Reportagem

Maior povoação de Cabiri teve como primeiros moradores cidadãos cabo-verdianos

Ana Paulo

Jornalista

A comunidade da Mabuia é considerada, pelos munícipes, a maior povoação da comuna de Cabiri, no município de Icolo e Bengo, com uma população acima de oito mil habitantes. A povoação vem crescendo desde 2014, altura em que, segundo dados do Censo Populacional, contava com seis mil habitantes.

09/11/2023  Última atualização 12H07
Bairro da Mabuia em Icolo-e-Bengo © Fotografia por: Luís Damião|Edições Novembro
Considerada como uma zona potencial no cultivo de algodão na era colonial, com cerca de 500 hectares de terras aráveis, a povoação da Mabuia foi fundada em 1962, com apenas seis famílias madeirenses provenientes de Portugal.

Postos em Angola, na região da Mabuia, os madeirenses insatisfeitos com a zona, por haver a presença de animais selvagens, não aceitaram o contrato e regressaram à terra natal.

O regime colonial precisa, na altura, de trabalhadores para o cultivo de algodão. Foi assim que, em 1964, contrataram cidadãos cabo-verdianos. Numa primeira fase, chegaram a Angola, directamente para Mabuia, seis famílias, os primeiros moradores e fundadores da zona.

Ainda na mesma época, dentro do regime de contrato colonial para o cultivo do algodão, a comunidade da Mabuia foi crescendo com mais famílias cabo-verdianas, completando 52 famílias incluindo as seis primeiras. 

Neste grupo estavam os progenitores do agricultor Jaime José Rodrigues, que chegou a Angola com os pais, em 1975, quando tinha oito anos de idade.

Desde esta época, Jaime José Rodrigues nunca saiu da comunidade para viver em outras zonas de Angola. Hoje, além de agricultor, exerce também o cargo de representante da Comunidade cabo-verdiana na Mabuia e presidente da Comissão de Moradores da Mabuia Zona B.

Aos progenitores e seus companheiros, conta Jaime José Rodrigues, foram-lhes atribuídas residências inacabadas, sem portas nem janelas e com chão bruto. Na zona, não havia nenhum cidadão de nacionalidade angolana, apenas cabo-verdianos. 

Além das casas, foi também atribuída a cada uma das famílias 10 hectares de terra para o cultivo do algodão, em regime obrigatório. A produção era, depois, comprada pelos colonos. "Nesta época não era permitido fazer o cultivo de outras culturas desde tubérculos e horticultura, apenas o algodão", lembra Jaime José Rodrigues.

 Época pós-Independência

Depois da proclamação da Independência Nacional, a 11 de Novembro de 1975, a comunidade cabo-verdiana na Mabuia foi diminuindo porque com a liberdade, muitas famílias regressaram à terra natal e outras permaneceram em Angola, mas transferindo-se para o centro de Luanda, onde vivem até aos dias de hoje.

Do grupo das 52 famílias, permaneceram na comunidade da Mabuia apenas 19, que também continuam lá até hoje. A partir de 1979, o bairro foi crescendo com a chegada de cidadãos angolanos, maioritariamente provenientes do Planalto Central.

Já nos últimos cinco anos foram chegando pessoas de outras nacionalidades, incluindo oeste-africanos, que desenvolvem actividade de comércio geral a retalho e a grosso, enquanto outros abraçaram, também, a actividade agrícola.

Hoje, o bairro é habitado por várias nacionalidades que se juntaram aos cabo-verdianos. Como diz Jaime José Rodrigues, "é um funge na cachupa", uma mistura de tradições que se casaram entre si.

Fruto desta mistura, a povoação da Mabuia cresceu significativamente, processo que culminou na divisão da povoação em Mabuia Sede, Mabuia Zona A e Mabuia zona B.

A zona B é coordenada pelo presidente da Comissão de Moradores, Jaime José Rodrigues, mais conhecido pelos munícipes como tio "Dá ou David". Diz que se sente triste por não lhe ter sido atribuída, ainda, a nacionalidade angolana, dependendo até à presente data do cartão de residente.

"Não vejo lógica de estarmos sempre a renovar o cartão. Vivemos e crescemos em Angola com menos de 10 anos de idade, casámos com angolanas, os nossos filhos são angolanos e mesmo assim continuamos sem a dupla nacionalidade, o que nos deixa triste”, lamentou Jaime José Rodrigues. Acrescentou que os que cá continuam são ex-combatentes que lutaram por Angola com armas e catanas nas mãos.

 "Na época da tropa, chefiei, um batalhão na Mabuia durante 16 anos e fui, durante 11 anos, presidente da Comissão de Moradores, cargo que voltei a ocupar ainda este ano por decisão dos moradores", frisou Jaime José Rodrigues.

Outro cidadão cabo-verdiano, António Andrade Alves, mais conhecido por "Socileno”, está na Mabuia desde 19 de Junho de 1964. Hoje, com 63 anos de idade, António Andrade Alves é pai de nove filhos angolanos. Ele encontra-se na mesma condição que os seus companheiros, sem nacionalidade. "Uma das minhas filhas é professora numa escola da comunidade”, frisou.

Projectos sociais 

Além da diversidade de pessoas de várias origens, a comunidade foi crescendo também com a construção de vários projectos sociais. É o caso do sistema de água, energia eléctrica, escola e um posto médico e algumas vias. 

Como representante da Zona B, Jaime José Rodrigues referiu que que um dos melhores projectos implementados na zona é o da  energia eléctrica, que é estável.

No caso da água, explicou, outrora a comunidade já foi felizarda porque o primeiro "sistema de água" foi implantado na comuna de Cabiri, inaugurada pelo ex-Presidente da República José Eduardo dos Santos.

"Hoje, as bombas estão avariadas, permanecendo apenas uma em funcionamento que aguenta a comuna de Cabiri e não é suficiente porque a bomba não tem sido capaz de distribuir a água para todas as comunidades que a integram", frisou Jaime José Rodrigues, acrescentando que, de quando em vez, tem havido falhas, mas o administrador local tem feito grandes esforços para substituir as bombas avariadas e melhorar a distribuição da água.

Quanto à educação, a povoação ganhou também uma escola de sete salas, insuficiente para atender o número de crianças, porque em cada sala estudam 95 crianças.

Quanto aos professores, Jaime José Rodrigues indicou que os mesmos residem em Viana e Cacuaco, de onde saiem para ir trabalhar.

 Posto Médico

Outro ganho da comunidade, segundo Jaime José Rodrigues, é o Posto Médico. Mas, o mesmo precisa de um enfermeiro e médico especialista permanente, porque os que lá atendem vivem no município de Viana e Luanda.

"O único que vive na comunidade é já de idade avançada, com as mãos já trémulas. Ele consegue atender apenas até às 15 horas e de quando em vez 13 horas”, frisou Jaime José Rodrigues.

Lamentou que quando o posto fecha, às 15 horas, os moradores ficam entregues à sua sorte, pois, se alguém passar mal tem que recorrer a Catete Sede, trajecto que às vezes é sem sucesso porque  acaba por falecer.

A situação das vias de comunicação é, também, um dos constrangimentos vividos pela povoação, principalmente, as que ligam as lavras e fazendas.

A maior parte da população na comuna de Cabiri pratica a agricultura de subsistência. No caso da Mabuia, a classe agrícola é composta por mais de 100 moradores.

No sector da agricultura, Jaime José Rodrigues apela a quem de direito para apoiar a classe, que precisa de inputs agrícolas para o aumento da produção, já que a povoação produz tubérculos, horticultura e fruticulturas.      

A Zona A é representada pelo coordenador Custódio Jere, que informou que a zona precisa de uma instituição escolar e posto médico para atender a comunidade. A escola construída na Zona B não satisfaz a procura.

"A situação é preocupante porque na Zona A estão fora do sistema de ensino cerca de 1.500 crianças”, frisou Custódio Jere. Acrescentou que a construção de um hospital é um sonho muito esperado pela comunidade. Enquanto isso, a comunidade vai continuar a depender do hospital na comuna de Banza Quitele, cujas obras ainda estão em curso.


Delinquência  juvenil

População pede mais rigor  da Polícia Nacional

A delinquência juvenil na comunidade da Mabuia é também um dos constrangimentos vividos pela comunidade. Os delinquentes, segundo os moradores, são filhos de casa, mas ao se inclinarem na criminalidade, já não vivem com os progenitores.

Jaime José Rodrigues explicou que os meliantes, depois de fazerem assaltos, desaparecem como se nada tivesse acontecido. Outros, realçou, fogem pelas matas onde, às vezes, constroem cubatas que, quando são descobertas pela comunidade, são destruídas.

A comunidade tem colaborado com a Polícia local. Com isso, muitos são apanhados e detidos na esquadra da comuna de Cabiri.

"O que nos deixa triste é que, depois dos meliantes serem detidos, são logo soltos e quando isso acontece regressam na comunidade a zombarem os mais velhos. E, isso acontece repetidas vezes, o que é mais grave", lamentou Jaime José Rodrigues, acrescentando que os moradores não entendem por que razão os mesmos são soltos e dificilmente condenados. "Os jovens que atormentam a comunidade têm mais de 18 anos de idade e muitos já foram detidos mais de seis vezes", frisou Jaime José Rodrigues que apelou por mais rigidez das forças policiais.

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