Cultura

Rey Webba: “Músicos angolanos precisam ser mais ousados”

Kátia Ramos

Jornalista

João Reinaldo Webba começou a cantar aos sete anos, quando participava nos cultos da Igreja Metodista Unida. Anos depois integrou o grupo coral da igreja.

11/02/2024  Última atualização 07H38
© Fotografia por: DR

Após o 25 de Abril de 1974, formou a banda "Angolense”. Tempos depois Rey Webba, com Juca, Raul Toolingas, Dulce Trindade e outros músicos formaram o grupo "Ufolo”, no qual participou como teclista. A banda fazia maioritariamente música de intervenção.

O "Rey”, do seu nome artístico Rey Webba, é o diminuitivo de "Reinaldo”, proveniente do nome completo de João Reinaldo Webba, cidadão que nasceu "há uns anos atrás” na província de Malanje, no município do Késsua. O artista reiterou ao Jornal de Angola a sua paixão pela província que o viu nascer e realçou a qualidade do seu município, caracterizando-o como sendo "especial”, pelo facto de ser muito associado à Igreja Metodista. "Sou malanjino, metodista do Késsua”.

Dada a sua ascendência, Rey Webba aponta que a sua história e veia artística começaram na localidade em que nasceu. Garante que o "município do Késsua e a música” já estavam em suas veias quando chegou ao mundo, mas somente aos sete anos de idade soltou a voz para cantar em público.

Filho do enfermeiro José João Webba e da professora Lina Vítor Fernandes Dias, é pai de seis filhos, sendo quatro meninas e dois rapazes, dos quais dois ainda menores, de 12 e 14 anos.

O músico contou que do lado paterno a família Webba é constituída por músicos, sendo que o seu avô é o autor de vários hinários da Igreja Metodista. Vários dos seus tios deram continuidade à vertente musical associada ao Metodismo, sendo um regente e o outro pianista dos coros da referida igreja. Seu pai, por sua vez, foi um exímio acordeonista.

Webba cresceu em um ambiente de cânticos religiosos. Por imposição do seu pai fez parte do coral das crianças da igreja, razão pela qual considera que a música nasceu com ele. Em 1974, depois de montar a banda "Angolenses”, passou a fazer música "de forma mais cultural”. Era o ano da transição para a Independência de Angola, caracterizado pela agitação político-revolucionária, e, já em Portugal, Rei Webba e sua banda "Ufolo” passaram a fazer música de intervenção política. Webba era teclista e acordeonista e um dos vocalistas era o Carlos Burity. Outros membros da banda eram Ruy Mingas, Zecax, Brando e outros, que já não fazem parte do mundo dos vivos.A banda fez muito sucesso com canções que apelavam à mudança social, razão que os levou a ser os primeiros músicos a viajar para o Congo Brazzaville, ao encontro do MPLA, então lá sediado.

Webba interrompeu o sucesso musical de que desfrutava para responder ao chamado da pátria em perigo, incorporando-se nas Forças Armadas. No início dos anos 1990 decidiu seguir a arte de cantar a solo e em 1992 decidiu emigrar para Portugal em busca de melhores condições de vida.

Recebido pelo amigo Eduardo Paim, com quem realizou alguns trabalhos,fundou novamente um grupo, desta feita "Os Ken Boys”, que lançaram algumas músicas que tocaram muito em Angola. É dessa época o grande hit do artista, "Kamanga”.

Em 1995 a sua música, pela sua versatilidade, passou a ter um grande impacto, tocando muito tanto nas casas nocturnas de Portugal como em Angola. Era um misto de Kuduro, Semba e Kizomba.

"A música não retratou a minha vivência, mas a composição da melodia foi implementada com as minhas experiências como imigrante e no facto de há muito tempo trabalhar com música”, disse o artista, comentando o seu grande sucesso "Kamanga”.

 
Primeiro disco do estilo Kuduro

Foi em Portugal que Webba gravou o primeiro disco do estilo Kuduro, "Kamanga”, mas não se identifica como sendo da área. Considera-se um "artista no geral”.

De forma a se virar em terras de Camões, chegou a trabalhar nas obras, que era o emprego mais ao alcance dos imigrantes. A música "Kamanga” é um pouco resultado da vivência com os seus amigos, igualmente imigrantes, e que trabalhavam nas obras por conta das circunstâncias.

"Muita gente pensa que é uma história contada na primeira pessoa. As pessoas com quem eu lidava, trabalhavam nas obras e hoje são grandes homens da nossa sociedade. Ao fim da tarde sentávamo-nos todos, os angolanos, e bebíamos uns copos. Não lembrávamos do sofrimento durante o dia, recordávamos das coisas da nossa banda e assim matávamos as saudades, tudo ficava leve ao fim da tarde. Bastava que houvesse dinheiro no bolso e curtíamos as discotecas ao fim de semana”, disse Rey Webba.

Escreveu a música "Kamanga” sobre as histórias vivenciadas pelos seus amigos e um dia, numa discoteca de Lisboa, com o seu amigo Zé Carlos Guimarães, o famoso jogador de básquete, este pediu ao DJ para tocar a música gravada numa cassete. Desde aquela noite, o autor perdeu o controlo do hit que tocava em todas as casas nocturnas e rádios dos dois países, Portugal e Angola.

A música foi considerada uma espécie de hino dos angolanos, muitos dos quais se identificavam com a realidade cantada. Não tardou e foi convidado pela Casa Blanca e pela Rádio Luanda para vir cantar a música em Luanda.

Definitivamente de regresso a Angola por razões familiares, Rey Webba trabalha actualmente na direcção musical de vários artistas no mercado. Por exemplo, é o autor da letra e instrumentalização do hit "Macumba” interpretado por Yuri da Cunha, bem como de "Cupido” cantado por Ângelo Boss.

Trabalhar com a juventude é o que mais gosta de fazer, pois, segundo contou, a interacção com os mais novos lhe permite doar o seu saber e receber as inovações da nova geração. "Actualmente a música tem a vantagem de ser executada tecnologicamente, o que facilita ter vários cantores temporários no mercado, mas quando a música é feita com os ritmos e batidas adequadas, a melodia tem o seu sabor, razão pela qual muitas delas tocam com a mesma vivacidade vinte, trinta anos depois”.

"Sou da geração que faz música acústica e em tempo real, é neste sentido que gosto de trabalhar até hoje. Fico em estúdio a trabalhar mais de 18 ou 20 horas e não me canso de analisar os ritmos e tudo aquilo que dá gostinho nos ouvidos do apreciador, o amante da música angolana. Quanto à nova geração que faz músicas mais efémeras, que duram pouco tempo, necessitam estudar o processo do encanto permanente, para que sejam clássicos duradouros e soltar o imediatismo. Para tal tem de haver humildade para aprender e nós, os kotas, também temos muito a aprender com os jovens”.

Rey Webba acresceu que a música "Kamanga”, apesar de ser uma das suas mais tocadas (e toca muito até hoje), não lhe fez ganhar dinheiro, pois, no seu dizer,"não foi feita com esta finalidade”. Mas reconhece que esta música o lançou firmemente no universo musical, onde hoje conta com um prestígio credível, o que o torna um "projector” para muitos artistas.

A nível de prospecção musical em Angola, o artista tem a convicção que houve uma grande evolução na lírica, pois tem visto vários jovens artistas a escreverem sobre o amor com uma grande inspiração. "Considero que há compositores que valorizam os reencontros com a música africana e um deles a fazer boa música é o cantor Gerilson Insrael, que buscou fontes de inspiração na Nigéria e se reencontrou, pois a música é o Semba, Kilapanga, Txianda e outras. Há uma necessidade da música angolana conquistar Africa, sendo este um ponto não muito visível, visto que o Semba necessita ser conhecido nos PALOP”.

 

Ir cantar mais longe

Ainda segundo Webba, o importante não é concorrer para prémios da música, mas manter a essência da melodia, da musicalidade angolana. Mas, para tal, é necessário que haja ousadia.

"As grandes cantoras angolanas estão muito focadas no país, têm capacidade de estar em grandes palcos mundiais, mas não passam de Portugal e Moçambique, enquanto existem músicos africanos a cantar no Japão, China e noutros países de outros continentes. Meu desejo é que a nossa música chegue a tal nível, porque temos bons executantes, instrumentistas e intérpretes”.

Reinaldo Webba, presentemente, trabalha somente na produção e direcção musical, depois de ter sido militar, piloto de aeronaves e trabalhar por um curto tempo na construção civil. Depois de ter sido considerado "ovelha negra” da família pelo facto dos seus pais, muito religiosos, não quererem ver o filho inserido no mundo artístico (mundano), hoje aposta na produção de música Gospel, como forma de se "redimir” e se realinhar com a tradição e o legado religioso da família.

Vindo de uma família que também assentou arraiais no mundo do Direito, Rey Webba não queria ser mais um jurista na família, pois a música lhe falava mais alto. "A música nasceu comigo, a musica é que me escolheu. Meu pai tocava todos os dias um acordéon em casa, mas nunca entendeu que eu escolhesse a arte como carreira, para ele seria mais fácil ver-me cantar na igreja. A componente musical sempre falou mais alto em mim”.

Naquela altura a música Gospel não era comercial e não se fazia sentir no mundo artístico. Ela, em Angola, começou a dar os seus primeiros passos há poucos anos. "Trabalho com o Gospel e estou a produzir o álbum do Cálcio Mambo. Vou lançar nos próximos meses algumas músicas Gospel minhas”.

Neste momento está também a trabalhar no projecto "Duetos de Amor”, em homenagem ao falecido músico Beto de Almeida, com quem trabalhou durante muito tempo e fizeram juntos a música "Amor Melaço”. Neste projecto estão envolvidos músicos como Ismael Benguela, Jojó Gouveia e outros.

Para este ano, o cantor está apostado em fazer uma nova versão do seu grande hit "Kamanga”, incorporando estilos "mais africanos” de forma a respeitar a sua ancestralidade. O músico, que já passou pelo estilo Kuduro, reconhece que este estilo tem época e serve melhor para os jovens.

O artista, que está acostumado à diversificação, fez um disco com o renomado cantor Lutchiana Mobulu, onde gravaram canções em francês nos estúdios da Valentim de Carvalho, e que justificou a digressão da banda "Ufolo” ao Congo Brazzaville.

Sem saber quantos discos tem no mercado, o cantor disse apenas trabalhar por prazer, sem olhar muito para a questão financeira. Sabe apenas que tem várias musicas registadas na Sociedade Portuguesa de Autores (SPA).

Tem mais de 100 músicas suas, com a composição por terminar, no seu telemóvel. "Escrevo sobre tudo que me inspira. E é algo natural para mim compor uma canção, visto que uma música tem somente sete notas e as minhas músicas estão sempre a contar histórias. Assim surge a minha inspiração, todas as coisas podem dar uma boa canção e depois vou distribuindo aos cantores que fazem parte do meu leque”.

Considera-se uma pessoa solitária por viver sozinho, razão que o leva a compor muitas músicas. "Já andei muito nas noites dançantes e agora prefiro curtir a minha própria companhia, não me canso de ler, ouvir música e caminhar na companhia das minhas filhas”.

Dada todas as suas aventura, considera que hoje devia estar realizado financeiramente, por tudo o que já fez. Mas é uma situação que não o desanima, pois entrou para a música numa altura em que esta não dava dinheiro. Sente-se realizado por ser respeitado no meio artístico e agora pretende apostar muito mais na sua carreira.

Por saber o que quer, disse que hoje vive uma verdadeira paz de espírito, do jeito como idealizou. Sonha em ter um programa de TV, com a finalidade de abordar todo o percurso da antiguidade, normas e regras da música. Pretende também ensinar a tocar acordéon.

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