Entrevista

“Vamos entre vários temas analisar sobre a necessidade ou não de uma revisão constitucional em Angola”

Na visão de um dos proeminentes académicos da FDUAN, 2º Congresso Angolano de Direito Constitucional deverá, de sete a nove deste mês, promover a reflexão e o debate sobre as grandes questões do constitucionalismo em Angola sempre com vocação prospectiva de conjugar a recolha das experiências do passado com a necessidade de programar o futuro

03/11/2023  Última atualização 08H50
Graciano Kalukango, Vice - Decano para a Área Científica da Faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto © Fotografia por: Cedida
Fale-nos um pouco sobre o 2º Congresso Angolano de Direito Constitucional...

O Congresso Angolano de Direito Constitucional, que vai já na sua segunda edição, é um certame científico promovido pela Faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto enquanto pioneira no ensino e na investigação científica de matérias jurídico-políticas em Angola e cujo fundamento assenta nos treze anos de implementação das  regras conformadoras do Estado angolano.

Em que aspectos discutem a Constituição?

O evento visa abranger a Constituição angolana nos mais diversos eixos, desde a institucionalização dos principais órgãos nela previstos, a observação do relacionamento institucional dos órgãos de soberania, o modo de concretização dos direitos, liberdades e garantias fundamentais e o sentido e o agir da Administração Pública. Nesta perspectiva, o congresso, que estará subordinado ao tema "O Direito Constitucional Angolano e os Desafios das Transformações Sociais”, pretende com esta divisa trazer à liça os vários "testes” que, ao longo processo de implementação, observação e percepção do seu sentido interpretativo, a Constituição esteve sujeita durante os seus treze anos de vigência.

O que suscitou a realização desta segunda edição, volvidos dois anos deste o primeiro encontro?

Ora, vale recordar que o primeiro congresso, realizado em Fevereiro de 2021, ocorreu num ano em que, simultaneamente, e após 11 anos de vigência, o texto constitucional sofreu a sua primeira grande vicissitude, ou seja, foi, pela primeira vez, objecto de alteração no seu conteúdo normativo, através da Lei n.º 18/21 de 16 de Agosto, que versaram sobre aspectos fundamentais da organização do Estado.

Quais são no caso?

Falamos do regime jurídico-constitucional da propriedade privada e da livre iniciativa, do direito e limites da propriedade privada (artigos 14.º e 37.º); o estatuto eleitoral dos candidatos a Presidente da República, com a separação do regime constitucional das condições de elegebilidade, inelegibilidade e impedimentos da eleição do Chefe de Estado (artigo 110.º) o regime sobre a data da realização das eleições gerais, com a consagração constitucional da segunda quinzena do mês de Agosto do ano em que terminam os mandatos do Presidente da República e dos Deputados à Assembleia Nacional como a data consagrada para o efeito (artigo 112.º); o regime constitucional das competências do Chefe de Estado em consequência das alterações introduzidas no procedimento para a designação dos órgãos do Banco Nacional de Angola, bem como do Titular do Poder Executivo na organização da Administração Pública (artigos 119.º e 120.º), entre outros cuja discussão se impõe. Portanto, existe valor jurídico-constitucional novo que suscita uma análise plural e aberta, com a integração de diversas sensibilidades científicas.

Como o congresso vai abordar o grande número de alterações realizadas à Constituição?

Volvidos dois anos desde desde a revisão constitucional, têm sido feitas várias reflexões em torno da efectividade da mesmas e de algumas das instituições em si plasmadas, especialmente após o último pleito eleitoral, o que inegavelmente compele a comunidade académica a trazer um debate moderno, actual e verdadeiramente progressista sobre estas matérias.

O que significa que...

Partindo deste pressuposto, constituem objectivos do 2º Congresso Angolano de Direito Constitucional proceder à análise do valor que  se confere à pessoa humana no contexto jurídico-constitucional angolano, compreender em que medida o Direito Constitucional tem servido de instrumento de conformação social no âmbito da concretização, densificação e realização dos direitos fundamentais, reflectir sobre a necessidade ou não de uma Revisão Constitucional em Angola, para efeitos de conformação do texto constitucional às exigências actuais. Por outro lado, visa, igualmente, constatar os vários pontos de intercepção que se colocam no plano constitucional, relacionados com a força jurídica de expedientes meta-positivos como critérios de qualificação e decisão de questões concretas e aos meios de legitimação, directos ou indirectos, ao exercício do poder, permitir uma avaliação do modelo gizado pelo legislador para a limitação recíproca dos poderes, indagando a  sua eficiência e a eficácia, analisar a panóplia de garantias constitucionais que permitem contrariar  as violações que se podem constatar no exercício das funções do Estado e reflectir sobre a fiscalização da constitucionalidade, enquanto exercício que se faz para a verificação da conformidade dos actos dos órgãos do poder público com a Constituição, assim como lograr uma abordagem crítica sobre o sistema de justiça no plano constitucional.

Quem deve participar e quais os requisitos?

O 2º Congresso Angolano de Direito Constitucional é um evento académico que, considerando os seus objectivos, terá uma dupla dimensão académica e profissional, esperando-se a participação de docentes universitários, mestrandos, licenciados, estudantes de licenciatura, auxiliares do titular do Poder Executivo, deputados, magistrados judiciais e do Ministério Público,funcionários públicos em geral e sociedade civil. A entrada ou participação no Congresso ficará sujeita a uma prévia inscrição, como mecanismo de controlo de entradas e logística a fim de cada interessado possa participar deste "banquete” científico da melhor forma possível.

Depois de treze anos de vigência e de várias transformações sociais, que temas serão discutidos pelos congressistas?

No encontro, serão discutidos vários temas, todos eles com várias perspectivas de abordagem e com uma abrangência cujos reflexos apresentam-se como transversais às principais questões, como é o caso do valor da pessoa no contexto constitucional, a constituição e a concretização dos direitos fundamentais, a (in)conveniência da revisão constitucional, as confluências entre a Constituição e outras realidades sociais, os mecanismos de controlo recíproco de poder, o controlo da constitucionalidade e os seus modos de efectivação e sistema de justiça na Constituição.

De que forma os temas escolhidos impactam no dia-a-dia das pessoas e das empresas?

Como havia referido, a Constituição define-nos enquanto Estado e o Estado tem como substracto pessoal o seu povo, ou seja nós. Neste sentido, as matérias constitucionais não dizem respeito apenas aos estudiosos do Direito Constitucional, mas a todo e qualquer pessoa, porquanto é no texto constitucional que se encontram espelhados os direitos fundamentais de cada um e que constituem, nos dizeres de um autor, um "trunfo” contra a maioria e, aqui, entenda-se, um poder em relação ao seu próximo e em relação ao Estado. Daí resulta a relevância para os cidadãos e para as empresas, pois integrando o Estado, enquanto comunidade, são parte integrante e fundamental do texto constitucional.

Qual será a metodologia a ser adoptada neste congresso?

Sobre a metodologia, vale referir que em relação ao congresso anterior consideramos dar "um salto”, pois o objectivo é sempre melhorar. Neste afã, os trabalhos do congresso serão materializados através de mesas redondas, que contarão com Presidentes de Mesa, aos quais incumbirá a competência de moderar e estimular as prelecções e os debates, explorando os aspectos que suscitam maiores divergências ao nível da doutrina e debates, que será o momento privilegiado para as intervenções dos congressistas.  Findo os debates reservados para os vários temas do congresso, será produzido um relatório-síntese para cada dia do congresso sobre os actos realizados e as intervenções proferidas, sendo que, no final, será produzido um Relatório Geral do Congresso, que contemplará todos os aspectos tidos por relevantes e dignos de registo durante as sessões, de modo a permitir que as principais ilações tiradas da abordagem de cada tema possam ser aproveitadas para a organização dos próximos congressos, seguida de um último elemento que se traduz na avaliação a fim de aferir o grau de satisfação dos congressistas, através de um questionário disponibilizado para o efeito, servindo as respostas obtidas de base para a realização de congressos futuros.

A organização tem a confirmação de eventuais participações estrangeiras?

Sem desprimor da possibilidade de participação de entidades estrangeiras no congresso na qualidade de congressistas, uma vez que é um evento para todos quanto pretendam tomar parte da "ceia” em torno da Constituição angolana, neste congresso perspectivamos uma discussão etu mu dietu, ou seja, entre nós, daí a participação apenas de prelectores e presidentes de mesa angolanos, destacando-se o facto de se tratarem de especialistas das várias universidades existentes no país.

Depois de três dias de discussões que prevêm intensas, que resulados se pretendem alcançar com a realização do Congresso?

O 2º Congresso Angolano de Direito Constitucional deverá servir de espaço para promover a reflexão e o debate sobre as grandes questões do constitucionalismo em Angola, sempre com vocação prospectiva, segundo um modelo que procura conjugar, de modo equilibrado, a recolha das experiências do passado com a necessidade de programar o futuro.

Podemos por aqui concluir que é também vossa preocupação o lugar e valor das pessoas na Constituição?

Com o presente congresso, espera-se analisar e discutir o lugar e valor das pessoas no texto constitucional, o papel da Constituição na concretização dos direitos fundamentais; a (in)conveniência da revisão constitucional; diagnosticar as confluências constitucionais, fazer um olhar propectivo em relação aos mecanismos de controlo recíproco do poder: checks and balances, olhar para os modelos de controlo da constitucionalidade e discutir o Sistema de Justiça à luz das premissas constitucionais e espera-se ainda que, no final, o II Congresso Angolano de Direito Constitucional faça um balanço sobre a materialização dos objectivos de cada premissa/ comando constitucional, em especial os princípios estruturantes e fundamentais da República, que serão discutidos ao longo dos três dias do certame.

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