Opinião

Os processos democráticos nas organizações da sociedade civil

Ismael Mateus

Jornalista

Realizou-se neste fim de semana o sexto congresso do Sindicato dos Jornalistas e mesmo numa organização de uma classe dada a disputas internas, não houve nenhum interessado em concorrer com o actual secretario-geral.

24/05/2021  Última atualização 09H31
Tem sido assim na maior parte das associações da sociedade civil, onde por ausência de concorrentes os lideres vão se mantendo no poder anos e anos. E essa longevidade dos lideres talvez explique o fraco dinamismo dessas organizações como instituições e o excessivo protagonismo dos seus lideres. Existe na maior parte das ONGs problemas com o reconhecimento do direito à diferença, com a valorização da pluralidade de ideias e com a prática interna da democracia representativa, o que acaba por resultar numa insuficiente defesa dos múltiplos interesses existentes.

Pensava-se que este fenómeno se devia essencialmente ao facto de algumas das ONGs possuírem velhas lideranças (algumas com mais de 20 anos) mas em organizações mais recentes,como associações de moradores, sindicatos e ordens, também vamos encontrar o fenómeno do desinteresse da maior parte dos associados. Ao não participarem do jogo democrático interno, permitem que os líderes se perpetuem ou os menos capazes cheguem a patamares para os quais não estão preparados. Naturalmente essa realidade afecta sobremaneira a qualidade das lideranças da sociedade civil, dos processos democráticos internos e a própria qualidade da democracia angolana.

Tal como na economia, a solidez do nosso processo democrático deveria alicerçar-se na democracia de base tanto ao nível da participação do cidadão nas ONGs como também na governação participativa através da participação política.
A excessiva longevidade das lideranças e a ausência de concorrência política impedem que as organizações da sociedade civil se apresentem de modo sistemático como organizadores de novas ideias, causas e movimentos sociais, uma vez que a rotina, a vulnerabilidade aos interesses pessoais e o excessivo protagonismo pessoal afec-tam a sua acçao. Estamos, na realidade, em presença de um círculo vicioso, em que, por um lado, a longevidade e a ausência de concorrência é atribuída ao desinteresse dos filiados, mas, por outro, esse desinteresse também é atribuído aos métodos pouco democráticos, aos jogos de poder e fraca ou nenhuma representatividade das opiniões divergentes.

Tal como na política partidária, nas associações da sociedade civil, as opiniões divergentes também não encontram assento nem espaço interno de debate. Os vencedores vencem tudo e os vencidos são completamente afastados. Sendo estruturas eminentemente representativas de vários interesses, a ausência de contraditório e a sã divergência amputa a democracia interna e nalguns casos incentiva as divisões internas. Aqui se explica a razão por que ocorrem tantas cisões nas organizações da sociedade civil que, por sua vez não resultam na ampliação da democracia interna, mas antes em mais protagonismo absoluto, público e pessoal dos líderes. As organizações da sociedade civil que deveriam ser modelos e escolas de uma democracia inspirada na participação de todos (maioria, minorias, vencedores e vencidos) mas na prática ensinam valores contrários, como a autocracia, a exclusão da diferença e a afirmação individual.

Ao contrário do que muitos pensam, a aprendizagem dos processos democráticos não se faz nos partidos políticos nem na disputa pelo poder político na administração. O cidadão deveria aprender a ser democrático nas organizações da sociedade civil, sendo chamado a participar, a perder e a ganhar em votações internas, a conviver com a opinião contrária ou até a negociar entendimentos e consensos para a viabilização de projectos.
Enquanto as nossas organizações não forem espaços de virtude democrática, o resultado será sempre a intolerância e despreparaçao democrática que vemos nas estruturas políticas. Sem processos democráticos nas organizações da sociedade civil não será possível ampliar a participação dos cidadãos na gestão da coisa pública, estimular a acção comunitária e estabelecer as bases para uma verdadeira democracia participativa no país, como pretendem todos os partidos políticos. Faltará sempre experiência, escola democrática e prática de negociação e convívio com a diferença de opiniões.

Deveriam ser os próprios associados a impor uma limitação de números de mandatos, como forma de impedir a rotina e a instrumentalização das instituições. Em segundo lugar deveriam assegurar que as listas concorrentes fizessem proporcionalmente parte dos órgãos máximos das organizações, de modo que as decisões estruturantes passassem sempre por todos, incluindo as correntes opostas à direcção.
A democracia faz-se tanto disso como da participação política, votando.

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