Opinião

A força da História contra a manipulação dos factos

Filomeno Manaças

A história recente de Angola está recheada de factos que não podem ser adulterados só porque há o desejo ardente da oposição - principalmente da UNITA, por ser o maior partido nessa condição - ver a alternância no poder acontecer.

23/04/2021  Última atualização 06H05
Os factos são factos e, por mais que se queira dar, aqui ou ali, um toque de maquilhagem e uma nova roupagem, eles têm a força suficiente para desmentir qualquer pretensão de reescrever a História. Angola chegou ao ponto em que está não apenas por causa da corrupção, do nepotismo e da impunidade que se instalou e galgou os degraus a partir do fim da guerra, em 2002, particularmente quando se deu início ao processo de reconstrução nacional.

 Até hoje, não há um inventário dos danos materiais provocados pela guerra pós-eleitoral que dilacerou o país de 1992 a 2002, porque Jonas Savimbi e a UNITA decidiram rejeitar, com recurso a meios bélicos, os resultados das primeiras eleições gerais no país. Além da perda de vidas humanas, procurar determinar em valores monetários em quantos biliões de dólares estão avaliados os prejuízos materiais e igualmente quanto foi investido em dinheiro nesses dez anos, para fazer a guerra, pode dar-nos uma ideia, também, do tempo que, nesse período, se perdeu, porque não foi possível reforçar a democracia e as suas instituições, porque não foi possível pôr em marcha um plano de reconciliação nacional que o país tanto reclamava, cansado que estava de viver em permanente estado de conflito militar, desde a proclamação da independência, a 11 de Novembro de 1975. Quem quer que seja que escreva sobre as razões do atraso, do por quê é que a economia angolana se mantém em estado de subdesenvolvimento, 45 anos depois da independência, deve fazê-lo com honestidade, e não pode ignorar três períodos essenciais e os principais factores que condicionaram a sua evolução:

 1 - O primeiro período vai de 1975 a 1992; portanto, da proclamação da Independência, a 11 de Novembro de 1975, à realização das primeiras eleições gerais no país, em Setembro de 1992, na sequência da implementação dos acordos de Bicesse. Esse período foi marcado pela persistência da guerra de guerrilha levada a cabo pela UNITA, com o apoio do regime de Apartheid, que vigorava na África do Sul. É preciso não omitir, sob pena de se estar a cometer uma falha grave em relação àquilo que é a nossa memória colectiva - e, já agora, rebuscando o que há na Net -, que "o termo "Apartheid” se refere a uma política racial implantada na África do Sul.  De acordo com esse regime, a minoria branca, os únicos com direito a voto, detinham todo o poder político e económico no país, enquanto à imensa maioria negra restava a obrigação de obedecer rigorosamente à legislação separatista. A política de segregação racial foi oficializada em 1948, com a chegada do Novo Partido Nacional (NNP) ao poder. O Apartheid não permitia o acesso dos negros às urnas e os proibia de adquirir terras na maior parte do país, obrigando-os a viver em zonas residenciais segregadas, uma espécie de confinamento geográfico. Casamentos e relações sexuais entre pessoas de diferentes etnias também eram proibidos”.

 2 - O segundo período vai de 1992 a 2002. Foi o período mais intenso da guerra civil em Angola, na sequência da recusa dos resultados eleitorais pela UNITA e pelo seu líder. A UNITA aproveitou o processo de desmobilização dos seus homens para reposicionar todo o seu efectivo e armamento, para poder reiniciar a guerra em grande escala. As zonas diamantíferas foram invadidas por soldados, que era suposto estarem em áreas de acantonamento, com a missão de explorá-las para  obter dinheiro para a compra de material de guerra. Por isso, a UNITA aparece no conflito com meios que antes não tinha, como os canhões de longo alcance Uragan e os carros de combate de assalto, controlando uma área geográfica que também nunca antes sonhara ter sob domínio. A guerra teve o desfecho que teve porque a comunidade internacional fartou-se e virou as costas a Jonas Savimbi, a ponto de submeter a UNITA e o seu líder a um isolamento sufocante.

 3 - O terceiro período contempla os anos de 2002 a 2017. Ou seja, vai do fim da guerra, com a assinatura do Memorando de Entendimento do Luena, a 4 de Abril de 2002, até à realização das eleições de 2017, que dão lugar à entrada em funções do Executivo liderado pelo Presidente João Lourenço. Foi um período marcado pelo início do processo de reconstrução nacional, com falhas evidentes em muitos dos projectos executados, principalmente, no que a construção de estradas diz respeito, mas também um período em que a corrupção generalizada, o nepotismo e a impunidade instalaram-se e corroeram o poder político.

 A verdade é que o MPLA assume os seus erros e mostra estar fortemente comprometido com o processo de correcção dos mesmos, tendo adoptado o lema "melhorar o que está bem e corrigir o que está mal”. Este novo Executivo entrou em funções com a missão de "reiniciar o computador”, implementar a reforma do Estado e extirpar os vícios do passado. A UNITA, que precisa de fazer as pazes consigo mesma, que precisa de fazer as pazes com a História, não deu até agora um sinal sequer de assunção de mea culpa pelo descalabro em que se encontra o país.

 O tempo que Angola tem como país independente - 45 anos -, é praticamente o mesmo que Singapura e a China levaram para se tornarem países desenvolvidos, modernizados, com economias do primeiro mundo. Fizeram-no num contexto de paz, sem guerra, e de partido único. Isso não quer dizer - e fica aqui bem sublinhado - que sou contra o multipartidarismo, contra o pluralismo de ideias. Muito pelo contrário! É preciso olhar para esses casos de estudo para desmentir a tese de que foi o facto de não existir democracia multipartidária, de existir apenas um partido político a governar durante esse tempo todo, que Angola não se desenvolveu e que o MPLA é o único responsável por todos os males que grassam no país. A grande pergunta que não se quer calar: E se Jonas Savimbi e a UNITA tivessem aceitado os resultados das eleições gerais de 1992, que Angola teríamos hoje? 

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