Opinião

Os filósofos nunca devem parar de pensar

José Manuel Imbamba

Arcebispo de Saurimo

A história da humanidade sempre foi marcada por grandes transformações epocais com profundos impactos, positivos ou negativos, na esfera da política, economia, cultura, religião, ciência e mentalidade.

25/02/2024  Última atualização 10H48
© Fotografia por: DR

Todavia, no centro de tudo está a pessoa humana no seu acto de ser, de agir e de se impor e expandir, pois, no exercício da sua liberdade, é responsável por tudo quanto acontece na vida em sociedade, no bem e no mal. Infelizmente, porém, o pêndulo inclina-se mais para o mal, para a exploração irresponsável da terra e para o mau uso das suas capacidades intelectivas e volitivas.

De facto, o mundo que estamos a construir está marcado por vários contrastes, assimetrias e contradições: um mundo que gera e cultiva desgraças, vícios, opressões e mata sonhos e alimenta utopias; que exalta mais o fascínio das coisas e do ter do que o fascínio da pessoa humana e da dignidade do seu ser; um mundo sufocado pelas políticas económicas, jurídicas e sociais que fazem prosperar a exclusão social, a miséria antropológica, espiritual, social, cultural e cívica, o fundamentalismo político e religioso, e matam a beleza da biodiversidade e do meio ambiente; enfim, um mundo que se quer construir e propagar sem Deus, porque assente na prevaricação, desobediência, mediocridade, libertinagem, imediatismo, discriminação, egoísmo e no descompromisso com a ética, com a verdade, com a justiça e com o bem comum, consubstanciado na dignidade da pessoa humana.

É este mundo que interpela existencialmente o nosso autor e justifica a razão de ser da presente obra que temos a graça de apreciar. Afinal, é possível viver na gélida indiferença perante tamanho escândalo social, em que os ricos, poderosos e malvados prosperam cada vez mais e os pobres são sempre mais miseráveis? Mais tecnicização significa mais humanização? Onde fica a natureza humana (ser) num mundo onde se exalta até à exaustão a cultura (fazer) e a pessoa humana avança mais no campo da tecnologia e recua drasticamente no campo da ética e dos valores autênticos? Para que servem a ciência e a técnica sem a ética? A que se deve o défice de pessoas de valor, autênticas, altruístas e comprometidas, pura e simplesmente, com o bem das pessoas, independentemente da sua raça, cor ou condição social, e o desenvolvimento sustentável? Que novas esperanças injectar no mundo depois das vulnerabilidades, incertezas e falsas seguranças destapadas pela pandemia da Covid-19?

Enfim, no meio de tudo isto, onde se enquadra a África? Continuará a ser uma página escrita fora do livro? Pelas perguntas inquietantes, podemos depreender a relevância, pertinência e actualidade da presente obra, que pretende ser uma provocação e, ao mesmo tempo, uma resposta e orientação para a responsabilidade ética que cada um de nós deve ter em relação ao bem comum a ser cultivado e salvaguardado, à dignidade e realização do outro e ao convívio harmonioso com a criação no seu todo (responsabilidade ecológica). É um apelo à esperança e à vida, à justiça e à paz, à dignidade e à inclusão, ao amor e à solidariedade, à liberdade e à igualdade, à verdade e à tolerância, ao desenvolvimento sustentável e ao progresso humano, social, político, económico, cultural e espiritual.

A incidência vai precisamente para os países africanos que, no dizer do nosso autor, precisam de "instituições fortes e não de individualidades endeusadas”, cujos líderes políticos devem ter não só habilidades intelectuais, mas, e sobretudo, "coração”, para promoverem o desenvolvimento autêntico e a felicidade dos cidadãos, deixando, por um lado, de depositar as culpas pelas políticas geradoras de miséria, frustração, retrocesso e violência nos outros (os colonos antigos e novos) e, por outro lado, de criar espaços propícios para os "negociantes da religião”, a coberto duma falsa laicidade do Estado.

Aqui está um contributo valioso para alimentar as nossas inteligências e consciências, visando a construção de sociedades justas, prósperas, inclusivas, humanas e humanizantes. Por isso, os filósofos nunca devem parar de pensar, de sonhar e de dialogar com a realidade histórica, tendo em vista um futuro melhor e seguro para todos e para a própria ciência, construindo e consolidando o racional científico. É a filosofia ao serviço do bem social e do diálogo existencial e interpelativo. Portanto, um bem-haja ao Frei Alberto de Morais, da Ordem dos Frades Menores Capuchinhos em Angola, e que nunca se canse de pôr a render os seus talentos para o bem da convivência social harmoniosa e solidária e da obra fascinante criada por Deus.

Saurimo, 31 de Maio de 2021

O autor  do livro

Alberto Morais, autor do livro "Os pobres no visor da [pós]modernidade”, é umreligioso e sacerdote da ordem dos Frades Menores Capuchinhos em Angola. Estudou Filosofia no Seminário Maior do Sagrado Coração de Jesus-Luanda e na Universidade Católica de África Ocidental-Abidjan, (Côte d’Ivore). É também licenciado em Teologia pela Universidade Católica de Angola e pós-graduado em Ciências de Educação pela Universidade Agostinho Neto. Trabalhou em Mbanza Kongo, Samba Caju (Cuanza-Norte) como pároco da Paróquia de Santo António, Uíge-Mbemba Nganduna parórquia de Nossa Senhora de Fátima, no Huambo (Fraternidade São Leopoldo Mandic) como guardião, em Luanda (Paróquia de Santo António) como vigário paroquial.




 

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