Entrevista

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“A capacidade de geração de energia limpa pode posicionar Angola na linha da frente no sector energético”

O quadro sénior da consultora Deloitte, que interveio num painel sobre Angola, entende que se está a atravessar uma era de grandes oportunidades de transformação.

13/10/2023  Última atualização 13H14
Frederico Martins Correia, Partner da Deloitte © Fotografia por: |Edições Novembro
Todavia, para conseguir responder aos desafios  de sustentabilidade, é preciso que se adopte uma visão integrada das vantagens e dos desafios com que o mercado africano, mais especificamente o angolano, enfrenta

O que representa para a indústria do óleo e gás angolano a realização e a presença neste fórum de Cape Town, na África do Sul?

Angola é, a par da Nigéria, um dos maiores produtores de petróleo e gás do Continente, e este é um momento-chave para captar a atenção de investidores internacionais e operadores, com o objectivo de reforçar a sua posição no sector no país. Este certame na África do Sul marca sempre a agenda dos grandes operadores e as principais tendências de mercado.

O interesse pelo continente de outros parceiros geoestratégicos pode traduzir-se em mais investimento no sector do Petróleo e Gás nos países produtores?

Indelevelmente, e em particular em Angola, o declínio das reservas de petróleo dá um novo impulso à desejada transição energética para uma economia mais diversificada e matriz energética mais sustentável, abrindo-se oportunidades de operação e cooperação ao longo da cadeia de valor do sector de Energia.

Os governos africanos dão a devida atenção à indústria do OG e aos desafios que se lhe colocam?

Existem áreas de forte potencial que poderiam beneficiar de uma visão mais agregada e continental e esta aposta funcionaria como uma alavanca decisiva no desenvolvimento do sector e de outras indústrias adjacentes. Os recursos naturais disponíveis, em particular a nível subsaariano, podem ter uma matriz de geração complementar e agregada entre os diferentes países, maximizando a sua disponibilidade energética e optimizando o investimento e o custo associado à sua exploração.

Actualmente, debate-se muito sobre a continuidade da exploração petrolífera e o avanço necessário da transição energética. Qual é a visão da Deloitte sobre a co-habitabilidade destes dois binómios?

Na perspectiva da Deloitte, estes binómios podem favorecer países como Angola, uma vez que o país tem enormes potencialidades na sua capacidade produtiva e pode aumentá-la com a co-habitabilidade. A capacidade de geração de energia limpa, através dos nossos recursos hídricos e dos investimentos em curso em projectos solares, pode posicionar Angola na linha da frente no sector energético.

O facto deste encontro de Cape Town ocorrer poucos dias depois do que aconteceu em Setembro em Luanda, o que é que acrescenta ao nosso país? O painel sobre Angola, que moderou, que imagem transmitiu da nossa actividade petrolífera e dos resultados que deve alcançar a curto prazo, designadamente ao nível da estabilização dos níveis de produção?

O encontro realizado em Luanda foi muito positivo e a presença do secretário-geral da OPEP, Haitham Al-Ghais, no mesmo é a confirmação disso. No entanto, o Africa Oil Week é um certame com três décadas de existência e a par do World Petroleum Congress os eventos de maior notoriedade mundial para o sector petrolífero. Neste contexto, o painel sobre novas Licenças de Operações Onshore e exploração de campos marginais num contexto internacional foram chave para suster e potencialmente aumentar os níveis de produção do país nos próximos cinco anos.

África pode reforçar a sua posição e importância na geopolítica mundial do sector petrolífero? E Angola, que dizem determinadas fontes, é o terceiro produtor africano, pode subir neste ranking?

África tem condições para reforçar a sua importância geoeconómica, pois tem uma capacidade potencial real de garantir um valor de produção agregada equivalente a cinco milhões de barris/dia num cabaz de produção da Líbia, Nigéria e Angola e, apenas nesse cenário em que a Líbia e a Nigéria se aproximem de uma produção diária de dois milhões de barris/dia é que Angola será o terceiro produtor, pois à data, os três países disputam a posição de maior produtor continental com produção média em cada um entre 1,1 e 1,25 milhões de barris/dia. Adicionalmente, no contexto continental,  devemos considerar o potencial de geração de gás de Moçambique e que, se confirmando o reinício das operações locais anunciado na semana passada pelo CEO da TotalEnergies Patrick Pouyanné, é uma  alavanca importante para África no contexto geoeconómico mundial.

Há muitas reservas confirmadas em Angola e noutros países do continente, mas a falta de tecnologia interna e de mão-de-obra coloca o continente sob forte dependência externa. Que efeitos tem esta dependência na imagem que o sector de Petróleo e Gás projecta no mundo sobre África?

No que concerne à operação, África tem mão-de-obra qualificada no sector há vários anos. No caso particular de Angola desde 2009/ 2010 que a maioria das operações são asseguradas por mão-de-obra nacional e com reconhecimento por partes dos operadores de referência global, conhecidos como SuperMajors, e uma prova disso mesmo foi o facto de, em 2020, em plena pandemia de Covid-19 a maioria dos operadores presentes em Angola terem reduzido quase na totalidade a presença de quadros estrangeiros nas operações nacionais sem impacto na produção agregada do país nesse ano e nos anos seguintes. Relativamente à tecnologia, temos ainda muitas oportunidades de melhoria e desenvolvimento, uma vez que esta é maioritariamente desenvolvida em dois pólos industriais, Estados Unidos da América e Europa.

Angola diz sim à transição energética, mas sem abdicar da exploração petrolífera tradicional… é possível conciliar uma coisa e outra?

Estamos a atravessar uma era de grandes oportunidades de transformação e para conseguirmos responder aos desafios de sustentabilidade precisamos de adotar uma visão integrada das vantagens e dos desafios com que o mercado africano, mais especificamente o angolano, enfrenta. Os modelos de co-habitabilidade são parte deste processo de transição energética e reflectem à procura de soluções globais por parte dos líderes e dos próprios consumidores. Diria que Angola deve aproveitar o facto de ter exploração petrolífera tradicional para sustentar e subsidiar esta transição energética.

Quais as mensagens-chave que ficaram do painel em que participou sobre transição energética?

A mensagem-chave  do painel, no contexto continental, é de encarar a transição energética como um processo contínuo e faseado, e não como algo abrupto, pois a capacidade de desenvolver fontes alternativas de energia é distinta em cada país, pelo que é crucial garantir a sustentabilidade do processo, de forma a não pôr em causa o desenvolvimento industrial e económico de cada país e, acima de tudo, garantir o acesso da energia à população e aos serviços-base de uma sociedade.

A mensagem sobre a TE está a ser bem comunicada global e localmente?

Penso que a compreensão sobre o tema e consequentemente as mensagens sobre o mesmo estão a melhorar. Antes da pandemia de Covid-19 o movimento de transição estava a ser encarado de uma forma algo abrupta e pouco sustentável, pois colocava em questão a capacidade de países menos desenvolvidos e com menor capacidade financeira poderem manter a sua rota de evolução social e industrial. A situação de pandemia vivida em 2020, fomentou uma maior reflexão sobre o tema e, hoje, considero que o rumo que estamos a seguir é mais agregador e sustentável, e assenta numa visão de adição de recursos alternativos e numa conversão faseada. Neste contexto Angola não é excepção, e o exemplo disso é que, para além dos investimentos na exploração e produção petrolífera, que tem permitido aumentar a produção nacional, existem vários projectos de energias renováveis em fase avançada de execução.

O desinvestimento na exploração tradicional deve-se a factores de mercado ou a opções estratégicas dos financiadores?

O desinvestimento deveu-se essencialmente à incerteza causada pela pandemia de Covid-19. Após isso, nos anos de 2021 e em particular em 2022, já assistimos a novos investimentos por parte dos grandes operadores petrolíferos a nível global e também em Angola. Naturalmente, que as grandes companhias e as instituições financeiras estão, hoje, mais receptivas a projectos que com uma pegada de carbono mais neutra, mas também neste contexto, a análise e o balanço entre projectos de exploração petrolífera tradicional e renováveis está actualmente mais equilibrado do que há 3 anos.

 Quanto custará a países como Angola operacionalizar a TE?

O valor dessa "factura” é distinto em cada país, pois depende da conjugação de dois factores: (I) a base de recursos naturais exploráveis, e (II) o nível de maturidade de exploração que cada país tem. Neste contexto, o processo de transição energética em Angola é, por exemplo, mais efectivo do que num país que não tem igual nível de reservas geológicas e hídricas, e que irá ter um custo maior associado à transição, na medida em que irá ter menor capacidade de adição de diversas fontes de energia para suprir as suas necessidades de consumo.

Até ao final do ano que comportamento se pode esperar do sector de óleo e gás em Angola e no mundo?

No contexto de Angola, aguardamos com expectativa a receptividade e interesse dos operadores e investidores à licitação dos 12 blocos anunciados pela ANPG na semana passada, e o potencial impacto na produção nacional das campanhas de revitalização de produção em execução por alguns operadores. No continente Africano, as atenções estão centradas na reactivação da operação de gás em Moçambique a no arranque da indústria petrolífera na Namíbia. A nível global, penso que teremos um olhar atento da OPEP à dinâmica económica global, de forma a controlar os índices de produção no sentido de não termos um recuo abrupto do preço do barril em mercado internacional.

O que podemos concluir de tudo o que disse?

Conforme referi nesta entrevista e está sistematizado no estudo Africa Energy Outlook apresentado pela Deloitte esta semana, o ponto de partida para um caminho de transição energética em Angola é interessante, mas necessita de forte investimento em transmissão e infra-estrutura de distribuição, visto que a interconectividade de Angola é limitada. Desta forma, para garantir uma matriz de geração mais limpa e aumentar a taxa de electrificação nacional será necessário investirmos no quadro regulamentar de forma a atrair investidores privados e continuar a desenvolver conhecimento técnico dos quadros nacionais de forma a garantir a ambicionada transição energética em Angola.

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