Entrevista

Ambientalista reconhece fragilidades na entrada de substâncias sem permissão

Manuela Gomes

Jornalista

Karélia Costa, coordenadora da Unidade da Camada de Ozono, em declarações ao Jornal de Angola, em alusão ao Dia Mundial da Preservação da Camada de Ozono, que hoje se assinala, assegurou que, apesar do país estar a dar passos significativos no cumprimento dos protocolos ratificados, ainda são registadas algumas fragilidades no controlo da entrada de substâncias que empobrecem a camada de ozono.

16/09/2023  Última atualização 12H30
Karélia Costa, coordenadora da Unidade da Camada de Ozono © Fotografia por: João Gomes| Edições Novembro
Como reverter o actual quadro de degradação da camada do Ozono?

Angola já vem desenvolvendo acções desde a sua adesão à Convenção de Viena e ao Protocolo de Montreal. Fizemos uma inventariação a nível nacional das substâncias que destroem a camada de ozono e percebeu-se que a maior parte estava enquadrada na economia informal. Felizmente, Angola, dificilmente, produz essas substâncias, a maior parte é inserida em território nacional por importação. Havia a necessidade de ver como é que era feito o uso, venda, comércio e transporte dessas substâncias. Para o efeito, numa primeira fase, reduziu-se os clorofluorcarbonetos (CFCs) que, de certa forma, são os que têm impacto menos nocivo, enquanto os halons (produtos químicos para extinção de fogo) e o brometo de metilo (gás incolor, com suave aroma não inflamável) são substâncias que ainda estão enquadradas nas actividades económicas do dia-a-dia. Fizemos um levantamento em componentes como a refrigeração, ar-condicionado, extintor de incêndios e agricultura, onde percebeu-se que a industrialização ia aumentando. De salientar que, em 2010, Angola eliminou, totalmente, os CFCs, brometo de metilo e os alons, proibindo a sua entrada no país.

Angola faz parte de um conjunto de países nas regiões menos desenvolvidas do mundo que menos poluem, mas que mais sofrem com os efeitos. Até que ponto estamos preparados para lidar com esta tendência?

Podemos dizer que estamos bem por um simples facto, não somos produtores de substâncias que destroem a camada de ozono, somos apenas importadores e isto já nos facilita, devemos agora primar pelo controlo e entrada dessas substâncias. Temos algumas fragilidades do ponto de vista das nossas fronteiras terrestres, mas temos contado com o apoio da Polícia Nacional, que, cada vez mais, tem-se habilitado nesse sentido. Por outro lado, tem-se visto uma mudança da economia informal para a formal, permitindo que muitas substâncias não estejam expostas no mercado. Cada vez mais, o cidadão angolano ganha consciência dos perigos à volta do uso inadequado de equipamentos que ameaçam a sua vida. Temos visto, a nível internacional, muitos produtos obsoletos e outros que deixaram de circular por causa das proibições. O país recebe, apenas, matérias actualizadas a nível mundial.

Diz-se que a protecção da camada de ozono passa também pelos cidadãos, que devem garantir que não estão a utilizar de forma irresponsável produtos ou equipamentos como frigoríficos ou balcões frigoríficos e extintores de incêndios. Para quando em Angola a aprovação de legislação para acautelar esses factores?

Pretendemos iniciar um levantamento, em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) para saber como estamos a nível de medidas. É necessário actualizar e legislar melhor a entrada, uso e circulação das substâncias. Após esse trabalho o país estará em condições de saber a quantidade de hidrofluorcarbonetos em circulação no território nacional e aprovar uma legislação, tendo em conta a Emenda de Kigali, aprovada em 2020. Infelizmente, durante o período da pandemia da Covid-19, muitos dos levantamentos que deviam ter sido feito ficaram condicionados.

Voltando à pergunta anterior, o que falta para o lançamento de uma campanha de educação e sensibilização visando um melhor conhecimento da sociedade sobre o que está em causa?

Temos feito campanhas e aberto laboratórios nalgumas províncias para rever a questão da refrigeração, quer dos aparelhos de ar-condicionado, das geleiras e os produtos que englobam os clorofluorcarbonetos, no sentido de cumprirmos com as metas do Protocolo de Montreal. Além disso, temos um programa de implementação que também é uma obrigação do Protocolo por nós ractificado. Antes do período da pandemia, realizamos algumas acções que depois de um tempo tiveram uma certa paragem, devido a questões internas. Queremos empreender uma nova dinâmica. Vamos, também, através da Unidade Nacional de Ozono, alinhar acções de educação e sensibilização ambiental para que o cidadão esteja mais habilitado a  identificar o tipo de substância que deve ser colocada na sua viatura, residência ou empresa.

 Vamos, no próximo mês, realizar um seminário de reforço da capacidade de vários actores, entre eles o pessoal das alfândegas, Polícia Nacional, academia, importadores e empresários na área de refrigeração, para dotá-los de conhecimentos em matéria de identificação e monitorização das substâncias. Vamos, também, lançar uma campanha de sensibilização massiva para que a população conheça, cada vez mais, essas substâncias e como controlá-las. A nível das escolas  temos disseminado informações, por meio de cartilhas e folhetos, sobre a preservação da camada de ozono.

As queimadas, que de alguma maneira contribuem para a emissão de gases nocivos para a atmosfera, são uma realidade secular nas nossas comunidades. Em tempos, publicaram-se imagens de satélite onde, alegadamente, Angola aparecia como um dos países mais afectados. Como estamos hoje?

Existem vários tipos de queimadas, as que facilitam certas espécies num contexto agrícola a crescerem com mais vigor e as tidas como hábitos e costumes da população do interior. A nossa preocupação é o descontrolo das queimadas que nem sempre são feitas de forma certa, o que faz com que prejudiquem florestas, zonas e savanas com espécies específicas. Quando queimamos em excesso estamos a contribuir, também, para a infertilização dos solos, acabamos por colocar os nutrientes à superfície e, naturalmente, quando surgem as chuvas acabam limpando a camada e o húmus (matéria orgânica depositada no solo), que é essencial para uma boa colheita.  As queimadas, também, estão associadas aos fenómenos da caça furtiva e ao desmatamento descontrolado, que prejudicam a biodiversidade.

  Uso de tecnologia como a geoespacial e satélite
É impossível a implementação de políticas e medidas que proporcionem um ambiente de zero queimadas em todo o país?

Angola está enquadrada nos esforços que o mundo tem desenvolvido que fazem com que a camada de ozono esteja a recuperar. Vamos, daqui em diante, monitorar, do ponto de vista mais directo, fazendo uso de tecnologia como a geoespacial e satélite, para que possamos chegar onde ainda não chegamos. Queremos sensibilizar mais, particularmente, naquelas províncias com índice elevado de ocorrências de queimadas. Temos programas locais específicos sobre educação ambiental para desincentivar as queimadas. É verdade que ainda não estamos satisfeitos, temos um elevado número de população rural, muitas vezes em áreas de difícil acesso, sendo difícil fazer chegar a informação e sensibilizar para que se evitem as queimadas.

Que medidas existem para impedir ou controlar a entrada em Angola de aerossóis, artigos de refrigeração ou espumas, que tenham CFCs (substâncias químicas sintéticas)?

Temos feito o controlo a partir das alfândegas. Fazemos monitorização das substâncias que são importadas, onde é avaliada se a entrada no país é permissível. Para o efeito foram capacitados técnicos da alfândega para que possam reforçar a identificação das substâncias e a monitorização.  Fez-se, também, um trabalho a nível da academia e Instituto Nacional de Formação Profissional (INEFOP), que têm a responsabilidade de capacitar os técnicos de frio e refrigeração. Por outro lado, com o intuito de dar suporte tecnológico, foram criados laboratórios de identificação de gases, em seis províncias, e criados centros de formação e capacitação. Pretendemos criar, em breve, centros de recuperação e reciclagem dessas substâncias, acoplados ao INEFOP. Após isso, estaremos em condições de quantificar e definir actividades, porque os importadores precisam ter uma informação clara de como devem proceder diante das substâncias e equipamentos utilizados. Temos uma base de dados a nível da alfândega, alinhada à base de dados de licenciamento do Instituto Nacional de Gestão Ambiental.

Tem havido irregularidades por parte dos importadores?

Sim, tem havido algumas irregularidades e quando são detectadas faz-se a apreensão das substâncias e é aplicada uma penalização ao importador, com base nas futuras de importação. Apelamos aos importadores que estejam cada vez mais conscientes do seu papel. Do ponto de vista industrial, o uso não é tão elevado como nos países desenvolvidos. Estamos bem direccionados no sector de refrigeração e climatização.

Se tivesse que aconselhar os cidadãos e as comunidades sobre as medidas a adoptar para preservar a camada do ozono o que iria priorizar?

O que mais nos preocupa, enquanto Ministério do Ambiente, é como essas substâncias são usadas no dia-a-dia. Muitas vezes notamos que a população e instituições usam técnicos que não entendem da matéria. Apelamos à sociedade para que opte por empresas legítimas para o serviço de refrigeração, venda ou comprar de substâncias certificadas no país.

Comentários

Seja o primeiro a comentar esta notícia!

Comente

Faça login para introduzir o seu comentário.

Login

Entrevista