Entrevista

“O Turismo é o ‘petróleo verde’ para a diversificação da economia nacional”

Manuela Gomes

Jornalista

O turismo interno em Angola vai dando sinais positivos em termos de movimentação dos residentes no país, assim como do turismo receptor. O potencial turístico do país encontra-se em todas as províncias, compondo uma oferta diversificada.

07/10/2023  Última atualização 09H30
Ministro Filipe Zau destaca potencialidades do sector turístico © Fotografia por: Edições Novembro
Em entrevista ao Jornal de Angola, em alusão ao Dia Mundial do Turismo, assinalado a 27 de Setembro, o ministro da Cultura e Turismo apontou como preocupações do sector a falta de sinalização turística, assim como de um sistema de placas, sinais e informações, projectadas para orientar os turistas e visitantes em uma determinada área ou destino.

É elegível pensar que há monopólio no funcionamento do turismo a nível global se olharmos para certas rotas e inclusive destino de certos cruzeiros?

Não existe um monopólio no turismo, mas o sector é dominado por algumas empresas e destinos muito populares. Grandes agências, companhias aéreas, redes hoteleiras e empresas de tecnologia desempenham papéis significativos na indústria do turismo. Além disso, alguns destinos turísticos mundialmente famosos recebem a maioria dos visitantes. No entanto, o sector também é diversificado, com muitas empresas menores e destinos menos conhecidos competindo por sua parcela de turistas. Portanto não é um monopólio, mas sim um mercado com uma concentração significativa de poder em algumas áreas.

Olhando para a realidade angolana, que turismo temos?

A partir de 2021, Angola entrou em processo de recuperação após os desafios causados pela pandemia de Covid-19, à semelhança de todos outros países do mundo. Angola possui um grande potencial turístico devido à sua beleza natural, diversidade cultural e história rica. O sector do turismo angolano tem trabalhado na promoção do turismo, na transformação dos recursos turísticos em produtos turísticos, na isenção e facilitação do processo de obtenção de vistos, e noutras acções que visem a dinamização da actividade turística no país.

Em que condições existe o turismo interno?

 Existe no país uma oferta turística bastante diversificada, com hotéis, aparthotéis, pousadas, aldeamentos turísticos, pensões, hospedarias, etc. Precisamos de alargar esta oferta incluindo as Habitações Locais e os Parques de Campismo, de modo a permitir a massificação da actividade turística no âmbito da estratégia do turismo inclusivo. De uma maneira geral, o turismo interno em Angola vai dando sinais positivos em termos de movimentação, quer dos residentes no país, assim como do turismo receptor. Temos a destacar a realização de vários eventos que propiciam grande movimentação interprovincial, como exemplo, a realização muito recentemente da Feira dos Municípios e Cidades de Angola, na província da Huíla. Ao nível do turismo receptor, o país recebeu nos últimos dois anos, sete navios cruzeiros. Igualmente, também nos últimos dois anos o país recebeu três comboios turísticos, que entraram pela fronteira do Lua na província do Moxico e percorreram todo o corredor do Lobito.

A Organização Mundial do Turismo (OMT) defende a necessidade de mais investimentos direcionados para as pessoas, planeta, com soluções que incidem na sustentabilidade. O que tem a dizer?

É importante realçar que as práticas sustentáveis são recomendadas para todos os sectores da Economia. No caso do sector do Turismo, os investimentos sustentáveis são importantes porque promovem práticas que minimizem o impacto negativo no meio ambiente, ajudando a protegê-lo. Por outro lado, o turismo pode ser uma fonte de renda e emprego para as comunidades locais, incentivando o desenvolvimento económico em áreas menos desenvolvidas, sem perder de vista a preservação da cultura, património cultural, promoção do respeito pelas tradições locais e o envolvimento das comunidades. Em suma, focar na sustentabilidade permite que o turismo seja uma indústria viável a longo prazo, evitando a exploração excessiva de recursos e a degradação ambiental.

Fala-se, hoje, muito em torno de uma nova estratégia de investimento em turismo. De que se trata exactamente e porquê?

A estratégia no turismo é traçada em função da realidade de cada destino. De um modo geral, existe uma visão em direcionar a estratégia de investimentos em experiências sustentáveis e autênticas que atraiam viajantes conscientes e interessados na cultura local. Isso pode incluir o desenvolvimento de acomodações e actividades ecologicamente correctas, parcerias com as comunidades locais e promoção dos destinos menos conhecidos. Além disso, a tecnologia pode desempenhar um papel importante na melhoria da experiência do viajante, oferecendo aplicativos e serviços personalizados. É crucial considerar as tendências actuais e as demandas dos viajantes para moldar essa estratégia.

O fim da pandemia da Covid-19 ou, pelo menos, o seu controlo tem ajudado o sector do Turismo a recuperar?

O turismo pós Covid-19 está passando por várias transformações e tem sido um desafio global. Os sinais de recuperação são positivos e destacamos aqui alguns considerados relevantes como a retoma das viagens que vem impulsionando a recuperação económica, criando emprego e estímulo ao crescimento, a aceleração da adoção de tecnologias inovadoras no sector, como check-ins sem contacto, pagamento digital e realidade virtual, melhorando a experiência do turista, crescente conscientização sobre a importância da sustentabilidade no turismo. Podemos destacar, também, alguns destinos turísticos antes superlotados agora podem oferecer uma experiência mais tranquila e autêntica devido às restrições de capacidade e a maior valorização das experiencias locais e autenticas, apoiando as economias locais, por parte dos viajantes.

Há consciência entre os angolanos sobre o papel do Turismo e como pode desempenhar o papel de indústria da paz e da reconciliação?

A consciência sobre a importância do turismo pode variar entre os angolanos. Uma minoria reconhece o potencial do turismo como fonte de receita e emprego para o país. O sector do Turismo tem feito esforços para promover o turismo como indústria importante, especialmente devido ao seu vasto património natural e cultural. No entanto, a conscientização pode variar de pessoa para pessoa, dependendo de factores como educação, acesso à informação e experiências pessoais. Reconhecemos que a promoção do turismo e a conscientização sobre os seus benefícios são desafios contínuos e é por esta razão que foi gizado recentemente o projecto "Juntos & Todos pelo Turismo” que tem como um dos seus eixos de actuação a conscientização da sociedade (da base ao topo) sobre a importância deste sector, e também o projecto "Educar para o Turismo” com a mesma vocação.

Os conhecedores do assunto divergem quanto ao tipo de turismo que temos, com alguns a defenderem que é inexistente, outros a alegarem que é residual. Que opinião têm sobre o assunto?

O Turismo é o "petróleo verde” que Angola deverá definir como aposta estratégica para a diversificação da economia nacional, pois, este é um país brindado pela natureza. Com 1.246.700 quilómetros quadrados de área e uma costa atlântica de 1650 quilómetros, este gigante africano repleto de riquezas naturais e de uma beleza ímpar reúne características únicas para o turismo e a capacidade de deslumbrar viajantes com os mais diversos tipos de interesses. O potencial turístico do país encontra-se em todas as províncias, compondo uma oferta diversificada em três produtos estratégicos que carecem de qualificação. Falo da "Cultura” entre festivais de música/culturais, festividades regionais, eventos e locais religiosos, competições desportivas, gastronomia e rota dos escravos. Ainda o "Sol & Mar” (praias, actividades náuticas, surf/windsurf, observação de cetáceos e a "Natureza” que representa passeios na natureza, safaris, observação da vida animal, descida de rios, entre outras.

Devemos contentar-nos com o nível de turismo interno que temos ou não?

O nível de turismo interno que temos está assente em vários factores, como a qualidade das infra-estruturas, promoção turística, atractivos naturais e culturais. Desejamos aumentar o turismo interno e para tal, precisamos de investir na melhoria desses factores e promover o potencial turístico para atrair mais visitantes nacionais e internacionais. As metas traçadas para o sector apontam para este sentido.

Falemos de infra-estruturas, qual é a estratégia de curto prazo para preparação dos factores mencionados.

Foi aprovado, na passada semana, o Plano de Desenvolvimento Nacional 2023/ 2027, no qual constam as acções e metas definidas para o sector do Turismo.

Quando olhamos para as nossas cidades, quem lá chega, pela primeira vez, não se consegue guiar turisticamente, escasseiam agências de viagens, itinerários devidamente definidos, "Flayers” com locais turísticos…

Realmente, esta é uma preocupação do sector, e que faz parte do conjunto de projectos existentes. Estamos a falar da sinalização turística, que é um sistema de placas, sinais e informações, projectadas para orientar os turistas e visitantes em uma determinada área ou destino. A este conjunto de informações, juntam-se os Postos de Informação Turística que concentram um conjunto de informações diversas. Precisamos também de impulsionar o surgimento de mais agências e guias turísticos especializados, visando fornecer informações mais direcionadas aos diversos tipos visitantes.

Temos uma longa fronteira de quase mil e quinhentos quilómetros e muito mal explorada, turisticamente falando!

Para o turismo, as fronteiras são portas de entrada para o interior do país, embora faça parte das projeções do sector trabalhar com as instituições afins na melhoria do atendimento aos visitantes. Mas o foco fundamental cinge-se na criação de condições dentro do país de modo a proporcionar uma estada marcante que propicie o desejo de regressar para uma outra experiência.

Os rios, com percurso navegáveis, são muito mal aproveitados. O que falta para um melhor aproveitamento?

Uma das actividades que contempla o produto de natureza são as descidas dos rios, ou seja, a navegabilidade dos rios. Mas importa realçar que certas actividades vão sendo realizadas em função da criação de condições em cada segmento turístico. E este trabalho faz parte do conjunto de acções projectadas para curto, médio e longo prazos.

As agências de viagem de turismo, como estão hoje, depois dos efeitos da Covid-19, que trabalho deviam fazer?

Com o surgimento da Covid-19, o sector do turismo foi um dos mais afectados. Mais de 95 por cento das agências de viagens tiveram as suas portas encerradas. No período pós-Covid-19, algumas vão dando sinal de ressurgimento de forma muito tímida, pois reconhecemos que estas precisam de apoio do Estado em termos de incentivos, conforme acontece em outras realidades.

Os guias turísticos, quem são e que papel exercem?

Existem duas associações de guias turísticos no país que vêm realizando as suas actividades de forma expressiva. Esta é uma actividade liberal mas que deve merecer a nossa atenção, sobretudo na qualificação técnico-profissional, pois é necessário padronizar as informações dadas aos visitantes e também aprimorar as técnicas de bem receber.

A que se deve a ausência da gastronomia angolana nos pacotes turísticos?

A gastronomia desempenha um papel fundamental no turismo, pois é um elemento-chave na experiência do viajante. Precisamos de  organizar e promover este segmento, e transformá-lo em produto turístico de excelência, capaz de motivar viagens dentro do país e também atrair turistas internacionais.

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