Política

Missão impossível já está em marcha

César Esteves

Jornalista

Entrar para a história do alpinismo como os únicos que conseguiram escalar o K2 durante o Inverno. É este o desafio de algumas equipas de montanhistas (entre desconhecidos e outros com currículo) que já estão no terreno a tentar atingir o cume da montanha de 8000 metros, a segunda mais alta do mundo, logo a seguir ao Evereste, localizada na fronteira entre a China e o Paquistão.

16/01/2021  Última atualização 13H30
© Fotografia por: DR
O K2 é conhecido como a "montanha selvagem”, devido à extrema dificuldade de subida. E, por isso, tem também a terceira maior taxa de mortalidade entre as montanhas com mais de 8000 metros - em 477 ascensões bem-sucedidas, houve 87 mortes. Mas sempre que alguém atingiu o cume foi na Primavera e no Verão. No Inverno, nunca ninguém conseguiu tal feito.
É este o desafio a que se propõem algumas equipas de montanhistas, entre eles os Sapdara (pai e filho) que trabalham para o islandês John Snorri; três conhecidos alpinistas xerpas (Mingma Gyalje, Dawa Tenzin e Kili Pemba) e, sobretudo, o nome mais mediático: Nirmal Purja. Mas há também ilustres desconhecidos, sem experiência, que estão a arriscar a vida. Estima-se que no total serão 75 montanhistas, cada um com as respectivas equipas, algumas com mais de 50 elementos.

Purja, montanhista nepalês de 36 anos, que chegou a fazer parte de um corpo de elite do Exército britânico formado por nepaleses, alcançou, em Outubro de 2019, uma proeza que muitos consideravam impossível de concretizar - completou a escalada das 14 montanhas mais altas do mundo (conhecidas como as 8000), num tempo recorde de 190 dias. Para se perceber a grandeza deste feito, basta ter como termo de comparação o anterior recorde, que pertencia ao sul-coreano Kim Chang-ho, que demorou sete anos, dez meses e seis dias a escalar os mesmos 14 cumes. Agora tenta novo feito."Existem inúmeras razões para ninguém ter conseguido atingir o cume do K2 no Inverno. Mas há uma equipa bem posicionada para conseguir concretizar este grande desafio do montanhismo”, escreveu Purja nas redes sociais, referindo-se, obviamente, à sua equipa.

Riscos e críticas

Vários conhecidos montanhistas, contudo, torcem o nariz a esta perigosa expedição em pleno Inverno, sobretudo em relação à forma como está a ser realizada pelos alpinistas menos experientes. É o caso do polaco Adam Bielecki, um purista que considera que, para muitos, esta aventura é apenas uma questão de marketing, pois vários dos aspirantes utilizam garrafas de oxigénio, o que torna a missão mais fácil. "É como ganhar a Volta à França com uma bicicleta eléctrica. Não seria ético nem honroso”, escreveu nas redes sociais o homem que escalou em pleno Inverno as 8000 Gasherbrum I (2012) e a Broad Peak (2013).

"Os que escalam sem auxílio de oxigénio são actualmente uma pequena minoria. Ir com oxigénio suplementar altera completamente as regras do jogo, mas cada um sabe de si. Se calhar, no final, alguém vai chegar ao cume graças ao oxigénio e temos de respeitar. Mas quem o fizer sem essa ajuda terá mais crédito. É preciso ser honesto e dizer sempre a verdade”, opinou o espanhol Sergi Mingote, da equipa Seven Summit Treks, que tem uma estrutura que inclui cerca de 60 pessoas.

As equipas numerosas e a enorme logística têm merecido, igualmente, críticas. "Um carregador não pode levar mais de 20 quilos durante o Inverno, mas tenho visto que muitos escaladores chegaram com quatro e cinco malas cada. Imaginem quantos são necessários para transportar todos os equipamentos, desde garrafas de oxigénio, tendas, roupa, material de cozinha, alimentos. Estou preocupado como vão conciliar tudo isto e veremos quantos vão conseguir lidar com as baixas temperaturas”, disse Asghar Ali Porik, proprietário de uma agência que organiza expedições.

O frio e a neve são de facto um problema. As temperaturas oscilam entre os 30 e os 60 graus negativos, além de ventos extremamente fortes, que tornam esta aventura demasiado perigosa. Além disso, existem certos pontos da montanha onde são frequentes as avalanches."Todas as manhãs, quando acordamos, há geada dentro da tenda devido à condensação. O frio é imenso. Esta montanha realmente faz jus à fama que tem, e ainda não chegámos muito alto”, referiu ao The New York Times o escalador Colin O'Brady, que está inserido numa das muitas equipas.

"Não é por acaso que o K2 é chamado de montanha selvagem. Arrisco-me a dizer que em breve se pode transformar no Inferno. Qualquer montanha de 8000 metros é uma batalha para nos mantermos vivos e se pensarmos que agora estão a tentar escalar o K2 no Inverno... Até fico sem ar, só de pensar. Poderá haver muitas mortes e não entendo como podem estar na expedição escaladores sem experiência”, alertou Kenton Cool, o alpinista britânico que subiu 14 vezes ao pico do Evereste.

Em todo o planeta, existem 14 montanhas acima dos 8000 metros, mas o monte K2 é o único que ainda não foi escalado no Inverno, altura em que a neve é mais profunda, o frio insuportável e as avalanches frequentes. Nos últimos 15 anos, as montanhas mais altas do mundo foram escaladas na Primavera ou no Verão, inclusivamente o K2. Na década de 1980, alguns grupos mais aventureiros começaram a fazer expedições no Inverno e tiveram êxito em quase todas.Faltou a montanha selvagem. É essa missão que agora está em marcha, com todos os perigos inerentes, e que se espera possa ser concluída com êxito em Fevereiro por alguns. Para já, os vários grupos ainda nem a meio da montanha estão. E a boa notícia é que ainda não existem vítimas.
Chimborazo,o pico mais afastado do centro da Terra
Em 1864, Hans Bjelke, caçador de gansos islandês, descia ao interior  da Terra a partir do vulcão Sneffels, na sua terra natal. Acompanhavam-no na jornada o professor Otto Lidenbrock, o sobrinho deste, Axel, e a jovem Graüben. Nas páginas de Viagem ao Centro da Terra, o escritor francês Júlio Verne transportava os seus personagens e o leitor para expedição impossível no espaço e no tempo. Sob a crosta terrestre, os heróis enfrentavam "monstros” do período Mesozoico, dinossáurios de uma era afastada 65 milhões de anos.

A aventura tornava-se possível com a decifração de um código criado no século XVI pelo alquimista islandês Arne Saknussemm. Uma vez mais, o autor de Viagem à Lua e Vinte Mil Léguas Submarinas punha a inventiva ao serviço das suas narrativas. A alquimia de Arne é uma ficção. As viagens ao centro da Terra também o são, embora campo profícuo para o ramo da literatura que as empreende há séculos. Em 1914, o inglês Charles Lutwidge Dodgson, imortalizado com o pseudónimo de Lewis Carroll, levou a sua Alice no País das Maravilhas para um mundo onírico, acessível através da toca de um coelho.

Quarenta anos mais tarde, o jornalista e escritor norte-americano Edgar Rice Burroughs embrenhava a sua escrita na obra literária, No Coração da Terra. Aí, localizou o mundo de Pellucidar, território no âmago do planeta, acessível apenas a partir de uma abertura no Pólo Norte. Burroughs, criador de Tarzan, iniciava, com esta obra, um périplo pelo mundo inferior.

Também o escritor irlandês C.S. Lewis embrenhava nos interstícios terrestres a sua obra de ficção infantil, A Cadeira de Prata (1953), título inserido na série, As Crónicas de Nárnia. Literatura subterrânea que reuniu nomes como os norte-americanos Edgar Allan Poe, e H.P. Lovecraft e o celebrado britânico J.R.R. Tolkien.

Páginas que rendiam homenagem à teoria nascida pela mão de um homem que ganhou a posteridade, não a olhar para o Centro da Terra, antes, para o firmamento. Edmund Halley, astrónomo e matemático britânico, previu com precisão a órbita do cometa que singrou nos céus terrestres em 1758. Feito que valeu ao cientista inglês ver o seu nome a viajar à boleia do cometa que visita a Terra a cada 75 ou 76 anos (a última aparição deu-se em 1986). Com menor discernimento, Halley também firmou a ideia de uma Terra oca, habitável no seu interior e acessível a partir de fendas localizadas nos polos.

Com mais pragmatismo, o coração do planeta serviria, ainda no século XVIII, para firmar os fundamentos que determinam o ponto da superfície terrestre mais afastado do centro da Terra. Em 1802, vamos encontrar o esforçado e aclamado prussiano Alexander von Humboldt, a par do botânico francês Aimé Jacques Bonpland, na tentativa de conquista daquele que era, na época, tido como o pico mais elevado do planeta, o vulcão Chimborazo, localizado no Equador. Conquista nas alturas, alcançada em 1880 pelo britânico Edward Whymper, que subiu aos 6267 metros, contados a partir do nível do mar.

Nas décadas seguintes, Chimborazo perderia para inúmeros picos asiáticos o título de mais alto gigante das alturas. Entre eles, soberano, o monte Evereste, cuja altitude, fixada nos 8848 metros, foi calculada em 1852 pela mão do matemático e topógrafo indiano Radhanath Sikdar (medição que foi causa de disputa entre a China e o Nepal).

Não obstante o gigantismo do Evereste, não fugiria ao adormecido vulcão Chimborazo o título de pico mais alto, medida a distância deste ao centro do planeta: 6384 km, face aos 6382 km da montanha inserida na cordilheira himalaia. Uma vitória por dois quilómetros da montanha sul-americana frente à asiática, que encontra explicação no facto de o planeta não se apresentar como esfera perfeita, antes, ligeiramente achatado nos polos. Contas feitas, a distância entre o centro da Terra e a sua superfície não apresenta um valor absoluto extensível a todos os pontos do planeta. Para sermos precisos, 6357 km nos pólos e 6378 Km na linha do equador.

Etnógrafo, antropólogo, geógrafo, botânico, vulcanólogo, Humboldt, nascido em 1769, falhou a tentativa de conquistar o cume do ponto mais afastado do centro da Terra. Continuaria, contudo, o seu périplo histórico pela América do Sul, empresa que iniciara em 1799. Mais tarde, em 1845, nasceria das mãos de Humboldt a obra Kosmos, tratado em cinco volumes sobre ciência e natureza, das formas mais elementares de vida às nebulosas. Épico ao saber que arrebanharia a afeição do escritor Edgar Allan Poe. Este dedicaria a Humboldt a sua homenagem em Eureka: Poema em Prosa¸ obra de 1848.

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