Reportagem

Uma viagem entre morros e vastos campos de cultivo

Nilza Massango

A paisagem estimula o olhar e rouba a atenção de automobilistas e passageiros. Há vida ao longo da estrada de cerca de 601,7 quilómetros que liga o Huambo à capital do país (Luanda). Quem viaja por essa via deleita-se com os vastos campos de cultivo, morros altíssimos e rios de grande extensão.

05/12/2023  Última atualização 08H21
© Fotografia por: DR

À distância, o notável monte Luvili não passa despercebido. Ninguém resiste ao gigantesco monólito situado na comuna do Alto Hama, município do Londuimbali. A cadeia montanhosa, que mede cerca de 2000 metros de altura, separa a bacia do rio Kwanza da do rio Cuvo-Queve. O morro Luvili é um espaço de beleza paradisíaca. Um verdadeiro espectáculo de se ver.

É também no Huambo, a Sul de Luimbale, no município de Ecunha e a cerca de 42 quilómetros a Sudoeste da sede capital da província, que se localiza o morro do Moco, o ponto mais alto de Angola, com 2.620 metros de altura e formato semi-triangular. Conta-se que ali, durante a noite, regista-se a presença de espíritos com os quais só as entidades tradicionais sabem lidar.

Ao longo do percurso, os viajantes param muitas vezes para comprar frutas, legumes e tubérculos que enfeitam as bancadas feitas de bordão ou tábuas de madeira. Mas também há uma grande diversidade de produtos expostos no chão, arrumados em cima de sacos de serapilheira.

Em vários pontos da via, os camionistas estacionam os veículos longos para descansar, alimentar-se ou namorar um pouco. Outros são forçados a interromper a viagem por avaria do veículo.

As casas são maioritariamente construídas com material local, sobretudo adobes e pau a pique, cujos proprietários, moradores das diferentes localidades atravessadas pela Estrada Nacional 120, não se deixam abater pela força da preguiça e da pobreza.

São homens e mulheres que lutam pela vida. Trabalham arduamente nas lavras, com garra e determinação, para garantir o sustento das suas famílias. Produzem um pouco de tudo.

A 26 quilómetros da sede do município do Huambo, no pequeno mercado a céu aberto, criado pelas mulheres do bairro Tchikendo, na comuna da Chipipa, a cebola roxa, batata-rena, alho, abacate, feijão e a carne de vitelo destacam-se entre os demais produtos a venda no local.

Aquela "pracinha” é um verdadeiro repositório da produção local. É muito dependente da agricultura familiar. Também há, no local, quem compra aos grandes fazendeiros da zona para revender e ganhar um minúsculo lucro de 50 a 200 kwanzas na venda de um certo produto. 

Segundo uma vendedeira de 53 anos, Ângela Catchiumbo, se no tempo seco compra um quilo de feijão manteiga no valor de 350 Kwanzas, para revender a 400 ou 450 Kwanzas, na época chuvosa os produtos se tornam mais caros.

"Por exemplo, posso comprar o quilo de feijão a 1000 Kwanzas e revender a 1500, enquanto o balde de batata-doce, que compro no valor de 500 Kwanzas, comercializo no valor de 1000”, diz Ângela, que não sabe fazer outra coisa. Dedica-se à venda de produtos agrícolas desde os seus tempos de meninice. 

Outras mulheres como Anastácia Kawimbi, Ana Donana e Teresa, que também actuam naquele mercado, contam que os produtos que comercializam chegam das montanhas, da zona do Sambalundo, e que é nas casas de processo, construídas ao longo da via, onde são conservados os alimentos.

As três mulheres vivem muito próximo do mercado. Chegam ao local a partir das 5h00 da manhã e só regressam ao convívio familiar por volta das 19h00 e 20h00. Sem energia eléctrica da rede pública e água potável, o bairro Tchikendo, segundo as vendedoras, é carente de serviços sociais essenciais e capazes de assegurar o desenvolvimento da localidade.

As residências são maioritariamente construídas de adobe e pau a pique, sendo que algumas beneficiam da energia proveniente de um grupo gerador instalado na zona. Devido à carência do combustível, o bairro fica iluminado no período entre as 18h00 e 21h00.

Uma moradora (Fátima) diz que a água consumida por todos os habitantes provém das cacimbas, sobretudo quando há chuvas regulares. "E no tempo seco, o rio tem sido a solução”, acrescenta.

Pelo número de desempregados, idosos e portadores de deficiências que necessitam de apoios ou de cuidados especiais, a população de Tchikendo clama pela implementação do programa de Transferências Sociais Monetárias "KWENDA” no bairro, onde falta de tudo um pouco.

Na via Huambo/Luanda é possível observar vastos campos de cultivo, pequenas lavras e mercados. Dentro das localidades, ou seja, nas sedes municipais e comunais atravessadas pela Estrada Nacional 120 contam-se as unidades hoteleiras e sanitárias, bem como restaurantes e snacks-bares que satisfaçam as necessidades primárias dos viajantes.

O que não falta na via são barracas de comidos e bebidos, cantinas, pracinhas, e farmácias cujas paredes foram erguidas com recurso a materiais locais. A jovem Rosalina, que saía do Alto Hama em direcção a Luanda, explicou que durante a viagem só é possível fazer pequenas compras de água, refrigerantes e bolos ou bolachas nas lojas de conveniência instaladas nas bombas de combustíveis da Sonangol ou Pumangol.

Na Quibala, existe uma hospedaria, restaurante e loja bem junto à estrada, mas as condições não são das melhores. É possível ler o que diz o letreiro:  "Hospedaria, Restaurante e Loja”. Mas, na realidade, só funciona a área de hospedagem.

Os ocupantes pagam 8000 Kwanzas por noite e são obrigados a procurar comida fora do local. O espaço, que possui apenas seis quartos, é dos poucos que ainda resistem ao tempo.


Mercado do Alto Hama

Noutra paragem obrigatória, as bancadas de cimento estão às moscas no Mercado Municipal do Alto Hama. Já ninguém vende no seu interior. Há muito que o movimento de compradores e negociantes deixou de ser comparado ao que se registava no passado.

As vendedeiras já tiveram dias melhores. Para obrigar os viajantes a parar, montaram bancadas feitas de madeira, pau a pique e bordão, cobertas de capim e chapas, onde expõem os negócios.

Desde o ano de 2005 que Rebeca Candjimba, de 61 anos, vende peixe seco  que chega de Benguela, província onde vive actualmente com a família. No Alto Hama, a anciã dedica-se ao cultivo do milho.

"Os lucros da venda do peixe nem sempre são fabulosos. Variam de acordo à época”, explica Rebeca, para acrescentar que os principais compradores são os residentes.  "Um ou outro viajante pára para comprar frutas e legumes”, avança.


No sector  do Bonga

António Cupupa vive a escassos metros da via, na zona do sector do Bonga, na comuna do Alto Hama, município do Londuimbali. Trata-se de um povoado com poucos moradores e cujas residências, construídas de adobe, não possuem energia eléctrica e água canalizada. As casas encontram-se muito afastadas umas das outras.

O agricultor, de 27 anos, sublinha que no Bonga não existe praticamente nada de especial. O jovem, que vive na localidade com a mulher e dois filhos, destaca a figura do soba como sendo a "coisa” mais importante que existe na zona. Sem poder justificar porquê, lamenta o facto de haver um número grande de crianças que ficam sem estudar. Passam o dia todo a brincar.

Uma das grandes dificuldades dos agricultores da região tem a ver com o processo de aquisição de fertilizantes e, como consequência disso, a qualidade dos alimentos agrícolas baixou significativamente. Depois da colheita, as frutas, legumes e outros produtos são comercializados localmente. A população local consome água das cacimbas e dos rios. No Bonga, o melhor ainda está muito longe para acontecer.

Já no sector do Luvili, os jovens produtores e vendedores de carvão vegetal destacam as vantagens de viver ao longo da Estrada Nacional 120, por onde passam, diariamente, milhares de viajantes, com destaque para turistas e negociantes, que compram o saco ao preço de 2000 a 2500 Kwanzas. O negócio fica exposto, todos os dias, ao longo da via.  


Vida de camionista

Na sede comunal do Alto Hama, Paulo  viu-se obrigado a parar o caminhão da empresa em que trabalha para superar um problema. Eram 11 horas. A viatura fazia barulhos estranhos quando circulava na zona. "A culpa é dos buracos”, lamentou o camionista, que saiu de Luanda por volta das 19 horas, transportando cestas básicas para a província do Huambo.

"Estou sempre nesta via. É uma rota habitual, apesar dos buracos constituírem os principais constrangimentos, além da falta de espaços para acomodação e fazer uma refeição condígna”, refere.

Conta que por motivos de avarias, muitas vezes, enfrentou sozinho, de noite ou madrugada, no meio do nada, diversas situações, experiência que voltou a viver há poucas semanas, quando permaneceu três dias com o camião avariado na via, à espera de ajuda. "Passo várias noites no camião. Por exemplo, na viagem que fiz ao Cuando Cubango não vi sítios onde parar para comer e dormir”, lamenta.

Na via, a circulação de camiões carregados de contentores com mercadoria é suma realidade à parte. "Veículos longos” enfrentam vários obstáculos durante o percurso, como buracos e outros constrangimentos. Os condutores são muitas vezes obrigados a parar para verificar o estado técnico das suas viaturas ou superar avarias.

O percurso é longo. A maioria dos camionistas procura encontrar sempre um ponto para descansar e comer alguma coisa. O número de camiões avariados ao longo da estrada que liga o Huambo à capital do país (Luanda) é considerável. 


"Duas Casas” no Waku-Kungo

Ao chegar à comuna do Waku-Kungo, município da Cela, no Cuanza-Sul, encontramos o mercado denominado "Duas Casas". O nome surge do facto de a praça estar localizada próximo a duas residências abandonadas, erguidas no período colonial.

É neste mercado onde Olímpia Francisco, 26 anos, comercializa variedades de produtos desde os cinco anos de idade, e onde a cebola, batata-rena e doce, além da cana e cenoura são os mais vendidos.  

Apesar de os lucros não serem fabulosos, a jovem mulher insiste sobretudo no negócio da cebola roxa, que a obriga a sair de casa, na sede municipal da Cela, de segunda a sábado muito cedo (antes das 6h00 da manhã), para garantir o sustento dos filhos. Ela trabalha na praça até depois das 16h00.

Na localidade, é quase impossível ouvir-se falar de roubos. Tal como conta Olímpia, por exemplo, os produtos agrícolas, com excepção da batata, cebola e alho que sobram das vendas, permanecem expostos nas bancadas e no chão, ao longo da via. "Os produtos passam à noite aqui e ninguém mexe. O resto guardamos no capim, no interior da mata”, afirma.

De regresso a Luanda, depois de visitar alguns parentes, residentes na sede municipal da Cela, Vitorino Manuel parou no mercado local para compras. Apesar de saber que os preços dos produtos ali vendidos não diferem muito dos praticados no mercado do 30, na capital do país, o jovem, acompanhado de alguns amigos, não resiste à tentação de comprar frutas, legumes, tubérculos e citrinos durante a viagem. "Não consigo resistir a isso. Aqui vendem muita coisa boa para levar para casa”, sublinha.


Lukala 3

Noutra paragem obrigatória, o mercado do Lukala 3, também conhecido por mercado da Banana, onde os vendedores da praça da Maria Teresa, no Cuanza-Norte, vão lá buscar negócios, há grande diversidade de produtos expostos. O movimento é maior nos sábados.

Os viajantes, vindos do Huambo e Bié, quase todos com destino a Luanda, não resistem à banana pão e de mesa produzida na zona, além do milho fresco e assado, da farinha musseque e hortaliças. É o caso de Rufino Xavier, proveniente do Bié, que encheu a carrinha com hortaliças diversas. O homem, que se identifica como agricultor, passa por essa via pelo menos duas vezes por semana.

"Estou quase sempre aqui. O tomate, o quiabo e outros produtos naturais são acessíveis. Mas eu gosto mesmo de parar para comer uma boa banana ou milho assado, com ginguba torrada”, explica.


Rotunda do Dondo

Autênticos restaurantes de rua são as barracas montadas na famosa Rotunda do Dondo, no Cuanza- Norte, considerado o ponto de convergência sobretudo para quem chega do Huambo, Bié, Cuanza - Sul e Malanje.

O local é bem movimentado. Automobilistas e passageiros sentam-se à mesma mesa e degustam variedades de pratos, principalmente típicos da região Norte de Angola, como o funge acompanhado de carne de pacassa, javali, vaca, porco ou cabrito, com ervas ou feijão. Cada refeição custa 1500 Kwanzas.

No local também preparam cacusso frito com mandioca, frango frito e "pincho” de porco. E quem quiser levar os deliciosos alimentos, não hesita em solicitar embalagens. Os passantes degustam-nos durante a viagem. 

Na barraca da famosíssima "Mana São" não costuma faltar o funge de calulu e bagre fumado. "Trabalhamos das 8h00 até à meia noite. Aqui os nossos clientes saem repletos e contentes com a qualidade da nossa comida. O funge não pode faltar. É o prato mais solicitado pelos nossos clientes”, disee.

Enquanto dona São falava do seu negócio montado na Rotunda do Dondo, o jovem Agostinho descia de um mini autocarro proveniente do Huambo. Pagou 7 mil Kwanzas. O destino era a cidade de Malanje, mas antes tinha de chegar até Ndalatando, no Cuanza-Norte, para apanhar outra viatura.

Não é nada fácil percorrer os 601,7 quilómetros de estrada que separam o Huambo da capital do país (Luanda). A paisagem é magnífica. Mas o percurso é longo e cansativo.

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