Reportagem

Mbandua serve de referência para o programa de inclusão social dos Khoisan

Carlos Paulino | Menongue

Jornalista

Mbandua é o nome de uma localidade de referência da comunidade Khoisan no município do Dirico, província do Cuando Cubango. Existe há cerca de 50 anos e aqui vivem mais de 160 membros desta etnia que carecem de mais atenção, tendo em vista as várias dificuldades que enfrentam, desde a falta de alimentação, assistência médica e medicamentosa, educação e habitação.

02/12/2023  Última atualização 07H25
Administração Municipal entregou às 28 famílias camponesas Khoisan do Mbandua sementes de milho, feijão, massango e massambala, além de charruas de tracção animal e fertilizantes © Fotografia por: Carlos Paulino | Dirico | Edições Novembro
Comparativamente às outras localidades onde residem os cerca de 12 mil membros Khoisan que se estimam existir na província do Cuando Cubango, no Mbandua, os Khoisan procuram erguer as suas residências de pau-a-pique, de forma a se instalarem definitivamente.

O local, a cerca de 60 quilómetros da sede municipal do Dirico, conta, actualmente, com 24 casas erguidas de pau-a- pique, mas com o devido retoque que dá até o prazer de quem vive na cidade passar a noite, sem se preocupar com as chuvas que caem acompanhadas de ventos fortes nesta região do Sudeste angolano.

Muitas casas até estão a ser construídas com quintais e outros adornos que servem de modelo para outros Khoisan que residem nos oito dos nove municípios da província do Cuando Cubango,  excepto do Cuchi que não conta com membros das minorias San.

Segundo o último estudo feito pela Organização Não-Governamental Missão de Beneficência Agropecuária do Kubango, Inclusão, Tecnologias e Ambiente (MBAKITA), existem 31 numerosas comunidades San que vivem dispersas pelos municípios de Menongue, Cuito Cuanavale, Cuangar, Calai, Dirico, Nancova, Dirico, Mavinga e Rivungo.

A fome constitui a principal dificuldade que faz com que os homens ou chefes de famílias tenham que abandonar vários dias a localidade do Mbandua à procura de frutos silvestres, como o maboque e mangongo, assim como ir à caça, para conseguirem algum mantimento para saciar a fome. 

O responsável da comunidade Khoisan do Mbandua, Masseca Mbango Fafulo Burunga, disse que os membros da sua comunidade carecem de muita atenção do Governo, tendo em vista que querem deixar de ser nómadas e ficarem concentrados apenas num único lugar, onde possam produzir alimentos para a sua sobrevivência e beneficiarem de assistência médica e medicamentosa, educação, entre outros serviços sociais básicos.  

Masseca Burunga solicitou, com urgência, a construção de um posto de saúde, tendo em vista que têm que percorrer, a pé ou de carroça, mais de 60 quilómetros até à sede municipal do Dirico, em busca de assistência médica e medicamentosa. Devido à demora que fazem durante o percurso que dura um ou dois dias, disse, o estado de saúde das pessoas, muitas vezes, agrava-se e algumas até acabam por falecer, antes mesmo de chegarem ao destino.

Há cerca de um ano, recordou, perdeu a sua filha,  de dois anos, a caminho do posto de saúde que está na sede municipal do Dirico. O objectivo era que menina fosse tratada de uma enfermidade que não foi possível curar com os medicamentos tradicionais que usam para combater várias doenças.  

Masseca Burunga destacou que as grandes dificuldades que os Khoisan enfrentam fazem com que os mesmos continuem ainda a ser nómadas, em busca da sua sobrevivência nas matas, onde muitas vezes correm sérios riscos de serem atacados por animais ferozes, como leões, onças e hienas. "Infelizmente, somos obrigados a abandonar vários dias as nossas famílias aqui no Mbandua, para irmos à procura de frutas silvestres, mel e até mesmo caçar, para conseguirmos algo para comermos”, lamentou.

Burunga disse que na localidade de Mbandua estão registados 160 Khoisan, mas no momento da nossa reportagem encontramos apenas 110 pessoas, na sua maioria mulheres e crianças, porque os homens ou chefes de famílias estavam espalhados nas matas à procura de alimento. 

Criação de pólo agrícola

Face à grande dificuldade de falta de alimento que os Khoisan no Mbandua atravessam, a Administração Municipal do Dirico criou um pólo agrícola para que o povo possa cultivar milho, feijão, massango e massambala, para a sua sobrevivência.

A localidade, potencialmente agrícola, acolheu a abertura do ano agrícola no município do Dirico e a Administração Municipal entregou às 28 famílias camponesas Khoisan do Mbandua sementes de milho, feijão, massango e massambala, além de charruas de atracção animal, fertilizantes, adubos, pulverizadores, enxadas, catanas e limas.

A administradora municipal do Dirico, Ruth Tenente, informou que estão a ser preparados mais de 500 hectares para a presente campanha agrícola para uma colheita de cerca de 11 mil toneladas, caso não se registe novamente o fenómeno da estiagem.

O objectivo da Administração Municipal do Dirico é dar resposta à grande carência de alimento que os Khoisan enfrentam todos os dias e que têm de depender do apoio do Governo e de outros parceiros sociais, para saciarem a fome.

Ruth Tenente disse que para inverter esta situação preocupante, a instituição que dirige criou um pólo agrícola na localidade do Mbandua para que as minorias San possam cultivar grandes quantidades de alimentos para a sua sobrevivência e o excedente venderem para a aquisição de outros produtos, com realce para o sal, óleo, sabão e roupas.

A administradora municipal realçou que, por causa da penúria alimentar que assola os Khoisan que vivem ao longo dos municípios da orla fronteiriça, nomeadamente no Calai, Cuangar e Dirico, muitos têm estado a abandonar as suas localidades e refugiarem-se na Namíbia.

Salientou que a estiagem severa registada durante a campanha agrícola passada foi a principal causa que provocou com que muitos Khoisan continuem até hoje na Namíbia, porque não conseguiram colher qualquer cultura para a sua alimentação e da família. 

"Actualmente, temos muitos Khoisan espalhados nas matas do Dirico e não só, a viverem como nómadas à procura de frutos silvestres, com destaque para o maboque e mangongo, assim como a dedicarem-se à caça para conseguirem alimentos para os membros da sua família”, lamentou.

Ruth Tenente referiu que a criação do pólo agrícola do Mbandua vai permitir que os Khoisan que abandonaram o município do Dirico por causa da fome possam regressar à sua localidade de origem, tendo em vista que terão todo o apoio da Administração Municipal.

"Este é um projecto que visa congregar todos os Khoisan, porque num único sítio fica muito mais fácil prestar o apoio que tanto necessitam. Por isso, é que urge a necessidade de darmos um maior impulso neste pólo agrícola do Mbandua, para conseguirmos agregar todos os Khoisan que estão dispersos nas matas num único lugar”, defendeu.

Desde que começou a ser preparado o pólo agrícola do Mbandua, disse, alguns Khoisan já começaram a regressar à localidade, embora de forma tímida. Mas para a administradora municipal, esta é uma demonstração de que estão interessados em participar neste projecto para a melhoria das suas condições de vida.

Ainda no entender de Ruth Tenente, a implementação do programa das Transferências Sociais Monetárias (Kwenda) que vai beneficiar centenas de agregados familiares Khoisan, constitui, também, uma mola impulsionadora para que muitos possam regressar às suas zonas de origem e apostem em actividades geradores de rendimentos, como a agricultura, produção de mel e criação de animais.

"Não temos sombras de dúvidas de que o Kwenda vai agregar valores ao programa de inclusão social das minorias Khoisan, para que, num futuro breve, o Executivo angolano possa reassentar todos, no sentido de beneficiarem dos serviços de saúde, educação, habitação, entre outros para que vivam em melhores condições como acontece na Namíbia e na África do Sul, onde existem médicos, professores e até deputados desta etnia”, sublinhou.    


Objectivo da Administração do Dirico é dar resposta à grande carência de alimentos que os Khoisan enfrentam todos os dias

Localidade de referência para inclusão social

"O Mbandua é uma localidade de referência da comunidade Khoisan no município do Dirico e que, por esta razão, foi escolhida como o ponto de partida para a implementação do programa de inclusão social para as minorias San.

Ruth Tenente assegurou que a Administração Municipal do Dirico, em parceria com os técnicos do FAS – Instituto de Desenvolvimento Local, vão trabalhar com as autoridades tradicionais e os responsáveis da comunidade Khoisan para que não se cadastre um cidadão estrangeiro desta minoria.

Anunciou que na localidade do Mbandua serão construídas, numa primeira fase, 10 casas sociais para acomodar melhor os Khoisan, um projecto que já existe financiamento para a sua efectivação nos próximos dias. 

A Administradora Municipal do Dirico sublinhou que as casas a serem construídas não poderão fugir muito da realidade de convivência dos Khoisan, para não acontecer o mesmo da localidade do Bundo, a 93 quilómetros da cidade de Menongue, onde foram abandonadas e vandalizadas.

Anunciou também a abertura de um furo de água, para que os Khoisan deixem de consumir o líquido precioso em estado impróprio, tirado dos rios e cacimbas, assim como para facilitar a irrigação dos campos agrícolas, caso se registe a estiagem.

Ruth Tenente revelou que a Administração Municipal do Dirico está preocupada com o facto de os Khoisan continuarem a ser nómadas, situação que tem estado a dificultar o seu apoio, sobretudo na oferta de bens e serviços, assim como na construção de escolas, postos de saúde e habitação.

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