Entrevista

“Os meus quadros são cada vez mais originais e únicos”

Arão Martins / Benguela

Jornalista

Anselmo Vasco é autor das obras “Fiscalidade Angolana-Fundamentos Teóricos e Casos Práticos”, “Finanças Públicas – Ciência e Arte de Gerir o Erário”, “Entendendo o Tempo- O mestre silencioso”, “Aljube sem Álibi-A busca da felicidade, utopia ou possibilidade” e “O Renascer do Cataclismo”. Antigo dirigente desportivo, é também economista e docente universitário.

03/09/2023  Última atualização 08H10
Anselmo Vasco, “entre outras coisas”, Artista Plástico © Fotografia por: Arão Martins | Edições Novembro
Mas é sobretudo na qualidade de artista plástico que o Jornal de Angola o entrevistou. Residente na comuna da Palanca, município da Humpata, província da Huíla, Anselmo Vasco reconheceu que há, na região Sul do país, muitas pessoas com talento e a fazerem arte, de facto, mas, que, infelizmente, preferem não dar a cara "porque levam isso como diversão”.

Além de académico, chefe de família e escritor, vejo que é também artista plástico. Como começou essa caminhada?

A trajectória nas artes plásticas começou entre 1997 e 1998, quando começámos a frequentar o atelier do meu mentor e artista plástico Gustavo Nuno Carneiro, na cidade de Moçâmedes, província do Namibe. Na altura, fomos parar ao atelier apenas para aprender algumas técnicas. Com o primeiro desenho que ficou na história, com o tempo, fomos evoluindo para a técnica de escrita artística e, também, para a pintura artística.Lembro-me que, na altura, no atelier, fazíamos quase tudo, por ser um processo de aprendizado.

Já havia o material exigido?

Só para ter noção, naquele tempo os letreiros que as empresas ou instituições utilizavam eram pinturas feitas à mão e nós fazíamos esse tipo de trabalho. Não havia vinil. Com isso, fomos aprendendo um pouco mais sobre as diferentes técnicas de pintura artística. Antes, fazíamos esta actividade como hobby, diferente do profissionalismo. Com o passar do tempo, notamos que tínhamos um monstro em nós de pintar e procurámos desenvolver tal actividade.

É assim que fomos fazendo e gastando dos nossos poucos recursos para a aquisição do material. Mas, como fazíamos isso por gosto e precisávamos de alguma prática e tirar o monstro dentro de nós, fomos oferecendo quadros, mesmo assumindo nós as despesas.

As solicitações começaram a surgir quando?

As solicitações começaram a surgir a partir de 2021/2022. Em Janeiro deste ano realizei a primeira grande exposição de artes plásticas no Lubango. Depois de mostrar os meus trabalhos, estão a surgir pedidos e encomendas.

Está em Benguela, vindo de Portugal. Qual é o balanço da sua digressão pela Europa?

Positiva. Depois de uma longa trajectória, em Maio último, realizámos a nossa primeira aparição internacional com quadros de artes plásticas em Portugal, foi um sucesso. Procuramos mostrar o que de bom se faz em Angola, sobretudo na região Sul do país, na área das artes plásticas.

Qual é a repercussão dessa viagem na sua carreira?

Vários quadros foram vendidos individualmente para Portugal, Moçambique, Cabo Verde, França e Holanda. Actualmente tenho umas encomendas a caminho da Rússia.

Como surgiu a ideia de fazer exposições?

Na conversa com o amigo e colega Luís Garrido Lisboa, depois dele ver alguns quadros da minha autoria, ele sugeriu-me a não levar a actividade como mera recreação, mas a abraçá-la de forma mais profissional e realizar exposições, vender e expandir seriamente o meu trabalho. É assim que começámos a abraçar essa causa de forma mais profissional.A minha marca é "Moyoweno”.

Com quem partilhou o aprendizado de criar obras plásticas na província do Namibe?

Com muitos. A começar mesmo pelo grande mestre e professor Gustavo Nuno Carneiro, que continua a fazer um grande trabalho naquela província.Permita-me que eu enalteça o trabalho que o artista Gustavo Nuno Carneiro tem estado a realizar, ensinando, sobretudo, crianças em matéria de artes plásticas.Há muitos talentos que se estão a descobrir na província do Namibe, que precisam de visibilidade. Está-se a descobrir talento nas crianças de várias idades. A descoberta de talentos nas artes é também preocupação do Executivo. No Namibe, se tem estado a fazer um trabalho espectacular. Quem conhece o trabalho do mestre Padú, na Huíla, é semelhante. Ou seja, Gustavo Nuno é o mestre Padú que temos na Huíla.

E qual é a diferença?

A diferença é o facto de que um está na província vizinha. Além de Gustavo Nuno Carneiro, tenho outros companheiros com quem comecei a trilhar o mesmo caminho na área, como o Ludjéro Domingos, o Amadeu Missi e o Franco PaxeQuiala.
Aprendi a pintar, também, com o jornalista da Televisão Pública de Angola Angélico dos Santos, que está em Luanda. Ele pintava connosco, assim como o artista e músico Franco Paxe  Quiala, e vários outros artistas amigos e companheiros com quem ainda mantenho essa relação, desde o tempo do atelier de Gustavo Nuno.

Ganhavam algum dinheiro, naquela altura?

Nós nunca tivemos o objectivo de ganhar dinheiro, na altura. Mas o nosso mestre já tinha isso como profissão. É claro, quando fazíamos alguns trabalhos, ele recebia e partilhava alguma coisa. Porém, não tínhamos como objectivo fazer aquele trabalho de forma remunerada. Era mais o sentido do aprendizado e do passar do tempo que nos levava ao atelier.

Desde então, quantas obras foram produzidas por si?

Para lhe ser sincero, já não tenho, com precisão, o número exacto de obras feitas por mim. Mas devo dizer que entre obras profissionais e outras já produzi mais de 100 perfeitas e outras nem por isso. O certo é que cada obra tem a sua especificidade e nós vamos continuar a nos aperfeiçoar na técnica, nos acabamentos e naquilo que é o tipo de pintura que a gente faz.

Qual é o retrato que faz nas suas obras?

Dificilmente faço retrato. Sou pouco apaixonado pelo retrato propriamente dito, apesar de,de vez quando, fazer alguns, sobretudo a preto e branco. Mas prefiro trabalhar com pinturas abstractas e com o realismo. Expresso aquilo que é a beleza feminina, a expressão da mulher nas suas mais diversas dimensões (mulher criança, jovem, adulta). Tento passar as nossas vivências. Por isso, na exposição "O renascer do cataclismo”, que é também o título da minha última obra literária, tentamos trazer aquilo que são as nossas vivências e de cada um de nós, trazendo uma esperança ao mundo diante de toda e qualquer aflição que nós, efectivamente, vivemos.Essa tem sido a tónica das nossas pinturas. Ultimamente temos estado a olhar, também, um pouco para o paisagismo dentro do abstracto.

Vejo que é uma pessoa muito criativa. Quem o incentivou a enveredar pelo mundo das artes plásticas?

Como disse, aquilo foi como um bichinho, na altura em que entrámos para o atelier.Mas acho que o incentivo tem sido a própria vida. É a minha vida e as minhas vivências. E a criatividade vem daquilo que a gente vê, observa, sente e do que imaginamos. Por isso, além das pinturas em si, nos meus quadros  tento misturar várias técnicas. Alguém diz que isso é meio difícil, porque os artistas, em regra, têm um padrão ou uma linha única. Eu não me limito a uma única técnica. Tento fazer mistura de várias técnicas. Faço pinturas acrílicas sobre tela, com spray e textura. Tenho telas em que faço uma mistura de textura com tinta. No entanto, dizer que eu gosto de criar coisas novas para que os meus quadros sejam cada vez mais originais e únicos.

Porquê?

Na medida em que um quadro não pode ter um outro igual. Cada quadro deve ser diferente, único em si.

O artista retratado por si mesmo
Além de artista plástico, também é escritor e académico. E secretário-geral do Governo Provincial da Huíla. Como coaduna as várias profissões e funções?

Escrevi um livro com o título "Entendendo o tempo, o mestre silencioso”. Acredito que quem leu percebeu que eu sou o homem dos 7 casacos. Quando eu digo isso, é para dizer que sou homem que faz várias coisas. É um Anselmo em diferentes dimensões.  Isso é possível na medida em que nós saibamos gerir de forma eficaz o tempo, com rigor, com disciplina. Não que a gente possa fazer tudo ao mesmo tempo. Não. Mas sim, fazer muita coisa na dimensão do tempo, segmentando o tempo. Ou seja, ter tempo para a família, ter tempo para as actividades profissionais, ter tempo para escrever e, obviamente, ter tempo dedicado à pintura. Em regra, dedico-me à pintura aos fins-de-semana, essencialmente aos sábados e domingos.  Os meus dias essenciais para a pintura têm sido aos domingos. De manhã, cuido dos cães. Gosto e sou criador de cães e de plantas. E dedico parte da tarde para as minhas pinturas.

Quanto tempo leva para pintar um quadro?

Depende da qualidade e dimensão. Há quadros que começam e terminam no mesmo dia, mas há quadros que a gente começa e não termina. Pode levar uma semana ou um mês. Há quadros que foram começados há dois meses e não terminaram, porque precisam de mais retoques para serem concluídos. Sinto que o quadro ainda não está recheado para ser considerado concluído. De vez em quando vou lá espreitar e vem-me mais imaginação, criação e inspiração para dar mais um toque até acharmos que está concluído. É uma questão de segmentar o tempo com disciplina e saber o que fazer em cada momento.

Qual é o seu quadro vendido com preço mais alto? E mais baixo?

Não digo que os meus quadros são caros. Devo dizer que não é fácil criar, principalmente, quando trabalhamos com o abstracto. A criação não tem preço.  Definimos o preço dos quadros, muitas vezes, pela sua dimensão, pela mensagem que trazem, pelos inputs que os mesmos vão consumir, essencialmente, na vertente material: o valor da tela, da tinta e de todo o material que utilizamos. Devo reconhecer que a tinta acrílica está cara e muitas vezes, por isso, utilizamos a tinta comum. Fazemos uma série de misturas para conseguir ter a tela com o brilho, a qualidade e a durabilidade que se pretende.

O quadro mais barato que já vendi foi a 70 mil kwanzas e o mais caro  a um milhão e 750 mil kwanzas. Mas ainda tenho quadros com valores superiores a este. Ainda não os consegui vender. Tem um que acho que não tem um valor de mercado, dado o seu valor sentimental para mim. Então, quando tiver que vendê-lo não sei qual é o valor que vamos estabelecer.

O que está a fazer para levar ao conhecimento do público o trabalho que faz, e muito bem, na área das artes plásticas, apesar das suas outras responsabilidades?

A partir do momento em que fazemos uma exposição, isto é dar a conhecer ao público a obra e o artista. Para além disso, recorremos às novas tecnologias, através das redes sociais, para dizer que os trabalhos continuam e que todas as semanas e meses temos criações novas. Temos estado a partilhar as criações novas. Temos o nosso atelier em nossa residência, com as portas abertas.

Tendo o nome de Anselmo Vasco  usa a marca Moyoweno. Quer transmitir algo com isso?

Quero diferenciar o nome Anselmo como escritor e profissional de economia, com o de artista plástico.Reconheço que já assinei muitos quadros com o nome Anselmo Vasco, mas os últimos têm sido assinados como Moyoweno. Creio que o facto de termos levado os quadros para Portugal e termos feito exposições de artes plásticas, serviu também para divulgar aquilo que são não só as obras, como também o nome do artista. Como é óbvio, sempre recorrendo às redes sociais, também, como forma de marcar presença e dizer que temos novos produtos e criações e que estamos aqui.

Porquê Moyoweno?

Moyoweno porque isso leva-nos àquilo que são as origens. Em cokwe, significa saudações. Creio que, independentemente do que a gente esteja a viver, da nossa situação social, do nosso ânimo de espírito, devemos sempre uma saudação especial ao mundo, a nós mesmos e aos nossos irmãos. Ou seja, qualquer pessoa, independentemente da situação que esteja a viver, deve sempre uma saudação pelo facto de estar vivo, de acordar, deve sempre uma saudação a Deus, a si e ao seu próximo.

Qual é a avaliação que faz do mundo artístico nas províncias do Sul?

Tal como disse, apesar de estar neste mundo há mais de 20 anos, de forma profissional e séria, estamos há poucos anos, porque antes fazíamos tal actividade como hobby. Mas devo dizer que temos um movimento artístico muito forte, quer na Huíla, quer no Namibe e noutras províncias. Vejo que esse movimento tem estado a crescer com uma nova geração, também muito forte.

Há muitos que pintam, mas preferem estar no anonimato?

Temos várias pessoas de idade que são grandes artistas, mas que, tal como Anselmo fazia, preferem não dar muito a cara. Temos aqui muitas pessoas que fazem arte e com muito talento. São artistas, de facto, mas infelizmente preferem não dar a cara porque levam isso como diversão. Com o surgimento do Centro de Artes do Lubango, com a abertura da Escola de Artes Padú e outras iniciativas, estamos a ver que se está a descobrir muito talento na nossa juventude, nas nossas crianças. E que se tem estado a catapultar, cada vez mais, aquilo que é o movimento artístico, em termos de artes plásticas, na nossa província.

Será que já há maior aceitação das obras feitas por artistas nacionais?

As pessoas já aceitam mais as obras de artes plásticas e os artistas. Há algum tempo parecia que se tinha uma percepção muito negativa de quem é artista plástico. As pessoas não davam o valor que deveriam dar. Há diferentes criações de artes plásticas. E hoje já se consegue ver uma maior valorização dos trabalhos dos artistas plásticos que temos a nível da província da Huíla. Acho que devemos continuar a apostar, a incentivar cada vez mais, e, acima de tudo, deve haver a disponibilidade nos agentes comerciais de material para as artes plásticas. Temos muito pouco material disponível. Isto leva-nos a nos reinventar para conseguirmos ter material e conseguir trabalhar.

Quais são as outras preocupações?

Defendo que se criem mais espaços para exposições. Só para dizer que tenho como um dos meus projectos, embora não assim tão imediato, porque não temos pressa nenhuma, ter uma galeria de artes plásticas onde as pessoas possam ir para lá e encontrar não só obras do Anselmo, mas, também, de outros artistas, e onde possamos ter exposições temáticas e periódicas. De tempos em tempos precisamos juntar e mostrar o potencial dos fazedores de artes plásticas a nível da província da Huíla, e não só. Precisamos do envolvimento de pessoas com poder económico e com iniciativa, que possam fazê-lo e nós abraçarmos a causa.

Apesar de ser autor de cinco livros "não sou escritor”
Como é que está a sua vida literária?

As pessoas não gostam que eu diga isso. Mas é a mais pura realidade. Já vou no meu quinto livro individual, além de outros dois em que sou co-autor. Meus livros individuais são cinco: "Fiscalidade Angolana”, "Finanças Públicas”, "Entendendo o Tempo”, "O Aljube sem Álibi” e o mais recente "O Renascer do Cataclismo”.

Sente-se escritor?

Independentemente de ter cinco livros no mercado, digo que não sou um escritor literário propriamente dito, porque nenhum deles se enquadra na categoria literária. Tenho livros mais técnico-científicos, virados para a academia e para a área profissional de economia, finanças e contabilidade. Outros estão voltados à escrita livre, são livros de auto-ajuda.Os livros com a categorização literária são vistos numa perspectiva artística, que é a arte de utilizar as palavras, como são os casos dos livros de contos, prosa, poesia... esses sim, são literários. Os meus, apesar de serem livros, não se enquadram na categoria literária.

Está ou não satisfeito com o seu lado de autor de livros?

Estou satisfeito. Desde o lançamento do meu primeiro livro já passaram quase 10 anos. Nunca paramos. Continuamos sempre a trabalhar, a produzir. A mais recente obra saiu no dia 26 de Janeiro de 2023.

O que tem a dizer sobre projectos futuros na área da escrita?

Temos outras escritas, já concluídas, mas, tudo a seu tempo. Acreditamos que nos próximos anos vamos ter a oportunidade de tirar mais livros. Ou seja, vamos ter a oportunidade de editar e publicar mais livros, porque nunca paramos de escrever. Apesar de termos lançado recentemente, continuamos. Sempre que tenho oportunidade de me sentar ao computador acrescento aquilo que são os livros que vou escrevendo. Ou seja, memórias nossas que, a seu tempo, vamos poder ter a oportunidade de editar e publicar.

Tem algo a acrescer?

Agradecer a oportunidade de nos expressarmos e dizer que a arte é vida. Quer seja a arte da escrita, quer da pintura. Devemos ver a vida como uma arte. Até porque se  virmos a vida como uma arte, vamos senti-la mais leve. Dizer que a arte serve para aproximar pessoas, comunidades, serve para as pessoas se descontraírem e se auto-expressarem. Ou seja, eu vejo na arte uma forma de me expressar. Quer seja por via dos livros, quer por via da pintura, das telas e dos quadros. É uma forma de me expressar. Acredito que quem tem os quadros acaba por se rever de alguma maneira naquilo que são as pinturas que lá estão. Quem lê os livros acaba por se rever de alguma maneira na escrita que lá está. É uma forma de eu interagir com um público que,muita vezes, não me conhece.

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