Entrevista

Raimundo Lima: “Presidente Lula deve promover regresso do financiamento brasileiro a Angola”

Para o recém-eleito presidente da Associação dos Empresários e Executivos Brasileiros em Angola, o Presidente brasileiro Lula da Silva vai relançar programas de cooperação entre os dois países quando desembarcar em Luanda para uma visita de Estado no próximo mês de Agosto. E também acredita que sejam retomados os financiamentos para Angola, tanto do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Económico e Social) quanto do rama de Exportações do Brasil, interrompidos há sete anos.

23/05/2023  Última atualização 09H01
Raimundo Lima afirma que a nova direcção da Aebran vai promover a troca de conhecimento no biénio 2023/2025. © Fotografia por: DR

Nesta entrevista ao Jornal de Angola, Raimundo Lima que toma posse hoje terça-feira, 23  em Luanda em cerimónia a ser realizada no Instituto Guimarães Rosa (Centro de Cultura Brasil-Angola), comenta sobre a balança comercial entre os dois países que "registou um crescimento de 112% de Janeiro  a Abril, totalizando 586 milhões de dólares”, depois  de  anunciar a criação da Câmara de Comércio Angola- Brasil  e o plano de acções da instituição que vai dirigir.

 

O que  pretende fazer mais do que  já foi feito nas duas primeiras décadas de existência da Aebran?

Algumas acções em termos de networking, representação, mentoria, informação e responsabilidade social. A plataforma da nova direcção da Aebran está focada em fortalecer a presença de empresários e executivos do Brasil em Angola, promovendo oportunidades de negócios e troca de conhecimento no biénio 2023/2025.

 

E a implementação em Angola de instituições financeiras brasileiras não consta do plano de acções?

Pensamos em desenvolver a gestão para que efectivamente ocorra a implementação em Angola de instituições financeiras brasileiras com uma política de desenvolvimento voltada principalmente para empresas e empreendedores brasileiros. No entanto, o mais importante nesta área será a nossa luta para aumentar as linhas de crédito, com  taxas compatíveis com o mercado internacional, mas sobretudo que elas sejam distribuídas de forma mais democrática, é o que se pretende, ou seja

beneficiar até mesmo os pequenos e médios empresários brasileiros associados à Aebran, além da manutenção de recursos tradicionalmente destinados às grandes empresas.

 

E qual é o balanço que faz  da prestação  das empresas brasileiras nos últimos 20 anos?

Excelente. Principalmente em áreas como infra-estrutura, construção e energia. A Odebrecht, por exemplo, esteve envolvida em diversos grandes projectos no país, como a construção de rodovias, ferrovias, aeroportos e usinas hidreléctricas. A Vale também tem importantes investimentos em Angola na área de mineração, especialmente na extração de diamantes. Outras empresas brasileiras que estão presentes no país são, em infraestrutura, a Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez, o Grupo Aldeia em Educação, Prado Valadares em Urbanismo, o Grupo VMD em diversos sectores, a Brasáfrica em Agricultura, entre muitas outras empresas em diversas áreas.

Por que não temos uma Câmara de Comércio Angola-Brasil?

Nos próximos meses será muito importante nesse sentido.Com incentivo decisivo da Embaixada do Brasil em Angola, a Aebran tomará a iniciativa de criar uma Câmara de Comércio Angola-Brasil com sede em Luanda, com objectivo de promover e fomentar, entre os dois países, o trabalho em rede, o intercâmbio comercial, industrial, agrícola, turístico, tecnológico e cultural, entre outros segmentos.

 

E já há uma data para a inauguração da Câmara?

Queremos agilizar o processo numa integração com os líderes empresariais angolanos para aprovar os Estatutos, registar a entidade, eleger o conselho de administração e talvez sacramentar já na visita que o Presidente Lula fará  no próximo mês de Agosto a Angola.

 

E como estamos no fluxo de comércio Brasil-Angola?

(Risos). Aqui temos uma boa notícia: o fluxo de comércio entre os dois países mais do que duplicou nos primeiros meses deste ano.

 

Quais foram os registos?

O volume de importações e exportações já registrou, de Janeiro a Abril, crescimento de 112% em relação ao mesmo período de 2022. No ano passado, os negócios entre Angola e Brasil fecharam em  1,4 mil

milhões de dólares . Este ano,  por sua vez, em quatro meses, já está em 586 milhões. Os dados foram-me confirmados pelo confiável departamento de Promoção Comercial e Investimento da Embaixada do Brasil em Angola.

Valha  a verdade, estes registos estão longe de atingir o recorde  de 4  mil milhões de dólares de fluxo comercial alcançado 2010.

Mas, estamos começando a avançar.

 

E os investimentos do Brasil em Angola?

Angola foi o país em todo o mundo que mais beneficiou dos recursos brasileiros.

 

Pressupõe que Angola tem uma considerável dívida…

Actualmente, Angola  não deve nada ao Brasil, conforme  me assegurou o chefe do sector de Promoção Comercial da Embaixada em Luanda, vereador Eduardo Lessa. Portanto, este país tem tudo para pleitear novos financiamentos.

 

E no que concerne aos recursos do BNDES, sabe quanto Angola beneficiou?

 Ao longo dos anos, Angola recebeu 3,3 mil milhões de dólares  em recursos do BNDES, além de 550 milhões da linha do Programa de Financiamento às Exportações (Proex), totalizando cerca de 3 mil milhões e 850 milhões de dólares. Por isso, acredito que a visita do Presidente Lula  a capital angolana no início do segundo semestre  possa promover a retomada da canalização de recursos do governo brasileiro para Angola, que está paralisada desde 2015.

 

Por que pensa que Lula pode "promover a retomada da canalização de recursos do governo brasileiro” para Angola?

A visita do presidente Lula será importante sob vários aspectos. Politicamente, o Presidente pretende iniciar a sua visita ao continente africano por Luanda. Pela forte razão de considerar Angola a porta de entrada para o desenvolvimento da política económica do seu governo no território africano. Além disso, Angola é o país africano mais querido pelos brasileiros, sem nenhuma dúvida. Nossa expectativa é de que o Presidente vai relançar aqui programas de cooperação importantes. E  também acreditamos que sejam retomados os financiamentos para Angola, tanto do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Económico e Social) quanto do Programa de exportações do Brasil, já que o governo angolano saldou toda a dívida com o governo brasileiro. Além disso, em apenas quatro meses como Presidente, Lula já determinou a assinatura de vários memorandos e a formação de grupos de trabalho para promover esse relançamento de colaboração entre os dois países em diversos casos, envolvendo a economia, a cultura e o social.

 

Bolsonaro paralisou praticamente  o investimento brasileiro…

Realmente, é facto que o Governo Bolsonaro praticamente paralisou os investimentos brasileiros para Angola, que é um importante parceiro estratégico do Brasil em África. Foi uma questão de decisão política do Presidente, que preferiu se voltar para os Estados Unidos e outros poucos países, mas com uma política externa pífia, de resultados deploráveis durante quatro anos. A Aebran vai fazer sempre  lembrar que Angola é um país rico em recursos naturais, com um alto potencial de desenvolvimento económico, além de ser um país lusófono, o que facilita a comunicação e parcerias em diversas áreas.

 

O que pensam os empresários brasileiros em Angola?

 Os empresários brasileiros aqui estabelecidos consideram importante ressaltar que a cooperação e investimentos recíprocos são fundamentais para fortalecer a relação entre os dois países e fomentar o desenvolvimento sustentável.

 

Afinal qual é a influência da Aebran junto das empresas brasileiras?

Não posso dizer que elas [as empresas]   entraram em Angola por influência da Associação, mas sim pelos atractivos que o país oferece, sobretudo do ponto de vista económico.

A Aebran procura acima de tudo procura apoiar,  potenciar e promover os interesses dos seus membros, perante o Governo e outras entidades. Isso inclui apoio na obtenção de créditos para investimentos de brasileiros em Angola, realização de estudos sobre oportunidades de negócios neste país, bem como colecta, compilação e divulgação de informações de natureza política, económica, social e de outra natureza de interesse para empresários e executivos brasileiros ligados a Angola. Agora, pretendemos fazer ainda mais.

 

E o que pode garantir?

Posso garantir que várias empresas tiveram o apoio da Aebran na hora de  decidir se  instalar em Angola para contribuir firmemente para o crescimento deste país, inclusive desenvolvendo actividades além da economia, mas também em outros campos, como social e cultural,principalmente.

 

Quais são as acções concretas do Governo brasileiro e do tecido empresarial para Angola que prevê para os próximos anos?

Olha, com certeza, em breve, teremos bons negócios brasileiros que devem beneficiar a população angolana. Especialmente na área do agronegócio, onde temos empresários já a pesquisar e a manifestar interesse  em investir aqui e a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) deve ter um papel fundamental…

… devido à grande experiência que possui…

…reconhecida mundialmente. Até a Embaixada do Brasil acaba de ganhar seu primeiro adido nessa área, Dr. José Guilherme, que já começou a actuar.

 

E para além da Agricultura?

Já há outras coisas que começam a acontecer,  de forma constante,  no sentido da cooperação e da facilitação do investimento. Por outro lado, o fim do aumento entre os dois países, assegurado pelo acordo assinado entre os Governos de Angola e do Brasil no mês passado, é um factor importante no relançamento da cooperação bilateral entre os dois Estados. Foram também recentemente assinados outros memorandos de entendimento sobre a aviação civil. Outro negócio importante diz respeito à Sociedade de Desenvolvimento da Barra do Dande, aqui em Angola, em parceria com a Superintendência da Zona Franca de Manaus, Brasil.

 

Voltando ao Plano de acção da Aebran. Sei que outro desafio do seu mandato passa pela criação de novas linhas de transporte aéreo e marítimo entre os dois países?

Vamos trabalhar para a criação de novas linhas de transporte aéreo e marítimo entre Brasil e Angola, de forma a reduzir os valores dos bilhetes e o custo do frete das cargas.

E com o nível das trocas  comerciais em baixo, justifica tal opção?

De facto, a quantidade insuficiente de carga entre os dois países tem sido alegada por alguns empresários de companhias aéreas para justificar a inviabilidade económica da implantação de novas linhas.

 

Perfil

Discreto e pertinente

Raimundo Lima  é considerado como um dos empresários  brasileiros  mais influentes da sua geração em Angola. Licenciado em Comunicação Social com predominância para o Direito Eleitoral, desempenhou, entre funções de relevo, os cargos de vice-presidente do Congresso Nacional dos Jornalistas do Brasil, Assessor de Imprensa da Prefeitura de Salvador,  presidente do Grupo Aldeia  responsável da Assembleia Geral da Aebran (Associação de Empresários e Executivos Brasileiros em Angola).  É ainda professor universitário de  Comunicação

Nascido na Bahia, além da família, aprecia ler livros de conteúdo histórico e politico nas horas vagas, ao som do  semba e do samba.

Tem diversas  músicas  gravadas com cantores famosos, nomeadamente Gilberto Gil, Filipe Zau, Filipe Mukenga, entre outros.

Considera seu time de futebol do coração, o Flamengo, o melhor do mundo. Sempre que possível, gosta de caminhar e busca exercitar-se em uma academia de ginástica.

Discreto e pertinente, vive há 23 anos em Angola, tendo se tornado uma figura, na qual os brasileiros residentes  olham com confiança, acreditando ser a pessoa certa para o cargo   de presidente  da Associação de Empresários e Executivos Brasileiros em Angola.


Pedro Narciso

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