Entrevista

Comissário Andrew Inaculo: “A formação policial e a investigação científica têm sido o principal foco da instituição”

Alberto Quiluta

Jornalista

Mais de mil licenciados foram formados, desde a criação do Instituto Superior de Ciências Policiais e Criminais (Osvaldo Serra Van-Dúnem), inclusive 17 de nacionalidade cabo-verdiana. Hoje, a instituição conta com 737 cadetes.

29/03/2023  Última atualização 07H55
© Fotografia por: | Edições Novembro

Que Instituto Superior de Ciências Policiais e Criminais (ISCPC) temos hoje?

Com apenas 11 anos de existência ainda somos novos, mas com inspirações, ambições e grandes responsabilidades no processo de formação e capacitação dos quadros da Polícia Nacional de Angola e não só.

Quais são os planos, desafios e acções para este ano?

Num ano, muito pouco se consegue fazer. A formação superior tem um ciclo e, no nosso caso, de cinco anos. Temos definidas algumas prioridades, sobretudo, na qualificação dos docentes, na revisão do currículo formativo, mas olhando para a necessidade de ajustarmos a formação dos cadetes às reais necessidades da Polícia Nacional e da segurança pública em Angola, de forma a oferecer para o mercado profissional, oficiais de excelência. Outrossim, constitui preocupação a reabilitação de algumas infra-estruturas importantes e necessárias para o processo de ensino-aprendizagem, como dormitórios, salas de aula, auditórios, salas de conferências, laboratórios, campos desportivos multiusos e sala de tiro virtual. A ideia é garantir a coesão e união necessárias para continuarmos a ter uma instituição que corresponda às expectativas da Polícia Nacional  e da sociedade angolana.

Qual é a prioridade na formação?

Primeiro, é importante compreender que o ISCPC não forma agentes, mas sim oficiais de Polícia. Ou seja, os programas curriculares estão concebidos para conferir habilidades profissionais àqueles que vão liderar os agentes no âmbito da actuação policial. Então não há e nem deve existir separação entre a formação ministrada no instituto e a actuação policial. Geralmente, os cursos são politécnicos e versados. Mas, o perfil de saída da formação deve, necessariamente, estar ligado ao saber fazer bem.

Com que regularidade devem os oficiais serem submetidos a formação de refrescamento?

A missão da Polícia Nacional é complexa. A própria Constituição da República considera a segurança como um direito fundamental, cuja salvaguarda ou garantia, por vezes, implica a limitação de outros direitos individuais. E cabe a Polícia executar esta missão, sobretudo no aspecto da segurança pública. Ou seja, estamos a falar de um Órgão do Estado, cujos efectivos estão constantemente sujeitos a situações adversas de conflitos. Estamos a falar de seres humanos que juram dar a própria vida para garantir a segurança das pessoas e dos bens. Portanto, estamos a falar de uma corporação militarizada com legitimidade para o uso, quando necessários, da força e de meios coercivos, de forma proporcional e em estrito respeito pela Lei, para garantir a manutenção ou reposição da paz social, da ordem e da tranquilidade públicas. Todo este conjunto de complexidade, que envolve o exercício da função ou o cumprimento da missão policial, implica treinamentos constantes dos efectivos. Por esta razão, recentemente a Direcção do Comando Geral da Polícia Nacional aprovou e está em execução, uma Directiva de Formação que define, dentre outros aspectos, o refrescamento contínuo dos efectivos, como uma prioridade.

O ensino superior policial consegue dar resposta aos desafios da segurança pública?

Em 11 anos de existência, como instituição de ensino superior, o balanço que fazemos é satisfatório. O ISCPC tem crescido bastante pela positiva. Se olharmos para os quadros já formados e o trabalho que estes têm realizado no teatro operacional, ou com base nos resultados dos estudos científicos que temos feito e os programas de extensão universitária que promovemos junto das unidades de policiamento e da comunidade civil, podemos considerar que estamos no caminho certo. Porém, é importante referir que a questão da segurança pública deve ser vista numa amplitude social, isto é, os fenómenos que ocorrem e afectam estão intrinsecamente ligados às transformações e às dinâmicas da sociedade. Isto significa que, como instituição de ensino superior, os nossos programas e/ou currículos formativos devem acompanhar tais transformações e dinâmicas.

 

Em termos criminais, até que ponto tem sido determinante o uso dos conhecimentos científicos no estudo sobre os crimes?

As instituições, sobretudo as de ensino superior, assentam as responsabilidades em três principais pilares: o ensino, a investigação e a extensão universitária. O ISCPC não foge à esta regra. Para além da formação, a investigação científica tem sido o principal foco. Por isso, a instituição tem a missão de colher dados e analisar os vários fenómenos criminais e sociais que afectam a segurança pública no país, com o intuito de desenvolver pesquisas para determinar os factores que originam tais fenómenos e apresentar propostas na perspectiva de prevenção. Temos tido algumas limitações em termos orçamentais. Mas, ainda assim, conseguimos desenvolver as actividades e estamos convictos que seremos mais eficientes no futuro.

 

A abordagem policial ao crime envolve necessariamente uma dimensão científica?

Na verdade, a abordagem ao crime deve envolver uma dimensão global, de todos os sectores da sociedade. O crime é um fenómeno oriundo de desvios de padrões comportamentais junto das famílias e da própria sociedade. Mas, infelizmente, temos a ideia errada de que se trata de um assunto cuja abordagem é da exclusividade policial. A dimensão científica é sim importante, considerando os procedimentos metodológicos usados para se determinar os factores que originam a criminalidade. Mas esta dimensão científica deve envolver, também, outras instituições e não limitar-se apenas ao ISCPC e à Polícia Nacional. Por este facto, temos desenvolvido, anualmente, conferências científicas sobre segurança pública, com vários actores e sectores da sociedade, para reflectirmos e debatermos, em conjunto, sobre a situação.

 

Para si, é importante aumentar o número de investigadores criminais no país?

Não. Prevenir é a nossa palavra de ordem. Quando falamos em investigação de crimes, assumimos que, de certa forma, falhou a componente preventiva. A missão da polícia é garantir a ordem pública e esta missão deve ser vista, em primeira instância, sempre numa vertente preventiva, ou seja, de impedir, conjuntamente com outros actores sociais, que ocorram fenómenos que atentam contra a segurança das pessoas e dos seus bens. Entrementes, a investigação criminal é também necessária e importante, por constituir outra faceta da missão policial no contexto processual penal e de auxílio aos órgãos de justiça. Ainda assim, é preferível falar do ratio polícia versus cidadão, numa perspectiva generalizada e preventiva e não propriamente no sentido investigadores criminais versus número de crimes. O ideal é não termos muitos investigadores criminais, mas sim agentes e meios operacionais suficientes para registar poucos crimes. A aposta na formação policial também deve ser contínua e, acima de tudo, contar com o envolvimento de toda a sociedade.

 Qual é o actual número de cadetes inscritos?

Do 1º ao 5º ano, o ISCPC conta, actualmente, com um total de 737 cadetes.

 Quantos licenciados o ISCPC já colocou no mercado?

Desde a criação, o ISCPC já formou um total de 1.038 licenciados em Ciências Policiais e Criminais, dentre os quais 17 de nacionalidade cabo-verdiana e 33 dos demais Órgãos do Ministério do Interior, sendo 32 do Serviço de Investigação Criminal (SIC) e um do Serviço Prisional.

 Quantos docentes tem a instituição?

Actualmente a instituição conta com 84 docentes, sendo 45 em regime integral (efectivos do ISCPC) e 39 em colaboração. Estes últimos são quadros dos distintos órgãos da Polícia Nacional e das instituições de ensino superior, que têm acordos firmados com o ISCPC.

 Que ISCPC podemos ter nos próximos cinco anos?

Em função do projecto de trabalho, auguramos ter, nos próximos cinco anos, um ISCPC cada vez mais comprometido com a formação qualificada dos oficiais que estão na liderança operacional da Polícia Nacional, capacitado para continuar a defender os valores humanos, éticos e jurídicos que norteiam o Estado angolano. Esperamos ter, também, uma instituição mais voltada à investigação, com competência e profissionalismo, que seja de facto uma das grandes reservas morais e patrióticas da Polícia Nacional e da sociedade angolana, à altura dos desafios, com referências nacionais e internacionais. Estou convencido que este vai ser o ISCPC que teremos, aquando da comemoração do seu 17º aniversário.

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