Reportagem

O movimento frenético nos armazéns do Hoji-ya-Henda

André Sibi

Jornalista

Os armazéns do distrito do Hoji-ya-Henda, município do Cazenga, em Luanda, constam entre as principais fontes de electrodomésticos, roupa, calçado e bijuterias do país. O comércio é feito também nas ruas, onde até pretensos “especialistas” prestam serviço de ortodontia. Os malianos dominam o mercado do vestuário, um segmento que movimenta, aproximadamente, 100 milhões de kwanzas por dia. No total, o mercado do distrito do Hoji-ya-Henda alberga 240 estabelecimentos comerciais

14/01/2024  Última atualização 09H47
© Fotografia por: Maria Augusta | Edições Novembro

Durante a ronda realizada pelo Jornal de Angola à avenida Ngola Kiluanje, no distrito de Hoji-ya-Henda, para compreender o funcionamento da cadeia de distribuição de mercadorias na capital do país, Fernando Domingos Pinto, proprietário de um estabelecimento comercial no bairro Nzaji, no Luena, capital do Moxico, disse que "está difícil sobreviver no mercado, onde o produtor está a concorrer com o grossista e este com o retalhista”.

Para o empresário, o Estado precisa intervir para regular o mercado e "colocar cada um no seu lugar”.

Fernando Domingos Pinto, que vem a Luanda quinzenalmente em busca de mercadorias diversas, disse que está a atravessar uma fase difícil com a alteração constante dos preços face à inflação, aliado aos altos custos do transporte, o que se reflecte no preço para o consumidor final.

Segundo contou, "os clientes não param de reclamar, pensando que estamos a aumentar os preços a nosso bel-prazer”.

Para abastecer uma superfície comercial no Luena, existem duas alternativas. Viajar de avião, o que ronda os 195 mil kwanzas de ida e volta, ou viajar de autocarro até ao Bié, para chegar ao Luena de comboio no dia seguinte.

De comboio, a passagem ronda os seis mil kwanzas na classe económica e os dez mil kwanzas na classe executiva.

Bernardo Gime consta entre os jovens angolanos que viu a sua vida a mudar nos armazéns do Hoji-ya-Henda. Em 2004, começou a actividade comercial, vendendo cosméticos. Para aumentar a rentabilidade das vendas, fez o curso de estética e passou a cuidar de unhas, sobrancelhas e a fazer "makeup”, acumulando assim o dinheiro que lhe permitiu arrendar um estabelecimento e tratar o alvará comercial.

Volvidos 21 anos, Gime frisa que sempre pensou em ser empresário, pelo que conseguiu realizar o seu sonho: tem loja própria onde comercializa, preferencialmente, calças para senhoras.

"Hoje considero-me um pequeno empresário. Tenho uma funcionária e pago impostos ao Estado”, disse.

Questionado por que razão se dedica aos negócios ligados às senhoras, alegou que estas"são boas compradoras”.


Associação de oeste africanos

Hamadu Camará, secretário-geral da Associação de Integração dos Oeste Africanos, disse ao Jornal de Angola que os armazéns do Hoji-ya-Henda constituem a maior fonte de negócios para os empreendedores no ramo do vestuário, um pouco por todo o país.

Segundo explicou, as superfícies comerciais são abastecidas por empresários malianos e congoleses e o produto provém, sobretudo, da China, Turquia e Dubai.

Em Angola, os malianos dominam o mercado do vestuário, um segmento que movimenta, aproximadamente, 100 milhões de kwanzas por dia.

O maior desafio que os empresários malianos enfrentam em Angola prende-se com a exigência de regressar ao país de origem para obter o visto da China.

"Todos recebem visto menos os malianos, que são obrigados a regressar ao país de origem ou aos países vizinhos como a República do Congo, Congo Democrático e Gabão para obter o visto da China, já que a Embaixada da China em Angola não emite visto para os malianos residentes em Angola”, lamentou.

Hamadu Camará explicou que a relação dos comerciantes com a Administração do Distrito é salutar. "Pagamos os impostos, as multas só em caso de infracção às exigências para manter um estabelecimento comercial. As torneiras jorram água e o maior desafio prende-se com a energia eléctrica, que já não falha como antes, no entanto, nem sequer dá para ligar um aparelho de ar condicionado”, explicou.

Para garantir a livre circulação de pessoas e bens, além do asseguramento policial, a zona conta igualmente com 67 homens para garantir a segurança e a mobilidade a toda a gente.


"É preciso conhecer os becos”

Na avenida Ngola Kiluanje, no Hoji-ya-Henda, o movimento é frenético. Os armazéns estão um pouco por todo o lado. No entanto, para chegar à fonte, entenda-se aos armazéns que fornecem produtos à maior parte dos distribuidores e a preços acessíveis, é preciso caminhar com alguém que conhece os becos.

"Mesmo os armazéns situados na via principal são revendedores da fonte”, disse Palmira Nunes, que frequenta o mercado há quinze anos.

Ao meio dia, as atenções viram-se, sobretudo, para o almoço vendido em pequenos estabelecimentos adaptados para alimentar os comerciantes. Além da procura pelo almoço, aumenta a procura pelas "chaleiras” para lavar os pés, as mãos e o rosto como manda a cultura muçulmana.

As travessas do Moxico e Pôr-do-Sol, constituem as esquinas mais procuradas pelos visitantes deste grande mercado, que conta com 240 estabelecimentos comerciais.

A segunda-feira está reservada para a limpeza do recinto. A partir de terça-feira, começa o movimento frenético de homens e mulheres, oriundos de todo o país, num sobe e desce que vai até sábado.Haja paciência para enfrentar aquela confusão que começa na entrada principal e se estende até aos confins do Cazenga, num autêntico entra e sai, vai e volta, sobe e desce até sair na rua principal da Petrangol.

"Chefe, aqui os gatunos não piam. Os clientes podem fazer as compras à vontade, sem qualquer problema”, disse Paulo Cassua, que integra a equipa de segurança há dois anos. Sadrack Lumani está entre os jovens que aproveitam o sobe e desce das pessoas, para comercializar pulseiras. "Tenho autorização da Administração para vender os meus produtos aqui”, disse ao repórter enquanto mostrava a credencial cedida pela Administração. 

Segundo contou, compra os produtos no mercado do Kikolo para revender no Hoji-ya-Henda até às 15 horas, altura em que a movimentação termina. Sadrack já concluiu o pré-universitário de Físicas e Biológicas.  "Este ano lectivo, não fui a tempo de testar na Universidade, vou me dedicar às vendas para preparar as condições e testar no próximo ano”, confidenciou ao jornalista.

Ele tem as segundas, quartas e sextas-feiras reservadas ao curso de soldadura no Centro de Formação Profissional do Cazenga, onde se matriculou.

Ao longo dos armazéns, estão igualmente as revendedoras que compram nas lojas para despachar os produtos na rua.Na travessa do Moxico, encontrámos a Paula Pascoal, uma jovem mulher de altura média. Paula não parava de pegar, olhar e medir calças, saias, blusas e vestidos que encontrou na montra. "Aqui tudo é barato”, explicou ao repórter que se aproximou para uma melhor interacção.

O olhar da Paula transmitia alegria e muita satisfação. Questionada sobre o que estava à procura, explicou que era a sua primeira vez nos armazéns do Hoji-ya-Henda e que estava muito satisfeita por encontrar o que procurava a bom preço.

"Aparelho de banga”

Durante a ronda realizada pela equipa de reportagem do Jornal de Angola, encontramos a Carla, uma jovem moradora do Cazenga, de aproximadamente 16 anos de idade, que aplica alinhador dos dentes na rua.Ao contrário da maioria, que recorre aos serviços especializados para colocar e alinhar os dentes com um aparelho ortodôntico, a nossa entrevistada recorre a um grupo de jovens curiosos, que fazem o trabalho de forma empírica, sem o mínimo de condições de higiene e acomodação.

"Papoite do Jornal de Angola, nós aplicamos ‘aparelhos de banga’para o alinhamento dos dentes”, disse.

Ao longo da conversa, foi possível saber que afinal os aparelhos são fabricados em casa para serem comercializados e aplicados no dia seguinte.

"Compramos o material no Kikolo, montamos as peças em casa e quando solicitados, aplicamos aos nossos clientes de terça-feira até sábado. Vendemos cada peça pré-fabricada em casa  a 600 kwanzas. Os nossos clientes são sobretudo meninas, embora a procura pelos rapazes aumente a cada dia”, elucidou a jovem Carla, acrescentando que por dia consegue aplicar até dez aparelhos. "Os clientes são de todas as idades, com destaque para os adolescentes”.

Com as mãos sujas introduzidas na boca da jovem mulher que procurou pela "especialista” ortodondista nas ruas do Hoji-ya-Henda, Carla explicou ao repórter que atende homens e mulheres, sobretudo adolescentes. Questionada sobre o tempo de vida útil dos equipamentos que fabrica e aplica na rua, precisou que produz duas referências. A primeira não leva fixadores e dura uma semana. A segunda referência leva os fixadores e pode ficar na boca até um mês.

Além dos aparelhos para alinhar os dentes, comercializa dentes de ouro, bem como separadores de dentes.

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