Opinião

O conflito na RDC e a via que se esvazia

Edson Kassanga

* Especialista em governação e gestão pública

Há quase quatro meses do sexagésimo quarto aniversário da independência da República Democrática do Congo, o agudizar da instabilidade no referido território, tão rico quanto cobiçado, é um facto, com contornos de infelicidade para os cidadãos que sofrem as agruras da guerra.

10/03/2024  Última atualização 07H53

O Movimento 23 de Março (M23) continua a ser acusado de espalhar o terror e a mortandade no seio da população, numa proporção bastante preocupante, a julgar pela envergadura dos meios bélicos que possui, pela maneira menos disfarçada com a qual o Rwanda o apoia e, sobretudo, em virtude das crescentes suspeitas de que esse país conta com o suporte de algumas potências mundiais. 

Apesar dos esforços combinados dos Estados angolano e queniano que, em 2023, resultaram na assinatura dos Acordos de Luanda e Nairóbi, nos quais o M-23 se comprometeu em abandonar as áreas que ocupou através da força das armas na região Leste da RDC, assim como cumprir um programa de pacificação assente no desarmamento, acantonamento, desmobilização e reinserção social, tal grupo, criado em 2012, voltou a pegar em armas para tomar a localidade de Sake, que dista a 20 quilómetros ao Oeste de Goma.

Goma, capital provincial do Kivu Norte, é tida como a cidade mais importante da região e, aventa-se constituir o objectivo primário do M23. 

Devido aos combates dos últimos tempos entre o M23 e as Forças Armadas da RDC - que já dizimaram dezenas de pessoas, entre civis e militares - milhares de populares são obrigados a procurar segurança em outras áreas.

Dados apontam que, de 2 a 7 de Fevereiro de 2024, mais de 135 mil deslocados movimentaram-se para Goma em busca de segurança e alimentação. A grande quantidade de deslocados provoca o colapso do sistema de apoio humanitário, tal como alertam o Conselho Norueguês dos Refugiados na RDC e o Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários. 

Saturada com a situação, a população congolesa decidiu reagir. No pretérito mês de Fevereiro, populares manifestaram-se nas ruas, denunciando a indiferença e o silêncio da sociedade internacional, face ao número de mortos decorrente dos confrontos em Sake.

Para além de queimarem as bandeiras da Bélgica e dos Estados Unidos da América, segundo dados avançados pela África News, os manifestantes acusaram o ocidente de dar suporte ao Rwanda.    

Recorda-se que ao longo do Campeonato Africano das Nações, os atletas da RDC também se manifestaram em relação à atitude da sociedade internacional.

Recordar que, no início do jogo de futebol entre a RDC e a Cotê D’Ivoir, no CAN recentemente realizado, os congoleses levaram as mãos à cabeça, sendo uma colocada sobre a boca e outra, num formato semelhante ao de uma pistola, posta em direcção à têmpora.Um mais que evidente sinal de condenação.

Para tomar Sake, o M23 conta com um arsenal reforçado, com meios sofisticados e com o apoio do exército rwandês. Em função disto, o Departamento de Estado norte-americano emitiu um comunicado pedindo a retirada do exército rwandês na RDC, bem como do sistema de mísseis terra-ar (SAM), bastante eficaz para abater aviões e aparelhos similares.

Circulam informações que apontam para a maior complexidade deste conflito. Uma delas refere-se a um país com fortes ligações com o ocidente. 

Tendo em conta a imensa extensão do território da RDC, tido como o segundo maior de África, o volumoso número de habitantes (cerca de 100 324 841, de acordo com informações vigentes); considerando o número de países com os quais partilha fronteira (8); assim como a quantidade de países envolvidos e a letalidade relativa aos armamentos das respectivas forças armadas, quer as do lado rwandês quer do lado congolês; as últimas investidas do M23 fizeram disparar a preocupação dos Estados parte das Organizações Inter-Governamentais as quais a pátria de Patrice Lumumba é membro. 

À guisa de exemplo, o Presidente da República de Angola, João Lourenço, cuja dedicação conducente à pacificação da RDC tem sido amplamente reconhecida pela sociedade internacional, mostrou a sua inquietação em relação à circunstância do país vizinho na véspera da realização da trigésima sétima Cimeira da União Africana.

Nas vestes de Campeão para a Paz e Reconciliação em África, título atribuído pela União Africana, e Presidente da Conferência Internacional para a Região dos Grandes Lagos, aproveitou a sua estada na Etiópia para convocar uma cimeira extraordinária em que foram discutidos os últimos desenvolvimentos do conflito RDC-M23/Rwanda, na altura. 

As duas primeiras semanas de Fevereiro reacenderam a necessidade urgente de mudar a forma como os africanos vêem e tratam os problemas do continente.

E o caso da RDC não é excepção. Nas cimeiras de Luanda e Nairobi, convocadas para se discutir a respeito do conflito no leste da RDC, o Presidente do Rwanda, Paul Kagame, primou pela postura da cadeira vazia, não se fez presente.

Somando tal atitude aos combates em Sake, vêem-se reduzidas, sobremaneira, as possibilidades de se achar a solução do conflito pela via diplomática, embora esta nunca se deva descartar de todo.

 

*Estudante de Relações Internacionais

Comentários

Seja o primeiro a comentar esta notícia!

Comente

Faça login para introduzir o seu comentário.

Login

Opinião