Sociedade

Uma vida ao serviço do próximo

Rui Ramos

Jornalista

Ao iniciarmos o sétimo ano destas ininterruptas reportagens de vida, voltamos a conversar com o filho do Sambizanga, nascido em 1974, há 50 anos. Que voltas deu a vida do menino, filho de pais vindos de Calucinga, Bié, e “aterrados” no histórico bairro de Luanda à busca de algo melhor para as suas vidas ainda jovens?

18/02/2024  Última atualização 09H05
© Fotografia por: DR

Berta Muhongo Bendeirão Chilandala e Mateus Katunguila, pais, já faleceram. Não conheceu a mãe, que morreu após o parto, mas o pai, camionista, ainda conheceu, e dele se recorda, mas fugazmente, conduzindo um camião.

Após o falecimento prematuro da mãe, Orlando Pedro Luciano foi entregue aos cuidados dos avós, que o levaram para Waku Kungo. "O nome de Orlando foi-me dado por duas madres italianas, na altura enfermeiras do Hospital Maria Pia, enquanto estive na incubadora, por ter nascido de forma prematura, ou seja, no sétimo mês de gestação da minha mãe. A minha mãe faleceu aos 28 anos de idade, eu sou o segundo filho, com a minha irmã mais velha, Filomena Tchilandala Katunguila, temos diferença de um ano,” que recorda.

"Ela teve sorte de ser registada com os nomes verdadeiros dos nossos pais (Mateus de Freitas Katunguila e Berta Muhongo Bendeirão Tchilandala), por ser registada já mais adulta que eu. Já eu, os meus avós decidiram registar-me como filho, porque o meu pai estava incontactável devido ao conflito militar. O senhor Pedro Luciano, do qual tenho o apelido, foi apenas padrasto da minha falecida mãe”.

Esta situação deixa-o muito intrigado, pois os filhos e os sobrinhos não têm o mesmo apelido. "Juridicamente, não somos familiares”, lamenta. "Uma vez fui testemunhar o meu sobrinho, filho da minha irmã, o conservador retirou-me da sala, porque, ao ver o meu bilhete, apercebeu-se de que eu tinha apelido diferente do dele e acusou-me de intruso”.

"Eu pertenço à linhagem do soberano Cilandala (lê-se tchi), oriundo de Pungo a Ndongo. Depois de terminar o serviço militar na administração colonial, ele foi até à região do Tumba, numa aldeia do antigo posto administrativo do Calucinga, actual comuna do Calucinga, no Andulo, onde foi investido como soberano. Parte dos meus familiares constitui a aldeia da Chicala, com cerca de 200 habitantes”, continua a recordar.

No longínquo ano de 1992, num domingo, terceiro dia dos confrontos pós-eleitorais, ele e os irmãos da igreja estavam em orações, no quintal, numa das residências no Sambizanga.

"Eu estava deitado na esteira, com a cara virada para o céu, de repente decidi levantar a cabeça, como gesto de quem estava cansado de tanto dormir, foi quando uma bala traiçoeira ia cravar-se na minha cabeça se eu não a levantasse para a frente. A esteira começou a fumegar e os meus companheiros disseram-me que eu não iria morrer mais”.

Infelizmente, ele não terminou a licenciatura em Direito no ISPIL, Instituto Politécnico Intercontinental de Luanda, já depois de 2018. "Cancelei o quarto ano por conta das enormes dificuldades financeiras por que passava e da enfermidade da minha esposa que pisou tala com a perna direita, por um pouco ficaria sem a perna”, lembra com tristeza. "Ela teve uma ferida longa”.

Nos últimos tempos, Orlando Pedro Luciano continua a exercer a sua fé e actualmente é pastor da Assembleia de Deus Pentecostal, sendo nomeado pastor da Congregação Belém no Zango 0, em 2022, e transitou como pastor central da igreja.

Ensinar a fazer sabão

"Neste decurso, trabalhei como membro do Comité Técnico de Gestão do Orçamento dos Munícipes de Cacuaco, durante dois anos, desenvolvendo um projecto de formação de produção de sabão, que está a beneficiar mais de 100 mulheres. Sou membro do Comité de Direitos Humanos de Cacuaco, com a função de coordenador adjunto da subcomissão de promoção e divulgação”.

Orlando Pedro Luciano dirigiu, muito recentemente, a Comissão Eleitoral que elegeu o corpo directivo da Rede das Organizações da Sociedade Civil de Cacuaco (ROSCC).

"No âmbito do Projecto Cosca - Capacitando Organizações da Sociedade Civil, financiado pela ADRA, tenho trabalhado nas comunidades, dando palestras sobre o pacote legislativo autárquico. Em função disso, em 2023, fiz parte da comitiva das organizações da sociedade civil que se deslocou à Assembleia Nacional para perceber o trabalho dos deputados em matéria de produção de leis sobre a implementação das autarquias em Angola”, explicou.

Em Janeiro deste ano, ele foi certificado como treinador (formador) regional por uma organização missionária, a Oasis World Ministries, uma instituição sediada nos Estados Unidos da América e que consiste em treinar pastores sobre o evangelismo pessoal, baseado em testemunhar a sua fé a outras pessoas, em apenas um minuto.

"Estou a terminar o meu primeiro livro, "Evangélico, como cristão, qual é teu lugar na Bíblia?”, baseado no texto de Lucas 24:44”, deu a conhecer Orlando Pedro Luciano, acrescentando que mudou de bairro e, actualmente, reside no Zango 0, onde a igreja lhe arrendou uma casa.

"Estou a desenvolver um projecto de advocacia na aldeia da Chicala, em Calucinga, terra dos meus ancestrais, para que as crianças e jovens tenham uma escola, uma vez que há jovens maiores de 18 anos que nunca foram a uma sala de aula. Quero lembrar que já fui praticante de atletismo, não cheguei a ser federado, devido a um atropelamento de que fui vítima na zona do antigo Roque Santeiro. Fui companheiro do Aurélio Mity no 1º de Agosto”.

E conclui: "Gosto de ler, de meditar e orar, porque me permitem debater sobre qualquer assunto, desde política nacional e internacional, desporto, cultura ou religião”.

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