Opinião

A liberdade de imprensa e as nossas discussões

Nas celebrações do 3 de Maio, Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, este ano tendo como lema “A informação como um bem público”, voltamos a ouvir as velhas e recorrentes reclamações sobre as barreiras encontradas pelos jornalistas no acesso às fontes de informação, sobre a publicação/divulgação de matérias sem ouvir o outro lado da estória, sobre o reduzido número de jornais impressos e sobre a qualidade do jornalismo que se faz no país.

07/05/2021  Última atualização 06H20
O foco principal das reclamações é a Media tradicional, ela que - está provado, apesar do surgimento das redes sociais - tem um papel único, insubstituível, na manutenção do equilíbrio e dos valores fundamentais da sociedade e da democracia. Um papel a que as "fake news” vieram conferir particular relevo e ajudar a consolidar, na hora de repor a verdade dos factos, desconstruindo narrativas geradas em laboratórios concebidos para uma actuação na perspectiva da cristalização do pensamento "pós-verdade”.
A cada 3 de Maio, tem sido uma discussão saudável sobre a imprensa que temos e que queremos ter; sobre a nossa realidade e as nossas expectativas; sobre a busca incessante de informação averiguada e confirmada, que é nisso que assenta a credibilidade, valor indispensável e intrínseco à própria notícia, que garante estarmos a oferecer ao público um produto de qualidade.
Nos dias que correm, essa qualidade tem a ver com a veracidade do que consumimos como informação, do que consideramos ser informação, face ao grande caudal de material que nos chega às mãos, aos olhos e aos ouvidos, entre coisas úteis e muitas outras tóxicas, por via das redes sociais, e que nem todos estão preparados, nem todos têm as ferramentas/os conhecimentos para diferenciar quando estamos em presença de uma informação que é um bem público, daquilo que não se encaixa nesse conceito. Ou seja, de uma informação que é um bem público, porque é verídica, porque interessa à comunidade/sociedade, porque é útil ao seu desenvolvimento/progresso, porque é importante/determinante para tomar decisões sobre a sua vida presente e futura.
Voltando à reclamação sobre o reduzido número de jornais impressos, abro um parêntesis para saudar o anunciado regresso às bancas, hoje, do jornal "O País”, e desejar à sua equipa de trabalho sucessos. Que este regresso seja para sempre!Está visto que, quando se fala de liberdade de imprensa, as atenções recaem preferencialmente para o que a Media tradicional oferece como informação. As opiniões são variadas. Vão desde as que garantem existir, estar consagrada essa liberdade, mas reconhecendo que ainda precisamos de fazer mais esforços, às que consideram tratar-se de um processo que está em construção permanentemente, até às que entendem ter havido um retrocesso, apesar de passos dados no plano institucional, com a entrada em cena da Entidade Reguladora da Comunicação Social (ERCA) e da Comissão de Carteira e Ética (CCE).
Plenamente aceitável essa diferença de pontos de vista, o que valoriza o pluralismo de ideias. Desde logo, é perceptível que a questão de fundo resvala para o confronto entre a consagração formal e a concretização material. Mas será sempre uma discussão etérea se se ficar sempre à espera do 3 de Maio para dizer que não se avançou em matéria de liberdade de imprensa, quando no plano geral e do ranking internacional Angola subiu alguns degraus; quando, sobretudo, há ausência de estatística (ou pelo menos não é divulgada) sobre casos que provam ter havido regressão, a descrição dos mesmos e, em especial, a fundamentação de ter havido obstrução, de acordo com os critérios jornalísticos e com o que a lei estabelece. Portanto, um trabalho criterioso que temos de empreender e que nos permita fugir à generalização das situações, um vício que ja tomou conta da nossa sociedade e que é comum encontrar nas intervenções de políticos, activistas e também de jornalistas.A importância de existir um tal trabalho, de tratamento estatístico, reside no facto de ele nos dar uma fotografia sobre o comportamento em matéria de liberdade de imprensa ao longo de um determinado período de tempo. Essa metodologia permite olhar para a consistência dos dados, analisá-los e interpretá-los com maior propriedade. E aí, sim, verificar e corrigir onde tenha havido falhas.
Um caso concreto digno de figurar nas estatísticas é o da expulsão da equipa de reportagem da TV Zimbo, quando, alegadamente, se propunha obter, da Administração Municipal de Cacuaco, informação sobre a gestão actual do mercado do Kikolo e as razões da mudança ocorrida. Mas não devem ser apenas factos negativos a preencher as estatísticas. As políticas de Estado gizadas nos últimos tempos têm também valiosos subsídios para melhorar o quadro da liberdade de imprensa no país. Um trabalho sério de levantamento estatístico não pode, como é óbvio, ignorar essas ferramentas na hora de realizar os balanços.

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