Opinião

Música para pensar o país

Adriano Mixinge

Escritor e Jornalista

Ouvir a música que acompanha, que testemunha, que consola, que desperta, que anima e que encoraja as novas gerações de cidadãos ajuda a melhor compreendê-los.

16/02/2021  Última atualização 09H45
Evidentemente, cada geração tem a sua banda sonora: é aquele grupo de canções completas ou o refrão de algumas, muito poucas, que ficam para a memória auditiva colectiva e que fazem que os músicos, uns poucos músicos sejam, depois, consagrados como "autores de culto”.

Numa festa ou em qualquer sentada, logo a seguir aos primeiros acordes das suas músicas, ouve-se um ou outro som, geralmente, uma interjeição, qualquer coisa semelhante a uma mola que faz com que as pessoas se levantem ou, simplesmente, mesmo quando permaneçam sentadas, cantem em coro, seguindo bem o tempo e a cadência delas, sem esquecerem do mais mínimo detalhe, sublinhando a importância que o tema musical em questão continua a ter para elas.

Quais são, então,algumas das músicas que fazem parte da banda sonora e dos "autores de culto” que acompanham o dia-a-dia destes jovens que se vão tornando adultos, ou, também, de muitos adultos que ainda não têm trinta anos de idade, mas que, no entanto, vêm acompanhando as produções musicais de diversos géneros, estilos e registos, em Angola e nas suas respectivas diásporas? O que é dizem alguns dos mais interessantes músicos na nova vaga?

Se ouvirem o tema "Vidas humanas importam” de MCK com participações de Telma Lee e Carla Moreno – por sinal, podem ver o vídeoclipe da EC Filmes onde aparece o Rafael Marques a fazer de padre -escutarão coisas como:
"A vida é o maior recurso de qualquer país/acima do petróleo e diamante estamos nós, pessoas”; "Nós temos os nossos Floyd`s”; "Tanta gente é morta por falta de patriotismo/nossa vida é predicado de um sujeito Paludismo”; "De irmão para irmão, temos o país/mas precisamos da Nação”.

Se, no entanto, escutarem o tema "Se der para ser feliz” de Nga/Monsta/Don G/Prodígio/DJ Tafinha e Van Sophie, pela Dope Muzik, escutarão aos músicos dizer:
"Eu preciso desse Sol na minha vida, minha cota/o brilho do orgulho nos olhos da cota/é um dos painéis solares que ilumina a minha rota/Não há holofote que pague/Escuridão que se propague”, ou ainda, "Se existir fome, que seja de amor/e se for para chorar, que seja de alegria/se for para perder, que seja só o medo/E se der para ser feliz ( eu quero é para sempre)”, por sinal um dos mais belos refrãos de música hip-hop que tenha escutado nos últimos tempos.

Não sei, ao certo, se as músicas de que vos falei farão parte da banda sonora da geração de cidadãos que maioritariamente as escuta, uma vez que elas são recentes e só o tempo o dirá. Mas, temos que admitir que mesmo havendo grandes fragilidades no sistema educativo e de ensino, no nosso país,é mais do que evidente que há um aumento da consciência e da maturidade política da juventude, nas zonas urbanas.

Esse aumento da consciência política está associado, por um lado, à maior escolarização, mas, também, por outro,ao impacto que têm o acesso à Internet e às novas formas de partilha, de distribuição e da comercialização da música. Neste sentido, a implantação das estações de rádio e de distribuição de televisão, por cabo, não é um fenómeno alheio, no qual a música politicamente engajada e irreverente soube ocupar o seu espaço.

Tudo isso só é possível porque, sem lugar a dúvidas, a música - entendida aqui como o conjunto de músicos, produtores musicais, engenheiros de som, estúdios e produtores de espectáculos musicais, entre outros profissionais deste subsector– é, dentre as manifestações artísticas, uma das que melhor resistiu à pressão, às clivagens e as contingências dos últimos quarenta anos da história política, social, económica e cultural de Angola.

A música e, particularmente, os criadores musicais souberam adaptar-se a todas as mudanças: foram os que mais rápido trouxeram a diáspora de volta a casa; são aqueles que falam dos problemas do quotidiano de maneira mais célere e oportuna, os que mais rapidamente se adaptaram às novas tecnologias e aos mercados, - mesmo a falta de uma melhor protecção dos seus direitos de autores e conexos - e, por conseguinte, eles são também aqueles que melhor nos fazem pensar o país e nos indicam como fazer a vida, a melhor maneira de nos conhecermos, com todos os nossos acertos e as nossas contradições.

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