Entrevista

Entrevista

“O teatro no país está no bom caminho mas falta muita educação artística”

Armindo Canda

Jornalista

Os múltiplos desafios, a criação de novos factos culturais e artísticos, a projecção da carreira internacional como dramaturgo, tem sido o foco do jovem encenador Alberto Chetula, director do Grupo Muxima Yetu Teatro, composto por vários efectivos da Polícia Nacional e algumas figuras públicas angolanas.

24/12/2023  Última atualização 08H50
Alberto Chetula, director do Grupo Muxima Yetu Teatro © Fotografia por: DR

Em entrevista ao Jornal de Angola, referiu que o teatro nacional está num bom caminho, mas ainda falta muita educação artística por parte dos vários grupos teatrais no país. Por exemplo, a peça "A Filha do Ministro” tem tido um impacto positivo na sociedade angolana e estrangeira por revelar aspectos socioculturais dos povos do Sul de Angola.

Alberto Chetula tem se destacado nos últimos dois anos como um encenador ousado nas abordagens socioculturais que tem apresentado nas suas peças de teatro. Quem é esse jovem que tem dado cartas as artes cénicas, em particular no teatro?

Sou um encenador, dramaturgo e director do grupo Muxima Yetu Teatro. Estou no teatro há 12 anos. Fora do teatro sou funcionário do Ministério do Interior. Especializei-me no curso de Inteligência Económica pelo Instituto Geoestratégico de Estudos Africanos (IEGA), sou especialista em problemas relacionados com o medo e contra-inteligência.

Quando começou o interesse pelas artes cénicas, sobretudo para a vertente teatral?

Ganhei o gosto pelo teatro porque venho de uma família de artistas. O meu pai era cantor e a minha mãe bailarina. Tenho um irmão que faz teatro e actualmente é encenador e foi daí que surgiu o gosto pela arte cénica. Penso ser algo nato da minha família. Eu comecei primeiro como poeta e faço poesia há mais de 19 anos, mas como tenho inclinação pela escrita, levou-me a escrever peças de teatro.  Sinto que a minha família, em particular o meu irmão, influenciaram-me a gostar de teatro. Já tinha uma grande notoriedade como declamador, mas decidi mergulhar no teatro e os resultados são esses que hoje tem vindo a surgir. Graças a Deus sempre tive o apoio da minha família, porque não foi fácil começar, tive inúmeras dificuldades para me afirmar.

Quais foram essas dificuldades?

As dificuldades foram tantas, desde a adaptação enquanto actor. Como me tornei encenador, tive dificuldades financeiras para aquisição de alguns materiais para pagar o aluguer de um espaço para os ensaios. Este foi um dos entraves que encontrei no início, mas graças a Deus, hoje estão ultrapassadas.

Por que o teatro e não outra da Sétima Arte?

Apaixonei-me pelo teatro, porque senti que o mesmo dá vida a vários elementos que compõem a sociedade, ele humaniza. Como dramaturgo, preocupo-me com algumas situações que afligem a sociedade, por isso, decidi mergulhar nesta praia com o objectivo de humanizar a sociedade através das artes cénicas, fazendo com que as pessoas reflitam, porque dentro das fileiras do Ministério do Interior, o grupo Muxima Yetu Teatro, tem levado espectáculos de teatro com o pendor cívico e moral.

Como é que se dá a transição de um simples actor para dramaturgo?

Sempre fui dramaturgo, senti-me forçado a ser actor pela escassez de actores na Polícia Nacional e a vontade de querer levar a mensagem de moralização e ética do Ministério do Interior.

Quantas peças de teatro já escreveu e que impacto teve para a sociedade?

Já escrevi cerca de dez peças de teatro, com maior destaque para "A Viagem de Cabinda”, "O Último Roubo” e "A Filha do Ministro”, esta última que estamos a procurar internacionalizá-lá. As peças que escrevo têm impactado de forma positiva a sociedade, pelo seu carácter pedagógico e visam humanizar as pessoas. Como disse anteriormente, dentro das fileiras do Ministério do Interior, tenho procurado chamar a razão de alguns efectivos que ainda tendem a manchar o bom nome da corporação. Por exemplo, a peça "A Filha do Ministro” tem um impacto considerável para a sociedade, porque nos remete a uma análise de situações que são recorrentes em algumas regiões do país, como o esforço das adolescentes para ter um marido e o trabalho de menores nos campos de cultivo.

Que temática normalmente aborda nas suas peças e porquê?

As minhas peças teatrais abordam sobre a realidade do país, tanto é que falo muito sobre angolanidade, porque o maior desejo é que o mundo conheça Angola, pelas suas tradições, costumes e a sua diversidade cultural e artística.

A peça "A Filha do Ministro” está a merecer a atenção de alguns actores brasileiros de renome. O que poderá estar na base disso?

Ganhei uma simpatia muito forte por parte de alguns actores e actrizes brasileiros, ligados à TV Globo e à Record TV. Acredito que o que está na base dessa visibilidade tem a ver com a minha sensibilidade e o meu poder criativo.

Quando é que os actores brasileiro começaram a interessar-se pelo seu trabalho?

Em 2019, tive contacto com a professora brasileira Rose Mara Kialela. Convidei-a para dar formação ao grupo. Na época, não tivemos condições de custear as despesas da sua contratação. Infelizmente só tinha 50 por cento dos valores, mas sem receios, conversei com ela e por intermédio da minha simplicidade e sempre muito optimista consegui convencê-la para dar a formação que teve uma duração de dois meses, em Luanda. Depois dela ter assistido à peça "A Filha do Ministro” no Teatro Elinga, ficou emocionada. Durante algum tempo, o grupo de teatro Umbuzeiro do Brasil, também acompanhou a peça e achou interessante pela entrega dos actores e o enredo do espectáculo. Registaram o momento e fizeram vídeos e prometeram divulgar no seu país, com este feito a peça tornou-se conhecida. Para o grupo de teatro Umbuzeiro, a peça é muito diferente do teatro universal, incorporado na própria matriz cultural angolana.

O que mais chamou a atenção deles?

Uma das coisas que mais chamou atenção deles na peça, foi alguns rituais que apresentamos como Efico, Evamba, a descoberta do tubérculo longueso, um fruto comestível oriundo do município do Bailundo, na província do Huambo. A peça é muito educativa e merece ser objecto de estudo nas escolas de arte. Em 2022, tive a honra de conhecer a actriz Ítala Nandi, conhecida nas lides artísticas como "Douctora Júlia”, da novela "Caminho do Coração”. Na troca de experiência, ofereceu-me a sua peça teatral "O Diabo e Avó”, que para mim é uma missão de muita responsabilidade levar em cena a peça, numa das maiores professoras de teatro no Brasil. Mas infelizmente ainda não conseguimos exibir, por falta de actores com perfil adequado para a sua encenação. Hoje tenho uma boa amizade com ela. Conheci também os actores Marcos Breda, Maurício Ribeiro, com o pseudónimo Chris da novela "Os Mutantes” e a actriz Ângela Vieira. A peça "A Filha do Ministro” tem estado a ganhar uma maior notoriedade a nível da lusofonia.

O que significa toda essa projecção para a sua carreira?

Para mim, começa a ser uma nova era não apenas para a minha carreira como dramaturgo angolano no contexto da Lusofonia, porque gosto de pensar sempre em coisas grandes, então, é o começar daquilo que foi sempre as minhas inspirações enquanto encenador e criador.

   "Tenho estado a surpreender muita gente”
Quando começou como encenador e dramaturgo, já pensava ter essa visibilidade além-fronteira?

Penso que sim. Voltou a repetir, sou uma pessoa muito optimista, sempre consegui alcançar aquilo que desejo. Esta conquista é a confirmação de muitas outras, porque dentro do mosaico teatral angolano, ganhei um certo respeito e admiração por parte dos colegas através desta minha firmeza. Tenho estado a surpreender muita gente porque o grupo que oriento é composto por elementos muito fortes. Quando fizemos a exibição da peça no Auditório do Horizonte Njinga Mbande, na presença do actor Filipe Petronilho, formado na Universidade Nova Lisboa, em Portugal, e trabalhamos juntos desde 2017. Suscitou uma admiração por parte do professor Adelino Caracol, que de seguida fez vários elogios sobre mim e a minha ousadia. Ele afirmou que fui um jovem muito ousado e que o futuro do teatro nacional precisa de jovens com outra mentalidade.

Pensa um dia dar continuidade à sua carreira fora de Angola?

Não. Apenas desejo ser um dramaturgo conhecido na Lusofonia, tanto é que a peça "A Filha do Ministro” que considero ser um clássico internacional, tem recebido vários convites para ser exibida em Portugal, Brasil e Cabo Verde.

Quais são os ganhos que já conseguiu nas artes?

Os ganhos que já tive nas artes cénicas foi trazer o ex-ministro da Juventude e Desportos, Albino da Conceição, o músico Puto Português e a apresentadora da TV Zimbo, Sofia Lucas, para o teatro. Hoje me sinto feliz por ver a Sofia a brilhar no teatro e na teledramaturgia. Tive ainda a honra de juntar o Albino da Conceição e o realizador Tomás Ferreira Walter no mesmo palco. São para mim momentos inesquecíveis e me deixam alegre por ter orientado estas figuras bastantes conhecidas no mercado político, artístico e da comunicação.

Foi fácil mobilizar o cantor Puto Português e o político Albino da Conceição a integrarem ao elenco da peça "A Filha do Ministro”?

Não foi assim tão fácil, mas também não desisto fácil dos meus objectivos. Nunca pensei em fracasso, somente em coisas produtivas. Por exemplo, se colocar uma ideia na cabeça, na qual desejaria trabalhar com uma figura pública ou política ou qualquer pessoa anónima, penso que o correcto é ir atrás dessas pessoas, usando um discurso pedagógico para poder convencê-lo.

Quem deu mais trabalho para ser mobilizado e porquê?

O que mais me deu trabalho para aceitar foi o ex-ministro Albino da Conceição. Até hoje não tem sido fácil trabalhar com ele, por ser uma entidade muito ocupada. Repara que nos ensaios têm algumas regras e como jovem ainda sinto algum receio em orientá-lo. O bom nisso tudo, é saber que ele é uma pessoa com muita sensibilidade. Já o músico Puto Português, quando liguei para o seu agente, não demorou muito para receber a resposta do cantor, por ser uma vontade do mesmo experimentar outras coisas no mundo das artes.

O que aborda de uma maneira geral a peça "A Filha do Ministro”?

A peça aborda sobre a cultura e o comportamento dos povos ovimbundu, situado no Sul do país. Conta-nos sobre uma menina que foi raptada num passeio de família, mas que consegue escapar dos sequestradores e foi acolhida pelos povos ovimbundu e estava sobre a responsabilidade do senhor  Vunda. O mesmo já tinha enterrado três mulheres e ficou viúvo, sem nenhum filho. O amigo do Vunda de nome Xico Maria pediu a menina ao compadre para ser sua nora, porque é o pai que deve escolher a mulher do seu filho e este comportamento é típico daquele povo. Essa menina desaparecida é filha do ministro.

Qual é a opinião que tem a respeito do actual estado do teatro feito em Angola?

Na minha visão, o teatro nacional está num bom caminho, mas ainda falta muita educação artística por parte dos vários grupos teatrais no país. Embora alguns dos colegas encenadores reclamem da pouca falta de salas para a realização de espectáculo, eu procuro fazer diferente transformando as minhas ideias e levar para a diáspora. O teatro é uma arte monarca, para pessoas que têm dinheiro.

A primeira pedra para a construção do Palácio da Música e do Teatro foi lançada, recentemente, uma infra-estrutura há muito aguardada pelos fazedores de arte. Até que ponto vai contribuir para o crescimento do teatro no país?

A construção do Palácio da Música e do Teatro, é uma valia para os artistas nacionais. Penso que vai contribuir para a dignidade dos espectáculos teatrais e vai ser uma oportunidade na promoção do turismo em Angola. Penso que o problema não está somente na falta de salas para a realização de espectáculos, mas também nos grupos, porque os mesmos precisam de se organizar e definir metas e foco para dar dignidade ao teatro nacional. Porque não adianta ter uma infra-estrutura digna se não conseguimos gerir.

Recentemente, a classe teatral elegeu a nova Comissão Directiva da Associação de Teatro (AAT). O que espera dela?

Desde já felicito o dramaturgo Tony Frampênio pela conquista e por ser uma pessoa muito activa nas artes cénicas, em particular no teatro nacional. Espero que cumpra com as promessas do programa da linha de acção, promover o espírito de união, encontrar soluções para plano de saúde dos associados, plano habitacional, estabilidade financeira e social dos actores e actrizes.

Já se sente realizado ou ainda é prematuro pensar nisso?

Ainda não me sinto realizado, um dos meus maiores desejos é encenar com a artista Taís Araújo e ver os meus roteiros na Record TV e na TV Globo. Acredito que isso um dia vai acontecer, muito breve.

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