Opinião

Por que sou cristão?

Sousa Jamba

Jornalista

Na Páscoa, encontro-me a reflectir sobre uma questão fundamental: por que sou cristão? Embora esta reflexão possa inquietar alguns crentes, acredito que ela seja crucial. Afinal, a nossa fé convida-nos não a seguir cegamente, mas a lutar com os mistérios da existência e encontrar o divino dentro de nós mesmos.

29/03/2024  Última atualização 14H20

A minha busca pela compreensão provém, em parte, da rica diversidade religiosa do mundo. Tendo vivido na Inglaterra, encontrei muçulmanos, budistas, ateus e adeptos de várias denominações cristãs. Estes encontros muitas vezes levaram a discussões sobre fé, levando-me a reexaminar as minhas próprias crenças.

Sou uma pessoa analítica, talvez não o típico membro acrítico da Igreja. No entanto, há uma parte de mim que se sente atraída pelo catolicismo, com os seus padres rigorosamente formados em Filosofia e Teologia, capazes de defender o Evangelho com argumentação racional.

Isto contrasta com alguns ramos do protestantismo, particularmente os de tendência pentecostal, onde "sentir o espírito” frequentemente basta como justificação para a crença.

Contudo, também tenho sensibilidades profundamente protestantes. A ideia de uma relação pessoal e sem intermediação com Deus atrai-me. A introspecção e a meditação são ferramentas valiosas no meu crescimento espiritual.

A minha educação na Zâmbia foi moldada pelo legado de missionários protestantes americanos. Embora às vezes me identifique com o fervor carismático das igrejas pentecostais, penso que o baptismo de imersão total não é essencial. Apesar dessas influências, os valores fundamentais incutidos na minha infância continuam fortemente gravados.

Tal como editar um manuscrito, procuro preservar a sua essência, refinando e enriquecendo a minha compreensão espiritual.

Em última análise, o que mais me atrai são os aspectos humanistas do Novo Testamento. A ênfase de Cristo na tolerância e no respeito pela dignidade humana encontra profunda ressonância com o meu próprio compromisso com a justiça social.

Creio que estes valores proporcionaram um terreno fértil para posteriores concessões de direitos humanos, e continuam a inspirar a minha crença de que o Estado, e na verdade todos nós, devemos respeitar o valor intrínseco de cada indivíduo.

Esta convicção alinha-se com uma longa tradição de activismo cristão. Desde os abolicionistas até aos movimentos de libertação africana, a fé tem frequentemente galvanizado a luta contra a opressão e as injustiças.

Considero a Teologia da Prosperidade e a sua ênfase na riqueza material como estando fundamentalmente em desacordo com uma verdadeira relação com Deus. A gratidão deve abranger a plenitude da nossa existência – a majestade do Universo, as maravilhas da ciência e da investigação, e a bondade cultivada nos corações humanos. Uma ligação genuína com o divino deve ser multifacetada, baseada tanto no bem-estar material como espiritual.

Enquanto viajava pelo interior angolano, frequentemente encontrei igrejas de notável simplicidade: um homem de pé junto a uma árvore, a sua congregação reunida atentamente em bancos improvisados de troncos de árvore, e um púlpito improvisado como única ferramenta. Cenas tão humildes podem atrair o desprezo daqueles acostumados a grandes catedrais, mas me recordo vivamente do dia em que parei o meu jipe para ouvir um desses sermões. Essa experiência ficou comigo ao longo da minha viagem.

A obsessão com a imposição de edifícios grandiosos, vestes opulentas e outros adereços materiais, frequentemente associados a certos círculos teológicos, parece desajustada em certas partes de Angola.

Conheci uma comunidade de crentes, perto da minha cidade natal de Katchiungo, que se tinha cansado das preocupações mundanas. Guiados pelo seu líder, tinham deixado para trás essas coisas, assentando no cimo de um vale verdejante – uma ilha de serenidade na vasta paisagem. Ali, procuravam viver de acordo com o verdadeiro espírito da Bíblia, e as suas vidas emanavam uma alegria serena.

O seu pastor, desprovido de riquezas mundanas, irradiava satisfação, as suas palavras a inspirarem o seu rebanho. Observei inúmeras famílias a partilhar um sentido de realização profunda, personificando princípios distintivos e uma fé radiante. O dia que passei por aquela aldeia humilhou-me profundamente. Ofereceu-me um vislumbre do cristianismo na sua forma mais pura e despojada – um testamento ao duradouro poder da fé e da comunidade.

Tal como Jesus Cristo falou da mansão do seu Pai ter muitas moradas, penso que há muitos caminhos que levam a Deus. Existem inúmeras formas de expressar gratidão, cada uma moldada pelo nosso contexto e tradições. Os nigerianos podem louvar a Deus através da dança, enquanto outros podem preferir a contemplação tranquila da música clássica e dos violinos. Estas diversas expressões celebram todas a grandeza de Deus e o nosso lugar único na criação.

O que nos torna verdadeiramente notáveis é o facto de sermos seres humanos, maravilhosamente criados à imagem de Deus e concebidos para a criatividade e o amor.

A mensagem central do amor do Cristianismo é cativante. Cristo veio para nos amar, sofrer por nós, e continua a ser uma figura tão notável. Ele demonstrou humildade entrando em Jerusalém sobre um jumento, lavando os pés dos discípulos, e aproximando-se dos marginalizados – os solitários, os excluídos, e os que não têm voz.

Foi por isso que os escravos nos campos de algodão clamaram a Jesus, e é por isso que aqueles que procuravam liberdade na América Latina se voltaram para a Virgem Maria, santos, e o próprio Jesus. O Cristianismo tem uma forte tradição de defesa da liberdade individual e do melhoramento da vida das pessoas.

Reflectir sobre a vida de Jesus Cristo obriga-nos a perguntar-nos por que somos cristãos. Não há respostas fáceis, mas é um processo contínuo de compreensão do nosso propósito e de nos aproximarmos de Deus.

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