Opinião

Sentido pátrio e construção do nacionalismo

Filipe Zau

Jornalista

No "Dicionário de Ciências Sociais~", de Alain Birou, “pátria” – do latim “patria” (subentendido terra) – surge-nos numa perspectiva de solidariedade entre membros, que cultivam e respeitam costumes, instituições e valores.

06/01/2021  Última atualização 07H48
O conceito sociológico de "pátria” está ligado a atitudes psíquicas de um grupo social e corresponde ao que usualmente se designa por herança cultural desse mesmo grupo. As pessoas que partilham as mesmas experiências e apresentam os mesmos pontos de vista, em relação à história do grupo, estão ligadas a uma mesma "pátria”.

A rigor, "pátria” não é sinónimo de país, já que é a cultura e as normas de comportamento dos indivíduos, que formam o conceito de "pátria”. Na opinião do sociólogo Paulo de Carvalho, o "patriotismo” é utilizado para justificar pensamentos, acções e normas de comportamento e vem sendo utilizado para as atitudes nobres e também para atitudes moralmente reprováveis e geradoras de conflitos.

Uma determinada área geográfica só é considerada "pátria” de alguém, se existir um grupo de pessoas que a considere como tal, uma vez que "pátria” pode significar o local onde cada um nasceu e, essa localidade pode também significar, para um grupo de pessoas, uma determinada região geográfica, uma província, uma cidade ou uma aldeia.

Segundo Stanislaw Ossowski, um dos mais importantes sociólogos da Polónia, há um duplo sentido no conceito de patriotismo:
- O "patriotismo privado” (ou, em inglês, "home feeling”), local, que tem a ver com a relação pessoal do indivíduo com o meio e assenta na convicção do indivíduo em relação ao seu sentido de pertença a uma determinada comunidade e ao facto dessa mesma comunidade estar associada a uma certa área geográfica;

- O "patriotismo ideológico” (ou em inglês, "national feeling”), mais amplo, já que não se circunscreve à vivência deste ou daquele indivíduo e aos costumes adquiridos em função dessa mesma vivência, mas sim às experiências vividas pelo grupo "latu sensu”.
Mais especificamente, a "pátria privada” aparece-nos assim entendida como o local de nascimento; ou seja, (a localidade onde nascemos e/ou aprendemos a ter uma interpretação do mundo); ou ainda com o local onde nasceram e viveram os nossos antepassados (pátria privada entendida no sentido etimológico).

Em pequenos grupos humanos, a "pátria privada” e a "pátria ideológica” podem ter a mesma dimensão. Mas quando as pequenas localidades se desenvolvem e passa a haver distintos intercâmbios, o conceito de "pátria ideológica” alarga-se enquanto o de "pátria privada” se dissemina.

Já a nação não é mais do que uma ideia ou representação (de acordo com Georges Burdeau, cientista político francês e professor de Direito Público) e ela implica um passado comum, do qual os membros da comunidade têm certa consciência, sendo a unidade simultaneamente política, económica e normalmente cultural, procurando manifestar-se através de instituições comuns.

Do ponto de vista antropológico, o historiador e cientista político estadunidense Benedict Anderson, refere que a nação apresenta-se-nos como sendo "uma comunidade política imaginada – e imaginada como implicitamente limitada e soberana. "Ela é imaginada porque nem mesmo os membros das menores nações jamais conhecerão a maioria dos seus compatriotas, nem os encontrarão, nem sequer ouvirão falar deles, embora na mente de cada um esteja viva a imagem da sua comunhão”.

Ernest Gellner, filósofo e antropólogo social judeu-checo, nascido na França e mais tarde naturalizado britânico, teórico da sociedade moderna e das diferenças que a distinguem das sociedades precursoras, considera o nacionalismo "um princípio político, onde a unidade nacional e a unidade política devem corresponder uma à outra.”

Contudo, esta definição não é totalmente aplicável ao "nacionalismo africano”, já que a esmagadora maioria dos países que, a partir da década de 60, ascenderam à independência, não dispunha propriamente de uma unidade nacional. Tão pouco existia o conceito de nação enquanto comunidade de sentimento que, segundo Gellner, se encontra implicitamente ligado ao conceito de nacionalismo. Segundo Gellner, os nacionalistas africanos, em situação de franca minoria, ao falarem na "nação”, evocavam-na, sobretudo, com "sentido prospectivo”. Daí que, "o nacionalismo africano (como parte do asiático, de resto), protagonizado por uma minoria ocidentalizada, acaba por ter, em relação à mesma, uma forte função catártica, de procura de uma identidade.”

Em Angola, entre as décadas finais do século XIX e a década de 1930, houve, na opinião do sociólogo português António Custódio Gonçalves, que, em vida, dirigiu o Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto, dois aspectos relevantes, que estabeleceram uma ligação entre a identidade cultural e o nacionalismo em Angola:

- O primeiro diz respeito às formas organizadas de oposição à administração colonial, que levam à emergência de um processo cada vez mais amplo de protonacionalismo, através das reivindicações apresentadas pelos "Filhos do País”;
- O segundo aspecto apresenta como linha de força "a especialização de uma política proteccionista, concretizando, em termos económicos, o desenvolvimento do colonialismo.

* Ph. D em Ciências da Educação e Mestre em Relações Interculturais

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