Entrevista

Maria João Teles Grilo: “Luanda está uma cidade entregue a si própria”

António Pimenta

Jornalista

A arquitecta Maria João Teles Grilo, filha de um dos projectistas angolanos que fez o desenho da estrada da Serra da Leba, traça um quadro bastante crítico sobre os vários problemas arquitectónicos e urbanísticos que a capital do país enfrenta, desde a construção de torres sem ter em conta regulamentos, integração na envolvente, adaptação cultural, condições ambientais e orográficas. Nesta entrevista, a também investigadora aborda o crescimento desordenado de Luanda e diz que o território nunca foi um exemplo de desenvolvimento urbano, alertando para o risco de desabamento de inúmeras infra-estruturas devido ao solo musseques

16/10/2023  Última atualização 07H50
© Fotografia por: DR

Quem é a Maria João Teles Grilo?

Sou arquitecta, investigadora, proveniente de uma velha família do Sul de Angola, mais concretamente da cidade do Lubango, província da Huíla. Os meus filhos, pais e avôs são todos angolanos. É uma família com um percurso de reconhecido valor na História de Angola. O meu pai fez parte dos projectistas angolanos que fizeram o projecto da estrada da Serra da Leba.

Participou também na sua construção?

O desenho esteve a cargo de uma equipa de angolanos da qual o meu pai fez parte, todos da Junta Autónoma de Estradas de Angola (JAEA). Gosto de repetir isso, porque até hoje não consigo entender porquê que não se fala disso em Angola, porquê que não é reconhecido o papel que o meu pai e outros desempenharam na construção deste importante troço rodoviário de Angola, tido como uma das sete maravilhas de Angola.

Mas não se fala deles?

Muito pouco ou mesmo nada. Quando falam é para dizer umas barbaridades como, por exemplo, que foi uma arquitecta sul-africana ou  soviéticos que desenharam, mas nunca angolanos. Repito: foi meu pai, João Teles Grilo e colegas, todos angolanos, que a desenharam. Mas, infelizmente, não há neste local, nem em parte alguma, um reconhecimento destas pessoas. O que é que se passa connosco para andarmos tão fugidios do que é nosso, da nossa identidade? Por que não gostamos de nos identificar com o que é nosso? O que é que tememos? Uma placa de granito, no início ou fim, com o resumo da sua história, seria o suficiente. Penso que existe uma confusão de fundo, até certo ponto perversa, em relação a isso. O período histórico destas obras é colonial, mas isso não quer dizer que a arquitectura e a engenharia o sejam.

 A arquitectura não é colonial?

Na sua maioria, a nossa arquitectura, não é colonial. A nossa arquitectura urbana, é arquitectura do Movimento Moderno, um movimento democrático e absolutamente anti-colonial.

 
O que é que a leva a pensar desta forma?

Um renomado arquitecto da nossa praça disse, há uns bons anos, numa entrevista que concedeu a um órgão de imprensa, que o dia mais feliz da sua vida seria quando um dia os portugueses viessem a Angola e não reconhecessem as construções que deixaram. Muitos anos depois, essas teorias parecem continuar a se fazer prevalecer na mente de uma boa parte de angolanos, que considera colonial tudo que foi feito na era colonial, e deve ser destruído. A definição de tempo histórico não é a mesma que a definição dos estilos e movimentos arquitectónicos. A arquitectura colonial é um estilo, da segunda metade do século XIX, de que o Palácio de Ferro é exemplo. E todas as pessoas adoram o Palácio de Ferro. Irónico, não é?

 
Mas essas teorias já fazem parte do passado...

Não sei. O património arquitectónico da cidade continua a ser destruído. Hoje, já é um pouco difícil encontrar, em Luanda, o património da era colonial.

Não considera isso um absurdo?

É um absurdo de facto. Até porque a história não se corta. Aprende-se e muda-se com ela. O período histórico colonial vai até 1975, mas isso não quer dizer que depois desse período o património arquitectónico das várias etapas que marcam a cidade tenha que deixar de ser parte da nossa história. A grande parte da nossa arquitectura urbana é Arquitectura do Movimento Moderno, o mais democrático movimento do século XX, feita por arquitectos portugueses e angolanos. É anti-colonial. Embora esteja, ultimamente, a ser muito violentada, Luanda é uma cidade moderna, com um património glorioso, reconhecido internacionalmente. Infelizmente, estamos a destruí-lo todos os dias, por ignorância e complexos. As pessoas não têm consciência dos danos patrimoniais que estão a causar ao país.

 
Quais são esses danos?

Património arquitectónico de qualquer país é identidade, é cultura. Representa a memória descritiva de um povo. Quando se fala em turismo, e ao contrário do que muitos pensam, as pessoas não saem dos seus países para ir ver noutros os edifícios vidrados e anónimos que temos construído hoje. Os turistas estão mais interessados em conhecer a identidade dos povos que vão visitar, as suas origens, cultura, usos e costumes, seus traços arquitectónicos, entre muitas outras coisas. Nós temos (tínhamos) em Angola, particularmente em Luanda, uma arquitectura moderna, que pode (podia) bem servir esses fins.

 
Temos arquitectura moderna em Angola?

Sim, muita. O boom das cidades em Angola deu-se no início dos anos 50-75. Foi o período mais significativo do desenvolvimento urbano em todas as cidades angolanas. É a arquitectura moderna que marca o perfil arquitectónico das nossas cidades. Mesmo a arquitectura pombalina (a que envolve toda a cidade alta e parte da baixa, do fim do século XVIII e princípio do século XIX), ou mesmo a arquitectura do Estado Novo, arquitectura claramente fascista, é História e memória de bons e maus períodos. É a nossa História urbana. Porquê destruí-la? Os maus períodos têm que se manter reais para que não se voltem a repetir. Onde é que queremos chegar com esta destruição do património?

 
Pode citar alguns exemplos?

O mercado do Kinaxixi, do arquitecto Vasco Vieira da Costa, uma obra importantíssima e internacionalmente reconhecida como absolutamente brilhante, do século XX. A Rádio Nacional, o edifício das Obras Públicas, o Cinema Atlântico, o Instituto Pio XII e tantos outros.

 
Quem foi o autor da obra?

O autor da obra foi Vasco Vieira da Costa, um conhecidíssimo arquitecto angolano que trabalhou com um dos maiores arquitectos do mundo, Le Corbusier.


Quando falamos em arquitectura angolana parece ficar evidente um certo dualismo que separa a arquitectura do tempo colonial e do período pós-independência.

Infelizmente, é isso que acontece e considero um erro enorme pensar-se desta forma. Temos um período histórico que se chama colonial. Angola foi uma colónia portuguesa até 1975. Mas uma coisa não tem nada a ver com a outra. Para quem não sabe, Angola consta entre as ex-colónias portuguesas com menos obras de arquitectura colonial. No continente africano, este estilo de arquitectura existe, em maior número, nas antigas colónias inglesas e francesas. Em Luanda, o Palácio de Ferro é a grande referência. Podemos encontrar umas poucas em Benguela. O Palácio de Ferro é uma obra típica da arquitectura colonial.

 
O que é que considera, por definição, arquitectura portuguesa?

Arquitectura portuguesa, por definição, é a que foi praticada até ao fim dos anos 40. Se formos a caracterizar Luanda, em termos arquitectónicos, vamos encontrar na nossa cidade capital alguma arquitectura eclesiástica e senhorial do século XVI, XVII, a arquitectura dos sobrados e sobradinhos (todos destruídos), arquitectura pombalina, arquitectura do Estado Novo, ou seja, do período fascista de Salazar, e, depois, temos a arquitectura moderna, que veio depois dos anos 50. A nossa arquitectura moderna é o nosso maior património, o nosso grito de revolta anti-colonial, a nossa arquitectura de vanguarda e completamente anti-colonial, em termos de espaços e ideologia.  Em Angola, existe pouca arquitectura colonial. É preciso aprender a chamar as coisas pelos próprios nomes e dar-lhe a sua própria identidade. As pessoas gostam de dizer, por exemplo, temos arquitectura pombalina, mas como foi feita antes da independência,  deve ser considerada colonial. Então pergunto, não se lutou antes da independência para chegarmos à independência? Ou aqui, neste caso concreto, o antes não é importante como um processo? Nos anos 50, começou a grande revolução urbana e iniciámos a luta pela independência de Angola e chegámos à independência, em 1975. É tudo um período histórico fundamental. Ninguém vai dizer que todo esse imenso trabalho, que se fez, deve ser anulado.

 
Como caracteriza essa nossa arquitectura moderna?

A nossa arquitectura moderna é uma arquitectura suspensa do solo, sobre pilares, galerias públicas e comerciais, ao nível do piso térreo, varandas protegidas por palas de ensombramento, persianas sobre grandes envidraçados, duplas peles de paredes rendadas para ventilação natural e transversal. É arquitectura de vanguarda, anti-colonial em termos ideológicos e de espaço. Não estamos a ser muito inteligentes, na forma como estamos a lidar com ela. Quer queiramos, quer não, ela representa a arquitectura da nossa identidade. É o nosso grito de revolta anti-colonial. O Kinaxixi era um exemplo claro disso.

 
Fale-nos um pouco das diferentes fases que marcaram a cidade de Luanda antes e depois da independência?

Em termos de desenvolvimento urbano, Luanda nunca foi um grande exemplo, digno de referência. O seu crescimento foi sempre mais orgânico do que planificado, ao contrário de Maputo que, desde o século XIX, teve sempre um crescimento orientado. Tivemos alguns planos programados, como o Plano de Groer e Moreira da Silva, em  42, o Plano de 1961 e o da OTAN, em  73, este último desenhado em parceria com os franceses. Em 79, tivemos um plano parcial, mas, grosso modo, desde o tempo colonial que crescemos por nós. Luanda sempre teve um crescimento basicamente orgânico, com aplicação parcelar destes planos. Tem uma geografia muito difícil, os terrenos são péssimos e muito desagregados e a água potável vem de longe: Kwanza, a Sul, e Bengo, a Norte. Além disso, temos uma coisa muito curiosa, mas, também, muito perturbadora: uma cidade cheia de bacias pluviais, que cria uma conjuntura muito desfavorável para fundação de uma cidade.

 
Está a  referir-se aos conhecidos solo musseques?

Solo musseques, é assim que é conhecido o solo de Luanda, uma mistura entre argila com areias desagregadas, que torna os terrenos impróprios para a construção.

 
Quer dizer que o crescimento da cidade representou sempre um grande quebra-cabeças?

Claro que sim. Já era um grande problema no tempo colonial, mas nem por isso evoluiu grande coisa depois da independência. O único programa parcelar que tivemos, depois da independência, que se materializou, foi, em 1979, na construção dos chamados "Prédios dos Cubanos”. Mas que, também, não foi por aí além. Depois disso tivemos, em 2015, o Plano Director de Luanda encomendado pela Isabel dos Santos, à empresa inglesa, apoiado pela Urbinvest, de que não há frutos até hoje. Foram milhões de dólares investidos.

 
Acha que esse último teria hipótese de funcionar?

Acho que não, por uma razão muito simples. A adjudicação directa à empresa Broadmay/ Malay, uma experiente empresa inglesa, com um forte curriculum em planos directores, mas sem experiência de elaboração para um país africano. Em termos administrativos, em Angola, a Universidade Nova de Lisboa apoiou a Urbinvest. Não integraram à equipa nenhum arquitecto ou urbanista angolano, nem a Ordem dos Arquitectos foi consultada. As equipas estrangeiras têm sido o denominador comum das encomendas do Estado, negligeciando, sistematicamente, os arquitectos ou os consultores seniores nacionais. Os modelos são importados, sem ajustamento ao clima e cultura nacionais. 


Luanda continua a crescer de forma desordenada?

Completamente desordenada e entregue a si própria. Chamem-lhe o que quiserem, baixa, musseque, informal, a verdade é que parte da cidade, onde as pessoas vivem hoje, é auto-construída. Mais de três quartos da cidade é auto-construída. Basicamente, penso, o governo provincial não vai gostar de ouvir isso, mas essa é a minha opinião: Luanda está uma cidade entregue a si própria. O governo provincial não tem o controlo, nem do que deve ser feito.

 
O que é que falta?

Falta estratégia, planeamento urbano, gestão em redes,  um crescimento integrado e inclusivo, partindo da realidade para a transformar. Luanda cresce como cogumelos. Numa cidade consolidada como Luanda, a ninguém deveria ser permitido chegar, dar dois murros na mesa, dizer que manda e pode e lá está ele, num instante, a receber a autorização para erguer uma torre, sem ter em conta regulamentos, integração na envolvente, adaptação cultural, condições ambientais e orográficas que precisam de ser observadas para construir. Faltam-nos programas de desenvolvimento comunitário em articulação com planos estratégicos. Temos muitos planos megalómanos, mas a maior parte deles fica pelo caminho, outros são lentos na execução, como de resto acontece com os do sector económico. Noutros países africanos existem planos de desenvolvimento urbano e comunitários integrados, feitos de forma articulada com outros sectores que geram vida e desenvolvimento urbano, para assegurar o crescimento integrado e auto-sustentado das comunidades e das suas áreas residenciais.

 
Em meio de tantas incompatibilidades, na sua opinião, o que terá de facto motivado a fundação da cidade em Luanda?

O porto de águas profundas  que serviu como base da exportação de escravos. Mas nunca foi o sítio ideal para se fundar a cidade, pela longa distância que a separa dos rios, como fonte primária de abastecimento de água, a má orografia, os deficientes solos para construção. 

 
Mas mesmo com estes entraves a cidade cresceu e conseguiu se afirmar?

Isso apenas foi possível com a utilização de obras especiais, projectos de estruturas e implantação muito bem-feitos, e uma arquitectura, até 75, adequada ao clima tropical húmido. Por isso é que, apesar das grandes violações a que estão sujeitas, todos os dias, os edifícios na cidade, com os tanques de água e os geradores nas varandas, a sobre ocupação e outros atropelos, numa cidade moderna como a nossa, o pior não acontece. Mas neste momento, somos estruturalmente uma cidade em risco de desabamento.

 
De onde reside o segredo para essa aparente resistência dos edifícios?

Porque até à independência foram estruturalmente muito bem projectados, muito bem construídos e não sei se os que estão a ser construídas hoje têm a mesma resistência.

 
Não acredita que os novos edifícios construídos depois da independência tenham a mesma resistência?

O engenheiro Manuel Resende de Oliveira, de boa memória, afirmou, a dada altura, que esses edifícios que estão a ser construídos, nos últimos tempos, em Luanda, não estão a respeitar as regras que se impõem em solos desastrosos e localização geográfica como a de Luanda.

 
Quer dizer que podem desabar a qualquer altura?

Sim, isso é que o engenheiro Resende de Oliveira disse. Há edifícios que podem desabar já que as fundações e estrutura não estão adequadamente construídas. Não dispõem de condições para aguentar muito tempo. Um dia, essas falhas podem custar-nos muito caro. O novo edifício da Sonangol é um exemplo crítico. São obrigados a utilizar várias electrobombas todos os dias para bombear água da cave para fora.

Podemos dizer que Luanda tem mais de 400 anos de existência?

Em quatrocentos anos de colonização portuguesa em Angola não houve em Luanda o que se pode considerar desenvolvimento propriamente dito. Foi muito inexpressivo o crescimento que teve nessa altura. Eles tinham as suas atenções viradas para o porto, na baixa da cidade, que fez história, devido ao transporte e comércio dos escravos. A governação era feita desde o plateau topejado pela fortaleza de São Miguel, onde viviam o clero e a nobreza.  Não havia ainda colonização em Angola e a penetração dos portugueses não ia para além dos portos ao longo da costa. A penetração para o interior e a colonização aconteceram após o desenho à régua e esquadro da repartição das colónias na Conferência de Berlim, em 1885. Após a abolição da escravatura, o país e a capital começam a desenvolver-se, mas de forma muito lenta. Só no final dos anos 40, com a valorização das matérias-primas, nos principais mercados mundiais, o fim da 2ª Guerra Mundial e a pressão da ONU para a descolonização, se dá o enorme desenvolvimento urbano em todas as cidades angolanas, dando outro alento aos sectores da engenharia, arquitectura e construção.

 
Quando é que começou a dar os seus primeiros passos como uma cidade em franco crescimento?

Os anos significativos da sua afirmação como cidade, vão do início dos anos 50 até 75. Foram 25 anos de explosão e expansão imobiliária, facilitado pelo boom económico que se assistiu na altura, a todos os níveis, nos países produtores de matérias-primas, ao mesmo tempo que surgiram os movimentos de libertação.

 
Pode destroçar isso em miúdos?

A cidade de Luanda nunca cresceu de forma planificada ou com um esquema de orientação, previamente estabelecido. As decisões eram tomadas por partes e nunca para cidade no seu todo. Só em 1973, Luanda teve o seu primeiro plano director. O que houve no tempo colonial, de extremamente positivo, foi a arquitectura e não o urbanismo, bastante ventilada, com uma terceira janela, onde eram colocadas as redes de protecção contra os mosquitos, entre outros. Naquela altura, não havia os ar-condicionados nas casas e até hoje ainda é possível sentir esse enorme conforto nestas casas. As coisas eram feitas a pensar no clima. Todas arquitecturas tinham como a primeira condicionante o clima.

 

Onde é que podemos encontrar esses exemplos a que fez referência?

Reflectida na nossa arquitectura moderna temos exemplos como o Kinaxixi, que foi estupidamente derrubado e substituído por um elefante branco, o Ministério das Obras Públicas e outros edifícios que se encontram espalhados um pouco por todos os cantos da cidade. A cidade está cheia de edifícios ou habitações colectivas, se quisermos, os chamados prédios, exemplos absolutamente extraordinários da nossa arquitectura, em muitos casos, em forma de habitações sociais.

 
Pode indicar um destes edifícios sociais?

Aquele prédio célebre onde residiu a Gabriela Antunes na Av. Amílcar Cabral era um prédio de habitação social. Um edifício estudado em grandes universidades, devido a sua perfeição no que diz respeito à  adaptação climática. A PIDE não se apercebeu que o nosso movimento moderno era um grito contra o fascismo. Penso que por ignorância ou por não entenderem que pela arquitectura ou materialização física se afirma a face pública de um poder, neste caso concreto, em forma de um contra poder.

 
Tudo influenciado pela arquitectura portuguesa?

A influências são mais brasileiras do que portuguesas. Uma arquitectura moderna, aberta, sem muros, com varandas, persianas, palas de ensombramento, duplas peles que permitiam a circulação de ar que não permitia o aquecimento das fachadas por exposição directa ao sol. Uma relação cheia de espaços de transição, terraços, galerias ventiladas, muito ligada ao abstraccionismo, muito influenciado pelo Brasil, que então era o país arquitectonicamente mais importante do Mundo. Portugal tinha um regime fascista fechado e sem espaços para implementação de uma arquitectura moderna. Contavam-se pelos dedos os edifícios de arquitectura moderna que tinham naquele tempo. Sempre existiu uma ligação fortíssima entre Angola e o Brasil, relações históricas, de identidade. Não diria que somos irmãos, mas somos primos.

 
Como se justifica esta influência brasileira em Angola?

O Brasil era o país estrela do Movimento Moderno. O país tem um dos principais patrimónios de arquitectura moderna do Mundo. Era a utopia da construção do homem novo, da cidade no chamado século do povo. Nós sempre tivemos relações com outros países e o Brasil foi sempre um destes Estados a que, do ponto de vista histórico, estivemos sempre ligados, não só através de Portugal, mas directamente. Se forem ao Laboratório de Engenharia de Angola, que é um belo projecto do arquitecto Vasco Vieira da Costa, onde trabalhei durante alguns anos, vão poder encontrar na sua biblioteca  muita informação. Do Brasil, recebíamos muitos livros e formação também. Havia e continua haver uma rede internacional muito forte na área da arquitectura. Em termos arquitectónicos, o Brasil foi um país fundamental para Angola, com forte interacção de profissionais.

 
Qual era a origem dos arquitectos que trouxeram a arquitectura moderna para Angola?

Eram angolanos, mas também portugueses. Como em Portugal não tinham hipóteses de aplicarem os seus conhecimentos, devido ao fascismo, muitos fugiam para Angola. Entre estes, muitos eram opositores ao regime, com uma postura anti-fascista. Em termos históricos, Angola foi a colónia que mais recebeu pessoas contra o regime de Salazar, entre eles muitos arquitectos, mas professores, também, mais do que Moçambique.

 
Não havia faculdade de arquitectura em Angola?

Infelizmente, não havia e muitos angolanos iam fazer a sua formação em Portugal e também no Brasil. Só depois da independência, em 79, tivemos o primeiro ano do curso de arquitectura  em Angola. O arquitecto Vasco Vieira da Costa, que trabalhou com um dos arquitectos mais famosos do mundo, Le Corbusier, fundou a Escola de Arquitectura de Luanda.

 
Muito se fala em relação ao estado de conservação em que se encontra a cidade. O que é que acha que deveria ser feito para melhorar o estado actual em que se encontra?

Estudando, aprendendo, reflectindo, antes de tomar decisões. Se as pessoas não tiverem noção do que estão a construir ou destruir, o que queremos fazer do país, que identidade e futuro, queremos lhe dar, os resultados vão ser, sempre, extremamente danosos, como acontece nos dias que correm. É preciso tabalhar com profissionais angolanos, conhecedores da realidade, em cooperação com profissionais africanos e de países tropicais húmidos, com problemas semelhantes aos nossos.

 
Acha que o crescimento demográfico que se assistiu em Luanda de forma desordenada  terá  ditado o estado em que a cidade se encontra hoje?

Esse movimento migratório influenciou de forma muito significativa a evolução da cidade, porque não houve um programa estratégico para controlar e ordenar o êxodo populacional das pessoas que fugiam da guerra nas zonas rurais à procura de zonas mais seguras nos principais centros urbanos. Luanda, Lubango e Benguela são consideradas as mais críticas em termos demográficos. Não houve uma organização estratégica bem estruturada, para integrar as pessoas através de um planeamento urbano pré-definido. Foi assim em Luanda e todas as outras províncias. Isso é muito grave! Naturalmente, as pessoas têm que viver e isso é humano. Não havendo normas para regular esses assentamentos, nem fiscalização, nem orientação técnica, começaram a ocupar anarquicamente e a construir nos espaços, na chamada parte consolidada da cidade e em todas as áreas periféricas.

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