Entrevista

Joaquim José Luís Grilo: “Ha 71 anos, bebi a água do Cavaco e nunca mais deixei Benguela”

Arão Martins / Benguela

Jornalista

Joaquim José Luís Grilo “Kalonjololo”, 77 anos, figura bastante conhecida em Benguela, é um pesquisador apaixonado pela História, tendo aliás, escrito vários livros, a aguardar apoios para publicar, sobre a história da cidade de Benguela. Colaborou com o Centro de Produção de Benguela da Televisão Pública de Angola, a TV Zimbo e com as emissoras provincial de Benguela e regional do Lobito, do Grupo RNA. Actualmente é membro do Conselho Provincial de Auscultação da Comunidade e colaborador da Revista Sul, Restos & Negócios, Publicidade e Marketing. Bastante assertivo, Joaquim Grilo, a propósito dos 406 anos de Benguela comemorados a 17 de Maio, fala sobre o estado actual da cidade, que considera o seu “paraíso terrestre”, sem esquecer o passado e perspectivar o futuro

21/05/2023  Última atualização 09H40
© Fotografia por: Arão Martins | Edições Novembro – Benguela

É mesmo natural de Benguela?
Não, não. Nasci em 1946 em Malanje. Considero-me um homem com dupla naturalidade. Não obstante dizer sempre que se não tivesse nascido na linda cidade de Malanje, gostaria de lá ter nascido. O meu avô tinha uma fazenda em Cacuso, Malanje e foi lá onde eu nasci, mais duas irmãs.


Em que circunstância veio parar a Benguela?
Aos seis anos de idade, altura em que, por motivos do perecimento do meu pai, vim em companhia da minha mãe (em memória) e de duas irmãs. Viemos a Benguela, onde chegamos, curiosamente, a 17 de Maio de 1952. Bebi água do rio Cavaco e nunca mais deixei esta cidade das Acácias Rubras.

 
Os seus pais são todos angolanos?
A minha mãe era natural do município de Quilengues, província da Huíla. O meu pai de Malanje. O meu pai era filho de um português e uma angolana. Foi muito novo para Portugal para estudar. Teve a malapata com o pai, regressou a Angola e apareceu nesta região Sul, onde conheceu a minha mãe em Quilengues. Passando alguns anos, o meu avô fez as pazes com o meu pai e foram para Malanje.

Em 1952 o pai morreu. Com a morte do meu pai, na altura eu tinha 6 anos, a mãe, como era de Quilengues, preferiu regressar às origens. Fomos parar a Quilengues. Nesta época, eu estava às portas para começar a estudar.

No meu tempo, entrava-se para a escola com 7 anos. Os abastados é que iam à escola ou jardins colégios com 6 anos. Nós que não usávamos os direitos de ir para esses sítios onde tinha que se pagar uma propina, então, só aos 7 anos é que começamos a estudar. Infelizmente, a mãe, por ser de Mussange, uma região do interior de Quilengues, era incapaz de me inserir no sistema de ensino, porque lá não havia escolas.

A minha mãe tinha duas cidades por optar. A antiga Sá da Bandeira, hoje Lubango, ou Benguela. Como tinha uma irmã em Benguela, optou por esta cidade e estou cá até hoje. Não obstante ter saído para cumprir o serviço militar obrigatório fora. Já estive na Europa, mas o meu quartel general é Benguela. Estou cá há 71 anos.

Para quem vive em Benguela há 71 anos, conhece outras cidades?
Conheço quase todas as cidades de Angola e algumas além-fronteiras. Mas, todas eu admiro-as, porém, o meu paraíso terrestre, tal como já disse, é Benguela. Eu sem Benguela é como quem fica sem olhos para ver. Eu não consigo ficar sem Benguela. Aliás, por isso é que tenho dito e já pedi aos meus familiares: eu quero ser enterrado em Benguela. Não quero ser enterrado noutra parte do Mundo. Tem que ser em Benguela.

 
Para quem tem esse histórico de Malanje e Huíla, porquê esta preferência tão forte por Benguela?
Gosto de Benguela. Não me pergunte porquê. Não sei se é por ter bebido água do rio Cavaco, mas gosto muito de Benguela. Aliás, a cidade mais linda para mim, que está mesmo no meu coração, é Benguela. Não obstante eu ter dito várias vezes que se não tivesse nascido em Malanje, gostaria de lá ter nascido, por conseguinte gosto de Malanje. Por isso, tenho dito que tenho dupla naturalidade. Sou um cidadão com dupla naturalidade. Sou malanjino e benguelense.

Onde é que fez o ensino primário?
Fiz o ensino primário na escola da Missão da Nossa Senhora da Nazaré, em Benguela, e o secundário no Liceu Nacional de Benguela e na então cidade de Nova Lisboa (Huambo), enquanto cumpria o serviço militar obrigatório no Exército Português.

 
A escola primária ainda existe?
Infelizmente, esbulharam o campo e outros terrenos adjacentes. Mas a igreja que eu ajudei a construir e algumas salas de aulas ainda existem. Fiz o ensino primário naquela escola, tive vários colegas, entre os quais o general Zé Maria, o José Abrantes, o Manuel Lisboa, que está formado em germânicas e vive na Alemanha há mais de 50 anos e tantos outros, que agora a memória não me faz com que diga os nomes dos mesmos. Mas, foram muitos colegas do meu tempo.

Cumpri o serviço militar obrigatório do exército português. Daí não regressei aos estudos. Nunca vivi em Portugal. Fiz apenas a tropa do antigo exército português na então cidade de Nova Lisboa, hoje Huambo. Estive no Moxico, na Lunda e em Luanda. 


"A história de ser historiador”

Onde começa a história de ser historiador?
Eu sou muito curioso. Mesmo enquanto estudante chocava com os professores, no bom sentido. Gostava muito de pesquisar. No meu tempo, a história de Portugal incluía as colónias de Moçambique, São Tomé, Angola, Guiné, Cabo Verde e falava-se um pouco do Brasil, porque também foi colonizado pelos portugueses, Macau e Timor. Então, nós éramos obrigados a aprender um bocado de cada parcela. Aprendi muita coisa e conheço muita coisa de Moçambique, de São Tomé, da Guiné Bissau. De Portugal conheço as linhas férreas, praias e muito mais. Prendi-me pela história e fui desenvolvendo. Fiz e continuo a fazer muita coisa relacionada com a história, no cômputo geral, universal e em especial de Benguela.

 
Estamos no Maio-Benguela, uma combinação positiva, porque é neste mês que esta cidade completa 406 anos. Afinal de contas, qual é a história real de Benguela?
A história de Benguela é inacabável. Todos os historiadores tentaram começar, mas nunca acabaram. Ela é longa. É uma das cidades cosmopolitas de Angola. Talvez seja uma das cidades mais antigas a Sul do Equador. Benguela tem muita coisa que se lhe diga.


O pouco que podemos falar neste momento de Benguela é exactamente o quê?
Benguela foi uma cidade muito contestatária, foi sempre contra o sistema colonial, porque nós dormimos na cama que nós mesmos fizemos. Foi para aqui onde foram deportados os grandes carrascos do regime de Portugal, que eram as curibecas. A maçonaria é uma seita que era muito unida e determinava o que queriam fazer. Então, vieram para aqui desterrados. A partir daí, Benguela tornou-se uma cidade inimiga acérrima do sistema português.

Só para dar um exemplo, Benguela completou 406 anos a 17 de Maio, e só no segundo quinquénio do século XX é que se instalou aqui o primeiro liceu, quando nas cidades modernas como o Huambo e Lubango, os portugueses criaram liceus lá muito antes de criarem o de Benguela.

Benguela era uma cidade, como se diz na gíria, antes quebrar que torcer. Eram contestatários. A seita dos maçónicos é unida. Os primeiros maçónicos que chegaram a Benguela, que eram chamados Curibecas, fizeram desta terra uma cidade cosmopolita, como disse atrás.


Acha que essa experiência foi boa?
Foi ouro sobre azul porque abriu a mente dos autóctones. Vou dizer isso com realidade. Benguela, talvez tinha sido a única cidade em Angola que não conheceu o racismo. Eu recordo-me, a partir do tempo da minha infância e do que eu li, Benguela era uni-indivisível. Não havia cor da pele. Havia classes, mas, no fundo era todos por um e um por todos.

Vou lhe contar uma história muito caricata. Benguela chegou a ter o maior restaurante de Angola (Maior Bar). Chegavam a atender mais de 2 mil pessoas por dia. Era um bar muito conhecido até além-fronteiras e vi lá coisas imaginárias. Cheguei a ver ali pessoas ricas sentadas numa mesa a comer uma sardinha, bife ou bacalhau e ao lado de um casal de autóctone, por mais caricato que parecia, a mulher de panos e descalça, também a comer sardinha ou prego no pão ou outras iguarias e a beber os seus canhangulos.

Aqui não havia racismo como acontecia, por exemplo, com Moçâmedes, que foi uma das cidades mais racistas. Fui à antiga Nova Lisboa em 1967 e vi lá racismo. Os autóctones não iam aos bares. Tinham complexo. Nós chegamos lá e revolucionamos aquilo. Benguela não é melhor, nem pior que as outras cidades, mas era diferente em todos os seus itens. Por isso é que eu disse, todo historiador pode começar mas nunca chega ao fim da história de Benguela. Aqui há muita coisa que se diga.

 
O que é de bom, de marcas históricas que ficaram por Benguela, que até hoje existem?
Benguela já chegou a ter a Praia mais linda de Angola, que é a Praia Morena, e graças a Deus, hoje, o senhor governador Luís Nunes está a recuperar o que se tinha perdido e está a voltar a ser Praia Morena, de facto. Ainda falta, mas já respira como Praia Morena.

 
Quais foram os outros ganhos, comparativamente a outras cidades?
Benguela foi a primeira cidade de Angola a ter iluminação pública, água canalizada e telefones. Os primeiros telefones que apareceram em Luanda saíram de Benguela já em segunda mão, depois de renovarem a rede telefónica desta cidade. Os que cá estavam (telefones obsoletos) foram para Luanda.

Deixa-me dizer que Benguela foi a primeira cidade em Angola a ter asfalto. Benguela tem um monte de itens, se formos a enumerar, volto a repetir, vamos demorar anos. É essa Benguela que completou 406 anos.

 

Para uma cidade com 406 anos, é muito tempo. Concorda comigo? 

Sim, 406 anos é muita coisa. Se formos a multiplicar, não sei quantos segundos são. Se formos a fazer a redução de anos para meses e de meses para dias, horas, minutos e se chegarmos a segundos, não conseguiremos apanhar os zeros da quantidade de segundos que Benguela tem.


Falou da Praia Morena. Há outras obras de resgate?
Muita coisa está a mudar. É ouro sobre o azul. Não obstante, Benguela foi muito danificada e a recuperação não se faz de um dia para outro. Aliás, Roma e Pavia não se fizeram num só dia. Isso vai levar o seu tempo. Mas, o mais importante foi ter começado. Vamos dar graças ao senhor governador Luís Nunes que arregaçou as mangas e colocou mãos à obra. Vamos devagar e devagar vamos longe.
Foi oportuno o governador Luís Nunes cá chegar?
Eu não gostava muito de falar sobre o senhor governador Luís Nunes porque ainda está cá. Vou reservar um historial do senhor governador quando um dia, digo infelizmente, deixar Benguela, porque nós não queremos que ele vá. Mas ele é mandado. Qualquer dia vai para outro sítio, de certeza.

O actual governador provincial de Benguela já veio de uma cidade (Lubango), sua terra natal,  eu passei por lá antes de ele ser governador e depois. A caminho de Moçâmedes, onde fui visitar um irmão, coloquei as mãos à cabeça. A cidade do Lubango estava danificada. Depois de ter sido nomeado governador da Huíla, anos depois voltei a passar por lá e fiquei admirado. Ainda estive no Lubango há coisa de 8 meses, aquilo está uma maravilha.

É o que vai fazer em Benguela. Acredito. Esta cidade precisa. Aliás, já começou. O senhor governador Luís Nunes quando começa não pára. Ele gosta muito de chegar à meta. Então, eu acho que ele vai conseguir levar a cidade de Benguela a bom porto.


Cidade em reabilitação

Falou de uma cidade de Benguela que andou muito danificada. Acho que a sua recuperação, também, exige esforço e a participação de todos os filhos de Benguela. É isso que nota?
Em parte, sim. Porque um Governo só se pode considerar Estado se trabalhar com todos. Estado somos todos. Se eu for a uma aldeia, assim que puser os meus pés nessa aldeia, tenho que contactar os mais velhos da aldeia. Eles é que vão me dizer o caminho propício para ir ao rio tomar banho, por exemplo.

Vendo bem as coisas, o senhor governador já começou a fazer um trabalho de louvar, mas eu gostaria que ele não se esquecesse dos mais velhos da cidade de Benguela.

 

Por que faz esta afirmação?
Por exemplo, assisti à reconstrução do jardim em frente ao mercado municipal, que infelizmente, tem um nome triste, "Milionário”, porque quem recebeu a verba para reparar o jardim, supostamente, a desviou. O jardim estava orçado em 1 milhão e 600 mil dólares, quando não terá, supostamente, custado mais de 80 mil dólares. Isto na primeira reparação que aconteceu entre 10 a 15 anos. Agora, voltaram a reparar o jardim. Mas, na minha opinião, o jardim foi reparado à revelia de quem de direito. Houve um patrocinador. Eu fui lá, aconselhei o técnico que estava a reparar o jardim, que não ouviu os conselhos.


Conhece bem o jardim a que se refere?
São muitos anos cá. Eu conheço bem esse jardim. Benguela foi tratada no passado como Cidade Jardim de Angola. Eu conheci todos os jardins de Benguela. Este que cito, antes foi reparado e, outra vez, voltou à estaca zero. Não fizeram nada. Deviam ter feito melhor se tivessem pedido conselho às pessoas mais velhas. O governador não pode andar para ver o que está a ser feito em obras. Mas, tem os seus auxiliares que são os administradores. O muro do cemitério municipal, vulgo da Camunda, está quase a cair. Lá dentro há torneiras estragadas e água a jorrar e isso não compete ao senhor governador. Há quem tenha que ir ao encontro dessas questões todas. Não o governador.

 

Para além da recuperação dessas obras, há outras de referência?
Notamos e com muita alegria e satisfação, a reabilitação do Museu Nacional de Arqueologia, que praticamente recuperou a sua imagem. É bom que se diga que aquilo foi construído com outro propósito. Só passou a Museu depois da Independência. Foi uma obra construída em 1880, pelos comerciantes, as tais curibecas, os homens da maçonaria é que construíram aquilo. Aquilo é uma obra secular. Ainda assim, acho que modernizaram muito o interior. Foi muito modernizado, o que tira um pouco a história que o imóvel ostenta. Eu já visitei o Museu como turista. Está bonito. É uma maravilha. Mas, aqueles computadores deviam estar em mesas mais simples para não fugirmos muito da história. A sala é bem-vinda. É nobre. Podem reunir lá muita gente. Podia-se colocar lá material de madeira, mesas bonitas. Temos madeiras bonitas que todos cobiçam. Tirando isso, está uma maravilha.

 

Há quem diz que Benguela hoje é uma das cidades mais caras para se viver em Angola. Concorda?
Não concordo.


Por que?
Porque vivo cá e consigo levar para a minha casa 10 bananas por 500 kwanzas e seis sardinhas por 100 kwanzas. Melhor que isso, talvez só em Roma. Não é das mais caras. Devia estar melhor. Mas não é das mais caras. Perdemos muito na agricultura porque o vale do Cavaco transformou-se e isto faz com que as coisas se encerrem. Temos poucas pescarias. Sou do tempo em que a sul de Benguela havia entre 5 e 6 pescarias. Benguela chegou a ter três fábricas de conservas, uma na Baía Farta, que era a fábrica de conservas Atlântico, que já foi considerada a melhor fábrica de conserva do império português. A conserva era exportada para os Estados Unidos da América.

Em 1963, o então presidente da República Portuguesa, Américo de Deus Rodrigues Tomás, veio de propósito visitar a fábrica de conservas Atlântico, inaugurou as pontes cais no Casseque Marítimo e o Aeroporto, hoje chamado 17 de Setembro. Benguela foi considerada a cidade jardim, tal como já disse. Foi uma das cidades mais arborizadas de África. Hoje está carente.

 
O que já fez para mudar o actual quadro?
Ofereci-me, na era do governador Dumilde Rangel, para arborizar a cidade a custo zero. Ele aceitou a proposta porque eu era amigo dele. Somos do mesmo bairro e ficou admirado quando lhe fizeram um orçamento insignificante. Eu queria apenas, não vou aqui dizer o segredo porque alguém pode copiar e fazer plágio, mas apresentei-lhe coisas insignificantes para arborizar a cidade. Infelizmente, ele foi exonerado e tentei com os outros governadores da era pós Dumilde Rangel, todos aceitaram, mas, ninguém colocou na prática e Benguela continua sem árvores.

 

O que falta?
Precisamos de mais acácias rubras. Infelizmente, Benguela tem menos acácias rubras em relação à cidade do Luena, província do Moxico. Isso tudo tínhamos que rever. Não de um dia para o outro, mas, nós, nascidos ou não, somos todos benguelenses, mesmo o senhor jornalista também já é benguelense. Temos todos que arregaçar as mangas e ajudar o senhor governador. Há coisinhas que ele não domina. Se ele não contactar  a velha guarda, ele vai acabar um dia por ir embora e não vai descobrir coisas simples que podem dignificar a cidade. Estamos dispostos para isso. Benguela precisa de todos.

Sei que sou membro do conselho de auscultação às comunidades do Governo Provincial de Benguela, porém, neste órgão não posso apresentar tudo que me vem à alma. Há coisas confidenciais. Não posso estar aí a me armar em carapau de corrida. Ali é sítio para atacar as coisas omissas, mas de forma organizada e com regras. Fora, talvez, já posso falar mais à vontade com quem de direito.


Livros prontos a publicar: faltam os apoios

Sei que já escreveu um livro. O que conta no livro?
Tenho duas obras escritas, por publicar, de carácter científico, histórico-didáctico, intituladas "Memórias da Província de Benguela e da sua Gente” e "Lobito a Cidade dos Flamingos”. Outra, ainda na forja, é intitulada "1920-2020 Centenário do Sport Clube Portugal de Benguela (actual Clube Nacional de Benguela)”.

 

O que falta para publicar?
O que falta para publicar as obras literárias: apoio.

Quem queira ajudar, como pode proceder?
Agradecia bastante. Ter uma obra literária no mercado é um sonho desde pequeno. Para quem puder ajudar, por favor, pode usar o seguinte número de telemóvel, que é mesmo meu: 933099048. O meu último livro, com o título "Memórias da Província de Benguela e da sua Gente” tem 950 páginas no formato A4. O livro fala de Benguela, que é a capital da província. Fala também de 32 bairros antigos de Benguela, entre os quais os da Facada e o Operário, embora hoje tenham já outros nomes. Não vou adiantar porque ainda é segredo que está no livro. Além da capital, fala de outros municípios.

Falo, por exemplo, da posição geográfica, dos primeiros habitantes, tem a lista dos governadores que já passaram pela província.

 
O livro contém outros elementos de relevo?
Muitos. Os elementos do relevo, clima, classificação climática, precipitação, mamíferos por municípios, recursos hídricos, agropecuária, riquezas do mar, pescas, indústrias correctivas, energia eléctrica, notas sobre a imprensa escrita, transportes e comunicações, cultura, locais turísticos, parque industrial e comercial... Falo, também, do município de Benguela, que é a cidade das Acácias Rubras, com elementos da sua caracterização física, o resumo histórico da conhecida Cidade Mãe de Cidades.

Quais são os outros aspectos que são abordados no livro?
Falo de famílias, de individualidades, desporto, clubes, dirigentes, técnicos, atletas, escutismo, colectividades sociais e de  caridade, educação, sindicatos, grémios de indústrias e pescas, cultura, monumentos e sítios, expressão e expansão da rádio particular, turismo, arquitectura, indústria e comércio. Da mesma forma, vou falando dos bairros. Comecei pelo bairro Santo António, resumo histórico, sua localização geográfica, os primeiros habitantes, famílias, individualidades, desporto, cultura e comércio. Seguidamente, abordo o bairro Benfica. O livro aborda, também, os municípios. O primeiro é o da Baía Farta. O livro aborda todos os municípios.

 

Actualmente Benguela tem quantos bairros?
São muitos e surgiram de forma anarquizada. Hoje, aparecem bairros como cogumelos. Até, inclusive, eu como historiador tenho pena, porque os sobas estão a adulterar os bairros de Benguela, estão a alterar. Pegam num bairro e dividem por três parcelas e dão a quem eles entenderem. Isto é mau. É negativo. Estão a querer apagar a história.

 

O que é preciso fazer para alterar o quadro?
É preciso pôr ordem no circo.

 
Benguela tinha quantos bairros, no passado?
No meu livro falo apenas de 32 bairros, mas hoje tem mais de 200. Há bairros que aparecem como cogumelos. Já está tudo desestruturado. Uma cidade é um espaço com ruas, travessas, avenidas, jardins, edifícios públicos, residências e comércio. Ela cresce pelas quatro vertentes: Norte, Sul, Leste e Oeste. Vai crescendo. Porém, não pode crescer como Benguela está a crescer.
O foral de Benguela ainda é o mesmo do tempo colonial. Porque depois do foral, eu não sei como vamos classificar o que apareceu. São antigos labirintos. Não têm ruas condignas, não têm passeios de lazer. É uma ameaça à saúde pública e ao futuro da cidade. Ela vai crescer doente. É preciso controlar esse crescimento, apesar de ser um bocado difícil.
Antes de surgir um bairro, tem de aparecer um estudo topográfico. A maior parte dos bairros de Benguela surgiram sem estudo topográfico e estética.


"Bairros deviam crescer  de forma igual”

A realidade preocupa?
Sem dúvida. Temos ruas em zigue-zague. A rua começa larga e termina afunilada. Eu vejo aí em certos bairros, infelizmente, quando morre alguém, o carro funerário não chega à porta do defunto. Fica a vários quilómetros. Tem que se levar o caixão no ar. Isto é mau. Os bairros deviam crescer de uma forma igual, para um dia a cidade tornar-se uma autêntica metrópole. Não sei o que fazer. Mas, ainda vamos a tempo. Só que temos que partir muita casa. Agora, infelizmente, vão partir as casas do Matadouro, graças ao senhor governador provincial de Benguela, Luís Nunes.

Aquela ideia é minha. Propus há vários anos aos governantes que a rua 4 de Fevereiro, que é a marginal principal, devia ter sequência porque há um projecto colonial que diz que esta rua, que passa em frente ao Palácio, vai em sentido Norte e terminava no Cine Flamingo, no Lobito. Era uma marginal. A Sul ia terminar na Baía de Santo António.

 Será que há infraestruturas que atrapalham?
Infelizmente há uma pensão que está numa posição transversal. A rua termina e tem que fugir do seu sentido normal. A rua fugiu do seu leito, por causa da anarquia. Como não há estética, não há topografia, aquilo ficou e a administração aprovou. Há vários anos, ou melhor, ainda no tempo do comissário Dino Matross, a coordenadora do bairro daquela zona avisou que aquilo ia constituir uma pedra no sapato no futuro e está a acontecer. Agora estão a dizer que nasceram ali e são pescadores e não podem sair dali. Isso é um mal criado e consentido.
A dona Matilde, que foi uma grande mulher e merecia uma rua com o nome dela, alertou o senhor Dino Matross, nas vestes de comissário de Benguela, que ali não se podia construir porque era uma reserva do Estado, para na sequência da cidade, colocar uma marginal.
Porém, dou graças a Deus e volto a falar do senhor governador Luís Nunes, que matou a cobra e está a mostrar o pau, mas vai gastar dinheiro desnecessariamente. Vai ter que realojar aquela gente toda. Aqueles infractores todos vão ser beneficiados. E não se pode beneficiar um infractor. Mas criaram-se essas condições.

Como é que gostaria de ver feitas as comemorações dos 406 anos?

Até certo ponto, gostei das celebrações, sobretudo, do acto municipal, onde houve, dentre outras coisas, o içar da bandeira. Como fazia a Associação Acácias Rubras. No passado, a Associação Acácias Rubras criava cenários bonitos. Na vigência do seu presidente Dufas Rasgado, havia outros componentes, dentre os quais, o Dinho Severino, o Hermínio Escórcio, o Inglês Pinto, entre outros. Já cheguei a ser vice-presidente da Associação Acácias Rubras. A actividade era feita com pompa e circunstância. Reunia-se com o Governo da Província e a Administração Municipal e, em conjunto, traçavam-se as linhas mestras para a actividade. Vinham benguelenses que estavam na diáspora, à custa da associação, junto do Governo Provincial. Ficavam aqui uma semana e tinham direito a transporte, hospedagem, entre outros.

 
Vinham empresários?

Até o empresário Bento Kangamba deslocava-se para Benguela, com todo o aparato musical, que era um programa Walale, muito antigo. Vinham músicos conceituados de Luanda e fazia-se uma festa que era uma maravilha. A associação angariava fundos e o Governo ajudava.

Já chegamos a receber dinheiro à ordem de saque a favor das Acácias Rubras. Já se passou uma ordem de saque em meu nome, por ser empresário e ter colectado 50 mil dólares. O presidente das Acácias pediu esse dinheiro emprestado e depois, quando a ordem de saque caiu na minha conta, fiz o levantamento do valor, que foi debitado a favor de quem tinha emprestado os 50 mil dólares. Fazíamos isso. Trazia-se a Miss Angola, fardo e medicamentos para oferecer aos lares da terceira idade, Casa do Gaiato e muito mais. A associação chegou a oferecer uma ambulância ao posto de saúde Egipto Praia, já na vigência do governador Isaac dos Anjos. O empresário Adérito Areias chegou a oferecer toneladas de peixe fresco congelado. Fazia-se um trabalho conjunto. A união faz a força.


Perfil

Nome: Joaquim José Luís Grilo "Kalonjololo”

Filiação: Alberto Luís Grilo (natural de Malanje) e de Anália Pinto Gonçalves (natural de Quilengues, Huíla)

Data de nascimento: 24 de Março de 1946, em Malanje

Idade:77 anos

Carreira profissional: Foi funcionário público, tendo trabalhado na Educação como professor primário e nos Correios, Telégrafos e Telefones (CTT), em Benguela.

Outras ocupações: Industrial de hotelaria, vogal do Conselho Fiscal da Associação Provincial de Futebol de Benguela, vice-presidente da Associação dos Naturais e Amigos da Província de Benguela, vulgo Acácias Rubras

Formações: Frequentou entre Janeiro de 1968 e Julho do ano seguinte, com sucesso, um curso de jornalismo por correspondência na Escola Álvaro Torrão, Lisboa, Portugal e participou em 2011 num seminário sobre Jornalismo Cultural, acção formativa de superação técnico-profissional, organizado pelo Centro de Formação de Jornalistas (CEFOJOR) e a Rádio Benguela, em parceria com o Goethe-Institut (Instituto Cultural Alemão)

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