Por conta de algum ajuste da pauta aduaneira, concretamente relacionada com a taxação dos produtos de uso pessoal, nos últimos dias, a Administração Geral Tributária (AGT) esteve, como se diz na gíria, na boca do povo. A medida gerou uma onda de insatisfação e, sendo ou não apenas a única razão, foi declarada a suspensão daquela modalidade de tributação, nova na nossa realidade.
Persigo, incessante, mais um instante para privilegiar o sossego. Para a parte maior da raça humana, pondero tratar-se da necessidade que se vai evidenciando quando a tarde eiva as objectivas da vida. Rastos de águas passadas há muito direccionam o moinho para a preciosidade do tempo.
Depois de muitos anos vividos nos Estados Unidos, vi-me a reflectir sobre as profundas discrepâncias entre a realidade do Haiti e a da superpotência vizinha, os Estados Unidos. A proximidade geográfica em nada diminui as vastas diferenças entre ambos os países.
As interacções que tive com os meus amáveis vizinhos haitianos, que generosamente partilharam as suas refeições e demonstraram um sincero interesse na minha herança africana, foram reveladoras. Todavia, por detrás desta experiência positiva, percebi um preconceito preocupante que muitos americanos nutrem em relação ao Haiti, baseado em estereótipos ultrapassados de disfunção e incapacidade de autogovernança.
Os desafios do Haiti são, de facto, complexos, marcados por uma pobreza abrangente e um acesso limitado à saúde. Apoio plenamente a proposta de intervenção do Quénia no Haiti, com o objectivo de restabelecer a estabilidade e a ordem no país. Desde que o Haiti se tornou independente, em 1804, diversas forças poderosas desejavam o seu fracasso. Nos Estados Unidos, os proprietários de plantações, altamente dependentes dos seus escravizados, propagaram a falsidade de que os líderes da independência haviam fechado um pacto com o Diabo para assegurar a sua liberdade.
É fascinante observar que, embora figuras globais como o ex-Presidente sul-africano Thabo Mbeki tenham demonstrado solidariedade para com o Haiti, muitos presidentes africanos permaneceram indiferentes aos seus desafios. A conexão entre africanos e haitianos é complexa, assente numa história, herança e luta comuns pela liberdade. Seguindo o terramoto devastador de 2010, o então Presidente Abdoulaye Wade, do Senegal, confrontou-se com o sofrimento e declarou inaceitável que pessoas de ascendência africana permanecessem no Caribe sob condições de vida precárias e escassez de recursos, propondo oferecer terras no Senegal a quem desejasse regressar e recomeçar.
Esta iniciativa procurava encurtar a distância entre o Caribe e África, considerando o Caribe como uma sexta região africana de facto. Ao enviar a polícia para ajudar a manter a estabilidade, o Quénia demonstra o seu compromisso em lidar com os problemas comuns a ambas as regiões, sublinhando o que África pode oferecer ao bem-estar da sua diáspora no Caribe.
Enquanto o Haiti atravessa um período turbulento da sua história, a potencial ajuda de tropas africanas, especialmente polícias quenianos, poderia ser crucial para a estabilidade. Existem desafios iminentes, com grupos armados lutando pelo controlo do país; contudo, uma força capaz de neutralizá-los alteraria completamente o actual cenário de caos. É crucial enfrentar desafios de governança em regiões específicas, tal como fazemos com nações africanas.
Um dos problemas actuais mais graves é a ligação entre a política e o poder das gangues, evidente na história da Jamaica. Partidos políticos históricos alinharam-se com gangues para intimidar opositores e assegurar votos através da imposição do medo. Esta aliança promoveu a expansão territorial das gangues, criando uma perigosa mistura de política e criminalidade, que deve ser eliminada.
A solução passa por empoderar o Estado para servir eficazmente todas as comunidades, especialmente as mais vulneráveis. Ao assegurar que o Estado consiga fornecer serviços essenciais a todas as áreas, podemos restabelecer o respeito e a autoridade. No Haiti, as gangues tomaram o poder onde o Estado falhou, apresentando-se como protectores e prestadores de serviços. Quebrar este ciclo exige uma forte determinação política e apoio comunitário. Fortalecendo o papel do Estado, podemos diminuir a influência das gangues e promover uma sociedade mais segura e justa.
Apesar da sua pequena dimensão, os 11 milhões de habitantes do Haiti enfrentam instabilidade contínua, com demandas recentes por mudança a intensificarem-se. Ainda assim, a importância histórica do Haiti, desde a sua luta pela independência em 1804 até às recentes convulsões políticas, destaca a resiliência e coragem desta nação. Considerar o Haiti como um estado falhado devido às falhas da sua elite e à percepção de falta de recursos humanos é um grande equívoco sobre a realidade actual da sociedade haitiana. O Haiti possui uma população altamente qualificada, como é demonstrado pela engenhosidade e realizações da sua diáspora.
Quando os haitianos migram para países como os Estados Unidos, França ou Canadá, frequentemente sobressaem e demonstram o seu potencial num ambiente propício que, actualmente, o Haiti luta para oferecer. Apesar de enfrentar vários desafios, o Haiti tem produzido talentos notáveis em diversas áreas, tais como arte, cinema, música, inovação e literatura. O necessário é um ambiente estável que apoie e incentive o desenvolvimento desse talento.
A trajectória do Haiti é marcada por uma mistura de tragédia e esperança, reflectindo os amplos desafios enfrentados por nações em todo o mundo. O futuro do Haiti está, em última análise, nas mãos do seu povo, que detém o poder de moldar um amanhã mais luminoso.
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