Entrevista

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Maria Domingos Sumano: “O que me tira o sono é o problema do abastecimento de água potável aos munícipes”

Casimiro José| Sumbe

A cidade de Porto-Amboim, ex-Benguela Velha, sede do município com o mesmo nome, na província do Cuanza-Sul, assinalou, a 15 de Outubro, 436 anos desde a sua elevação à categoria de cidade. Com as principais ruas do casco urbano reabilitadas, a cidade de Porto-Amboim renasce das cinzas. A administradora do município, Maria Domingos Sumano, nesta entrevista ao Jornal de Angola, faz uma retrospectiva do que foi feito e um retrato da realidade actual.

18/10/2023  Última atualização 10H03
Administradora do município de Porto Amboim, Maria Domingos Sumano © Fotografia por: Casimiro José | Edições Novembro | Cuanza-Sul

Está satisfeita com o actual estado da cidade de Porto-Amboim e do município em geral?

Em primeiro lugar devo agradecer a oportunidade que me é dada pelo Jornal de Angola, para falar sobre a nossa cidade e o município em geral. Sobre a questão que me coloca, devo dizer que, enquanto governante, não devia estar satisfeita com o actual estado da cidade e do município em geral, porque a nossa missão consiste na resolução dos problemas que afligem os nossos habitantes, nos mais variados domínios. E essa tarefa não se realiza do dia para a noite, tendo em conta os desafios que a própria conjuntura nos impõe.

 
Qual é o maior desafio da cidade de Porto-Amboim?

Falando da cidade de Porto-Amboim, o desafio para o seu desenvolvimento é maior por ser o primeiro cartão-de-visita de quem entra ao Cuanza-Sul, vindo do Norte para o interior da província, ou para quem tem como destino o Sul do país. Como vê, a cidade de Porto-Amboim deve apresentar-se bem ornamentada, todos os dias, semanas, meses e anos, mas, acima de tudo, dispor de serviços sociais capazes de responder às necessidades dos habitantes e dos que passam nela para outras paragens.

 
Isso lhe tira o sono?

Devo, honestamente, dizer que, asfaltadas as principais ruas, num raio de sete quilómetros e com o início do arranjo dos lancis e passeios, temos de olhar para outras situações e, confesso mesmo que o que me tira o sono é o problema do abastecimento da água potável aos munícipes. A cidade cresceu e também aumentou a população, o que não foi acompanhado com a construção de infra-estruturas sociais e, logo, há desfasamento entre a oferta e a procura.

 
Quais são as outras situações que lhe inquietam?

Outra situação que me apoquenta tem a ver com a conjuntura económica e financeira que estamos a viver, causando frustração nas diversas franjas, bem como a paralisação de algumas unidades fabris que davam emprego à população local, mas também o aumento do custo de vida que atinge a todos. Estou recordada que o nosso país já passou por etapas difíceis, mas as autoridades sempre souberam encontrar as soluções e até de questões mais complicadas, mas sempre houve superação. Por isso, não será diferente do que estamos a passar hoje, uma vez que atinge muitos, senão todos os países do planeta terra.

 
Qual é a sua análise sobre o posicionamento dos munícipes em face dos... programas que visam o desenvolvimento da cidade e do município em geral?   

Todas as sociedades são heterogéneas. Daí surgirem pessoas que procuram travar o ímpeto do desenvolvimento, o que nos preocupa, porque cada um tem a sua visão sobre o que se está a fazer. Outros até procuram destruir, não sei com que propósito, havendo até situações que configuram crimes. Mas a força da razão sempre supera as forças maléficas e vamos continuar a trabalhar para satisfazer as necessidades das populações. E isso deve envolver a todos, sem distinção.


Quer dizer que há munícipes que trabalham para travar o desenvolvimento?

Em termos gerais, devo reconhecer que a cidade de Porto-Amboim e o município em geral tem gente trabalhadora, comprometida com o bem e capaz de ajudar a transformar essa região em local aprazível, sobretudo de jovens criativos e empreendedores. Basta vermos a força anímica que muitos jovens demonstram, mesmo diante das dificuldades que atravessam e isso confirma que, enquanto alguns cidadãos se mostram desesperados com a actual conjuntura social e económica, os mais avisados encontram nos tempos difíceis a oportunidade para se afirmarem nos diversos ramos. Portanto, temos de fazer uma leitura realística do que está a passar.

 
Qual é a situação social e económica dos habitantes da cidade e do município em geral?

Quanto à situação social e económica da cidade de Porto-Amboim e do município em geral, devo dizer que já estivemos melhor, há sete anos, mas a realidade actual preocupa-nos, face ao surgimento cíclico das calemas, que deixam um rasto de danos materiais e até humanos, destroem as embarcações nas zonas de pesca. Outra situação que nos apoquenta é da paralisação de certas empresas, como a Paenal e outras, que no passado davam empregos aos jovens. Quando paralisaram, com a máxima da sua força, em relação ao início, deixam muita gente no desemprego. Como se não bastasse, não temos na região um Instituto Politécnico que possa ajudar a formar jovens para o auto-emprego e outras valências para a sua inserção ao mercado de trabalho. Por isso, continuamos a advogar junto das instituições vocacionadas e do sector privado para a instalação de uma instituição de formação técnica, além de investimentos necessários, como única forma de travarmos a fuga da força activa do município para outras regiões da província e do país.

 
Ou seja, a solução é a geração de mais empregos…

A satisfação económica, como sabemos, é que proporciona o bem-estar social, que passa pela geração de renda pelas populações, razão pela qual, sem empregos, também não há fontes de renda.

Mas no meio de tantas intempéries, o Porto Amboim tem condições e até projectos já identificados para dar certo. Temos terras aráveis e água abundante para implementar projectos para o relançamento da cultura do palmar, algodão, cacau, cajú, rícino, arroz, todos eles indispensáveis para impulsionar o surgimento de indústrias na nossa região. E o incentivo do Executivo ao sector produtivo constitui a varinha "mágica” para o desenvolvimento de Porto Amboim. Neste particular, devo realçar que a cidade de Porto Amboim é, por excelência, uma zona piscatória com imensas potencialidades em recursos marinhos e produção do sal. Por isso, como disse, estamos bem servidos pela natureza, faltando-nos, apenas, investimentos, quer por conta dos programas do Executivo, como do sector privado.

 
E o turismo?

Sim. Temos, também, na criação de gado e o fomento do turismo como outras apostas que podem alavancar a economia local. Basta vermos as zonas turísticas da Buambua, da Yaia, do Cuvo e do complexo turístico do Longa que, bem aproveitados, garantem a oferta de bens e serviços para as populações do município.

 
Em que pé se encontra o projecto de construção de um porto pesqueiro na cidade de Porto Amboim?

Há projectos de âmbito central, como é o caso do que se refere. Defendo que a sua implementação se justifica, tendo em conta a localização geográfica de Porto Amboim. Continuamos a aguardar pela sua implementação. É, quanto a nós, uma infra-estrutura que pode trazer enormes benefícios na região, uma vez que após a sua construção, o porto pesqueiro poderá intermediar as transacções de mercadorias entre os portos de Luanda e do Lobito. Como disse, é um projecto macro, cuja decisão e execução compete às estruturas centrais.

 
Quais são as razões que ditaram a escolha do Porto Amboim para a instalação do projecto?

A denominação de Porto-Amboim resulta das potencialidades  em  infra-estruturas aqui construídas, que serviram de entreposto para o escoamento do café vindo do Amboim, através do caminho-de-ferro do Amboim, num percurso de mais de 100 quilómetros. Por isso é que vemos imponentes armazéns que serviram como entreposto dos bens industriais vindos de Luanda e Benguela e canalizados para o interior da província, e até para as províncias do Centro e Leste de Angola, enquanto para Luanda e Lobito era escoado o café, algodão, sisal, rícino e outros produtos para as grandes indústrias instaladas no Huambo, Luanda e Benguela. Por isso, a construção de um Porto Pesqueiro é um imperativo nacional.

Auguramos que um dia a nossa cidade possa ver erguido o porto pesqueiro, que vai prover serviços e gerar centenas ou milhares de empregos directos e indirectos.

Qual é o estado actual dos sectores da Saúde e da Educação?

 Bem, a esse respeito devo dizer que o sector da Saúde, à semelhança de outros municípios, funciona regularmente, com foco na assistência médico-medicamentosa às populações. Contudo, as disponibilidades estão aquém das necessidades. Temos um Hospital Municipal já velho, que foi construído na época colonial, cujas infra-estruturas clamam por uma reabilitação profunda. Na periferia da cidade contamos com 19 postos de saúde, que atendem as populações no meio rural.

 
E quanto aos recursos humanos neste sector?

Em termos de recursos humanos, aqui é onde está o maior problema. Temos um corpo clínico com dez médicos e 84 enfermeiros, dos quais 47 são efectivos e 37 prestam serviços sob regime de contrato, o que é insuficiente. Temos necessidade de mais médicos para atender as especialidades de ortopedia, cirurgia e neonatal, além do facto de os postos de saúde funcionarem com apenas um enfermeiro. Por essa razão, sempre que surgem casos vinculados às especialidades em que não temos médicos, a saída é evacuarmos para o Sumbe.

 
E quanto ao sector da Educação?

Já no sector da Educação, também temos défice de infra-estruturas escolares e de professores. O município conta com 43 escolas, das quais 13 de construção definitiva e as restantes de construção precária. Por falta de espaços escolares e de professores, no presente ano lectivo contabilizámos 23.080 crianças e alunos fora do sistema de ensino. E para invertermos o quadro, temos necessidade de mais 415 professores e 43 escolas.


Como anda a execução dos projectos inseridos no Plano Integrado de Intervenção nos Municípios (PIIM) e do Programa Integrado de Desenvolvimento Local e Combate à Pobreza (PIDLCP)?

Em princípio devo dizer que no quinquénio passado, o Porto Amboim foi contemplado com nove projectos, dos quais dois de âmbito Central e sete de âmbito provincial. Os projectos do PIIM e do PIDLCP deram o ar da sua graça às populações, com a construção de duas escolas com sete salas, já inauguradas e entregues às comunidades, execução de acções ligadas ao saneamento básico, aquisição de equipamentos e fármacos para as unidades sanitárias, fomento de acções de empreendedorismo nas comunidades, com maior foco para o meio rural, formação de parteiras tradicionais com a entrega de equipamentos para melhor servirem as comunidades, entre outros.

 
Então o balanço é positivo?

A situação económica e financeira que o país vive  concorreu para a retracção de alguns projectos, ocasionando atrasos de pagamentos para a conclusão de alguns  projectos, como são os casos do edifício Autárquico e do mercado do peixe, que aguardam pela sua conclusão, tão logo sejam efectuados os desembolsos em falta. Outro factor constrangedor para executar as acções é o atraso do diferencial do bónus do petróleo, que tem sido muito útil para a prossecução dos projectos sociais nas comunidades.

Além disso, a condicionante financeira remete-nos a adiar, por enquanto, mais acções tendentes à resolução dos problemas que constituem estrangulamento para o desenvolvimento do nosso município. Estou a referir-me das acções identificadas, que consistem na reabilitação das vias de acesso que ligam a sede municipal à comuna de Capolo e zonas produtoras, como as do Caio, Calembi, Cambalo, Cho-Chol, Quilómetros 40 e 70. A terraplanagem dessas vias constituiu prioridade da Administração, para facilitar o escoamento dos produtos do campo para os mercados de consumo, mas também para levar ao meio rural bens e serviços.


Qual é a mensagem que deixa para os munícipes por ocasião dos 436 anos desde que Porto Amboim foi elevada à categoria de cidade?

A mensagem que deixo aos munícipes é de todos engajarmo-nos para que a nossa cidade cresça e desenvolva e alcance os patamares desejados, que são o  de  ser uma cidade acolhedora e bom lugar para se viver.

Acresço a isso que a nossa cidade apresenta outro visual, fruto das obras de reabilitação das ruas do casco urbano, mas não é tudo. Temos projectos ambiciosos, sobretudo um deles ligado à construção de uma estação de captação, tratamento e distribuição de água que, após a sua implementação, teremos o velho problema de abastecimento de água resolvido. Não menos importante, devo dizer aos jovens, no sentido de terem esperança, colaborarem na identificação dos problemas, mas também fazerem parte para a solução dos mesmos problemas, no âmbito da cidadania responsável.

 
Alguma mensagem específica para os naturais de Porto Amboim que vivem noutras regiões do país ou do mundo?

Para terminar, devo apelar aos cidadãos que nasceram em Porto Amboim e estão noutras paragens esquecendo-se da terra que os viu nascer, ao passo que os que residem fora do país sentem saudades. Necessitamos de mais solidariedade e apelamos no sentido de todos que se revêm com Porto Amboim a se juntarem aos esforços para a sua reconstrução, até porque não devemos deixar a terra que nos viu nascer órfã.

E aos potenciais investidores?

Aos investidores nacionais e estrangeiros devo dizer que Porto Amboim necessita de mais investimentos, sobretudo nos sectores das Pescas, Agropecuário e Turismo e reitero o apoio total da Administração sobre as iniciativas empresariais que possam surgir na nossa região.

 
Historial sobre a cidade de Porto Amboim

 A elevação de Porto Amboim à categoria de cidade ocorreu a 15 de Outubro de 1587, durante a vigência do sistema colonial português. Com o alcance da  Independência, em 1975, a cidade de Porto Amboim esteve sempre no centro das atenções do Governo, por ser o elo entre o Norte com o Sul do país.

Fundada por Paulo Dias de Novais, um navegador português, através do seu sobrinho António Lopes Peixoto, a cidade de Porto Amboim é habitada por povos Mupindas, originários do Norte de Angola, através do Reino do Ndongo. Do ponto de vista histórico, a cidade de Porto Amboim foi também ponto de tráfico clandestino de escravos. Em 1867, por iniciativa de quatro colonos portugueses, dá-se início, na região, a cultura do algodão que, durante a vigência do sistema colonial, teve um peso significativo na balança económica da então província ultramarina.

O município de Porto Amboim tem uma superfície de 3.651 quilómetros quadrados, com uma população estimada em 158.713 habitantes que vivem, maioritariamente, da pesca, criação de gado e da agricultura. Administrativamente o município de Porto Amboim está dividido em duas comunas, a saber: a sede e a de Capolo.

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