Opinião

Sobre os episódios do Longa, primeiro condenar, depois o resto

Kumuenho da Rosa

Jornalista

Os acontecimentos recentes na localidade do Longa, município do Cuito Cuanavale, província do Cuando Cubango, levam-nos a uma série de questionamentos.

16/04/2024  Última atualização 09H30

Desde logo, o que levaria um angolano adulto e que conhece um mínimo da história de vida da nossa querida pátria, das provações por que passamos para chegar aonde chegámos, deixar-se influenciar por argumentos político-partidários ou até ideológicos, ao ponto de atentar contra a vida de um concidadão?

O que estaria por detrás de tão ignóbil acto? Pergunto-me, porque sabemos todos que dessa situação ninguém aproveita. Em boa verdade, deixa-nos a todos em maus lençóis. Por isso, recuso-me a entrar no jogo das acusações. Nem me falem em motivações político-partidárias (ou até ideológicas), que hoje até soa ridículo fazê-lo.

Podemos, eventualmente, falar de aproveitamento político de questões de convivência étnica, quiçá, mal resolvidas, a nível da região. Mas, nada que o inquérito mandado instaurar não venha a esclarecer e ajudar a responsabilizar os criminosos.

Situações como essas geram uma percepção completamente oposta a de uma Angola como destino de paz e de estabilidade e, acima de tudo, um parceiro internacional confiável. Não é certamente isso que se quer de um povo que há poucos dias celebrou 22 anos de paz e de reconciliação, e prepara-se para celebrar 50 anos de independência.

Disse-o, bastas vezes, que em Angola, toda a ameaça à paz e à estabilidade política, tão duramente conquistadas, deve ser combatida e anulada. O que se passou no Longa deve merecer o mais vivo e inequívoco repúdio, antes mesmo de se chegar a conclusões sobre eventuais autores morais e materiais.

Confesso-me incapaz de esconder a minha frustração, por ter que escrever sobre este tema, quando já aqui tinha vertido algumas linhas sobre a Alemanha, terra onde se passou o Holocausto e, no sentido de que a história jamais se volte a repetir, os cidadãos são obrigados a conhecer o que se passou desde os 12/13 anos de idade.  Falei, ainda na edição passada, do Ruanda e os desafios que ainda enfrenta 30 anos após o massacre em massa de tutsis, tuás e hútus moderados, num saldo de mais de 800 mil mortes, naquela que terá sido a maior tragédia da história daquele país africano.

Tinha planeado falar sobre o Dia da Juventude Angolana, nomeadamente sobre as razões das políticas da juventude não serem (e nem tinha como ser) uma responsabilidade exclusiva dos poderes públicos. Queria muito poder reflectir sobre o associativismo juvenil e o avanço conseguido graças ao esforço colectivo, na despartidarização do 14 de Abril sem, no entanto, anularmos a identidade político-ideológica do seu patrono.

Os ideais de Hoji-ya-Henda são imortais e apartidários, assim como o seu exemplo de comprometimento com os fundamentos de paz, justiça e de liberdade, que devem ser amplamente divulgados sem rótulos político-partidários, a bem do nosso bem-maior que é ANGOLA.

Queria poder falar de como esse efeito está a ser conseguido, apesar de às vezes, como é normal, se verificarem alguns recuos, principalmente quando nos surge alguém, absolutamente fora de contexto, que se julga politicamente mais sensível e decide molhar a sopa.  A propósito, até hoje espalho-me aos rios quando me recordo de um colega que, ao tentar justificar-se de uma trapalhada, algo do tipo que nem ele próprio conseguia entender como foi capaz de o fazer, admitia-o, finalmente, com o aforismo segundo o qual "durante o dia todos nós temos os nossos cinco minutos de estupidez e a sabedoria está precisamente em não ultrapassar esse limite”. 

Queria falar de um 14 de Abril em Paz e Reconciliação. Duas efemérides que, por ironia do destino, acontecem espaçadas por apenas por 10 dias. Esperava divertir-me ao escrever estas linhas, uma vez que associar essas duas datas históricas, além de fácil, é quase automático. Não fossem, os jovens, a força motriz de qualquer sociedade. Em Angola, foram os jovens que empunharam armas para lutar pela Independência, pela defesa da soberania e da integridade territorial, e, depois de conquistada a paz, aqueles que com a sua força, capacidade e inteligência ajudaram a cimentar a democracia e alavancar a economia.

Mas os recentes acontecimentos do Cuando Cubando deixaram-me pensativo. Teremos feito o bastante para que em Angola não voltemos a registar vítimas de violência por motivações político-partidárias? Porque precisamente naquele dia e naquela localidade? Haveria alguma hipótese, por mais remota que fosse, de evitarmos essa situação? São perguntas que nos devemos colocar, mesmo que em silêncio, pois parece que a nenhum angolano de bem interessa que esses episódios voltem a fazer parte do seu dia-a-dia. De contrário seria entregar, como se diz, o ouro ao bandido…. Dar crédito àqueles que se recusam a ver obra feita no caminho pela paz e reconciliação, apregoando aos quatro ventos que parámos no tempo.

Mais de duas décadas depois do enterrar do machado de guerra, entenda-se, o assinar do acordo de paz definitiva para Angola, é absolutamente inadmissível que nos noticiários ainda se fale em vítimas de violência por motivações políticas ou até ideológicas.

Nenhuma organização política deve querer o seu nome e a sua imagem associada a actos vergonhosos como o que se registou no Longa. Não se trata de ser mais rápido a alhear-se das culpas, que é outra coisa. Há que condenar e repudiar primeiro, porque doutro modo, não avançamos.

                            *Jornalista

Comentários

Seja o primeiro a comentar esta notícia!

Comente

Faça login para introduzir o seu comentário.

Login

Opinião