário Guerra Junqueiro, do Município de Freixo de Espada À Cinta/Portugal.


Nação Mulher

Um vagido: não-enigma

levando poema a manhã

escrevendo noite das coisas

tal como música escura nos

encantos do corpo africano

onde cada rio uma língua

genital verso de

um idioma só: não-enigma

de fora estamos com o ritmo

da escrita construímos a casa

e a nação mora aqui mesmo

na mulher desencontrada.

Orgasmo que ela me contou

Depois de escavada teve

o corpo remexido.

decifrada, a pele dela na

mão que acena.

A boca erra o subsolo estranho

depois que o riso dormiu.

a pele, terra. O ponto clítoris

sísmico. Centro do corpo.


Amor do Magistério

Amor do magistério toda infância

babebi bebo. A boca vai além

é um caminho

e teus sobraçados livros intemporais

e teu amor escola. O quadro preto

os números que a tabuada envelheceu

teu ser era a cidade enquanto

amavas. Ainda te preciso, professora.


Câncer da Mama
(um lamento sentido no osso)

Como se mais tarde fosse amanhecer

ainda uma dor suada de febre

dentro de si metástases faúlhas

pedras vivas.

As mãos do doutor fremem de

carícia já tão tarde

ela não sente mais nada senão o silêncio

no lugar onde antes nasciam

rios brancos, latidos de bebés, colmeias

até à náusea do sexo.


Ela disse

Com minhas próprias palavras

acendeste uma fogueira

o frio que eu sentia

tua libido exaltava

trazias as mãos cheias de clima

mas não me dirás mais

palavras uterinas, não podes

tu és um homem

nasceste de uma falha de mim

de um lugar obturado onde

Deus pôs sangue e

tomou de mim emprestado.

Dá-me poemas homem

Isso sim é o meu calor.

Comentários

Seja o primeiro a comentar esta notícia!

Comente

Faça login para introduzir o seu comentário.

Login

Entrevista