Reportagem

Pacientes curados lamentam discriminação e abandono por familiares na leprosaria da Funda

André da Costa e Quissanga Quindai

Jornalistas

Quem chega à Leprosaria da Funda, no município de Cacuaco, confronta-se com várias residências ao seu redor. No interior, vários compartimentos têm as portas encostadas. No Jango, alguns pacientes conversam enquanto aguardam pelos resultados da medicação.

06/12/2023  Última atualização 10H35
Director administrativo da Leprosaria da Funda,Inácio Duluma, ao lado de ex-pacientes acolhidos pelo centro por terem sido rejeitados pelos próprios familiares por medo de contágio © Fotografia por: Armando Costa| Edições de Novembro
Mais adiante está José Paulo, 51 anos, a caminhar para a sua residência, transportadao por uma trotineta de duas rodas, fabricada manualmente. As forças já não são as mesmas de há dez anos, por isso caminha devagarinho.

José Paulo, baixo, com um sorriso no rosto, chegou a Leprosaria da Funda em 1996, depois de diagnosticado com a doença. Por conta disso, foi abandonado pela família desde o início do tratamento. Começou a fazer o tratamento da lepra naquela unidade e hoje está curado e agradece aos técnicos de saúde pelo empenho.

 O tempo passou e José Paulo sentiu o amor bater o seu coração por Feliciana Joveta, 40 anos, que na altura também padecia da doença e igualmente abandonada pela família.  Apesar de já estarem livres da doença, ainda assim os familiares, por conta do estigma, já não voltaram para os levar. 

 O casal vive na Leprosaria, num quarto disponibilizado pela direcção do hospital. Têm dois filhos, sendo um de 14 e outro de 12 anos, ambos estudantes do ensino de base.

Feliciana Joveta é natural de Malanje e chegou à Leprosaria em 2001, depois de   descobrir a doença no Hospital do Prenda. Depois de curada da doença, Feliciana regressou a Malanje, mas foi discriminada pela família e decidiu voltar ao centro, de onde nunca mais saiu. "Vivo num quarto com o esposo, José Paulo, cedido pela direcção do hospital e a convivência permitiu gerar dois filhos, ambos rapazes que estão a estudar”, disse.

Feliciana diz estar feliz com o esposo, mas anseia por uma residência maior, porque os filhos estão a crescer.

A alimentação no centro consiste em três refeições diárias, dadas pela direcção do centro, além de outras doações de pessoas de boa-fé.

Ancião de 72 anos está no centro desde 1973

No rol de ex-pacientes que ali encontraram abrigo está o ancião Narciso Domingos, 72 anos, que chegou à Leprosaria da Funda em 1973, proveniente da província do Cuanza-Norte, para tratamento da lepra.

Enquanto fala sobre o seu percurso de vida na-quela unidade hospitalar, caiem as lágrimas de saudades do resto da família, que não vê há muitos anos, tirando um filho e um primo, que faleceu o ano passado, que o visitavam com regularidade.

Entre os mais de 10 ex-doentes que vivem na Leprosaria está, também, o ancião Carlos Satambi, 88 anos. Proveniente do município do Bailundo, na província do Huambo, Carlos Satambi é também um dos que foi abandonado pela família.

Outro ex-paciente na mesma condição é Ângelo Jamba, de 57 anos, que vive no hospital há 21 anos. Lamenta a discriminação que tem sofrido ao longo dos anos, sobretudo da parte dos próprios familiares.

Convivendo com a lepra  há 11 anos

Nicolau Malamba, 52 anos, vive com a doença há 11 anos.  Residente no Cacuaco, diz que ainda não está totalmente curado, porque as sequelas levam muito tempo.

Desloca-se ao centro para levantar os medicamentos e alguns bens de primeira necessidade.

Conta que em 2004, depois de ser desmobilizado, começaram a surgir os primeiros sintomas da lepra na Huíla. Sentia comichões nas mãos e manchas amarelas em todo corpo e o coração começou a bater muito. Foi então transferido para Luanda onde está a ser tratado até ao momento. Devido à doença, Nicolau Malamba foi abandonado pela mulher.

Muitos não conseguem arranjar emprego

O director administrativo da Leprosaria da Funda, Inácio Duluma, justificou a permanência de pacientes curados da lepra com o facto de serem discriminados pelos familiares. "Algumas famílias não aceitam conviver com pessoas que vivem com a lepra, por ser uma doença contagiosa”, sublinhou.

Reconheceu que muitos doentes estão ali por causa das deformidades que a doença deixa. As sequelas, disse, são visíveis e quando a doença se encontra num estágio avançado, a tendência é amputar membros e muitos não conseguem arranjar emprego. Com o abandono da família, acrescentou, ficam sob a tutela do centro.

O responsável explicou que os doentes chegam de diversas partes do país, estando alguns em tratamento ambulatório.

"Chegam à Leprosaria, fazem o diagnóstico clínico e colocamos em tratamento ambulatório. Muitos vêm por influência dos familiares, amigos ou por transferência de outros hospitais”, informou.

Sintomas da doença

Segundo o director administrativo, os primeiros sintomas da lepra são a falta de sensibilidade de parte dos membros superiores e inferiores.

"Quando notamos que certas manchas no corpo do doente, fazemos o diagnóstico e caso for positivo, começamos o tratamento”, sublinhou.

Inácio Duluma referiu que a Leprosaria da Funda existe desde a década de 60, notando que, no tempo colonial, havia muitos doentes no centro. Na época, o hospital atendia mais de 100 doentes.

Naquela época a área estava distanciada da comunidade urbana. " Os doentes não podiam ter contactos directos com outras pessoas", disse.

Com o passar do tempo, acrescentou, as construções foram crescendo e hoje o centro está inserido dentro de uma determinada comunidade, "porque temos aqui um total de oito que deixaram de ser doentes porque já estão curados”.

Redução de casos

Inácio Duluma esclareceu que a lepra é uma doença crónica, causada pela bactéria mycobacterium  lepra, que  pode afectar qualquer pessoa. Ela se caracteriza por alteração, diminuição ou perda da sensibilidade muscular, principalmente nas mãos, braços, pés, pernas e olhos e pode gerar incapacidade permanente.

Segundo o responsável, os balanços estatísticos, sobre o número de casos registados, indicam uma redução, ou seja, de Janeiro a Novembro, menos de 15 casos.

Serviços de clínica geral

Segundo o director administrativo, a Leprosaria da Funda, para além de tratar a lepra, atende serviços de clínica geral, trabalhando 24 horas por dia, com uma farmácia interna e uma área social que cuida dos doentes que se encontram a viver na instituição.

Toda comunidade ao redor beneficia de tratamento médico e medicamentoso.
As doenças mais comuns são a malária, doenças diarréicas agudas, o VIH/Sida e a tuberculose.

A leprosaria tem um banco de urgência, sala de observação e de parto, que funciona 24 horas por dia, com médico de clínica geral e 17 enfermeiros, além de pessoal administrativo.

O hospital acompanha 100 pessoas seropositivas que são medicadas e tratadas na leprosaria.  A unidade sanitária debate-se com a falta de ambulância para transportar os doentes. Assim, os pacientes em estado grave são auxiliados pelos hospitais das redondezas. "Estamos a precisar de uma ambulância com extrema urgência”, apelou.


Moradores da comunidade recorrem aos serviços de clínica geral do centro, que tem também um banco de urgência

Depósito de medicamentos

A Leprosaria da Funda dispõe de um depósito de medicamentos que permite atender os pacientes que ali procuram cuidados de saúde. Inácio Duluma incentiva os cidadãos que tenham suspeita de lepra e não só, a se dirigirem àquela unidade e fazer a consulta.

A assistência alimentar é assegurada por doações de várias organizações filantrópicas, ao passo que o abastecimento de água é assegurado por um reservatório com capacidade de 35 mil litros, abastecido por camiões cisternas, enquanto se aguarda pela ligação a partir de uma derivação do sistema de distribuição da EPAL.

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