Entrevista

Entrevista

“Deveria haver mais intercâmbio entre as escolas agrícolas e os pequenos produtores”

Adérito Veloso

Jornalista

Apesar dos membros da Cooperativa de Agro-pecuária e Pescas do Lombo terem os seus campos agrícolas a 72 quilómetros da cidade de Luanda, enfrentam muitas dificuldades em escoar os alimentos. Ainda assim, o seu presidente diz que o sector agro-pecuário nacional tem tudo para dar certo, basta que se aposte e acredite nas potencialidades que o país dispõe em abundância.

28/10/2023  Última atualização 07H35
Carlos Paiva, Presidente da Cooperativa Agro-pecuária da Barra do Kwanza © Fotografia por: Luis Damião | Edições Novembro

Fale-nos da Cooperativa Agro-pecuária da Barra do Kwanza?

A cooperativa foi criada em 2020 por jovens empreendedores com o nome de Cooperativa de Agro-pecuária e Pescas do Lombo, abreviadamente (CAPLO). Tem a sua actividade fixada na comuna da Barra do Kwanza, mais propriamente no Vilarés do Dondo. O objectivo foi uma reunião que os jovens tiveram e foi criada no sentido de a mesma estar presente e contribuir para a massificação da economia a qual a governação central tem implementado alguns programas. A  cooperativa tem várias actividades como é o caso da agricultura, a pecuária que consiste na criação de gado bovino, caprino e suíno. Com a empresa Mangais já realizamos duas feiras de agro-negócios, uma em Dezembro de 2022 e outra em Junho de 2023.
 

A vossa Cooperativa alberga quantos membros?

Actualmente a cooperativa está com 34 membros. Há alguns que praticam a actividade agrícola e outros a pecuária.

A região onde estão instalados é propícia para a produção agrícola?

A região onde estamos instalados é sim propícia para a produção agrícola, mas nalgumas partes o rio fica muito longe, havendo espaços que estão a dois, três quilómetros de distância.
 

Qual tem sido os níveis de produção?

Os níveis são muito baixos porque temos problemas de vária ordem, desde a rede eléctrica à água. Veja que a rede eléctrica passa mesmo por perto, temos vários postos a seis quilómetros de distância da nossa zona, temos um posto de transformação a quatro quilómetros de distância e no entanto são esses problemas que fazem com que a gente não tenha uma certa satisfação e termos os níveis acima da média.
 

Mas, ainda assim está satisfeito com os níveis actuais de produção a cada Ano Agrícola?

Não. Claro que não estamos satisfeitos com  o nível de produção, temos um grande problema que é a luz eléctrica, a água está muito distante, as vezes temos de esperar a época em que há mais chuvas, faltando combustíveis, lubrificantes e acessórios para a reposição de peças no sentido de sustentarem os equipamentos que temos.
 

Que produtos se destacam?

Os produtos que se destacam na parte pecuária temos a produção do gado caprino, suíno, avícola, quanto à produção agrícola, temos a produção de tomate, cebola, berinjela, banana. O milho também é rentável em tempos de chuva intensa, e na parte de frutícola e citrinos temos a produção de maracujá, goiaba, e limão.
 

Em média, em quantos hectares produzem por ano?

A cooperativa pratica várias actividades, e por exemplo, falando da actividade agrícola, estamos a falar em média de 40 hectares por ano.
 

Quem são os compradores das vossas culturas?

Temos vários compradores dos nossos produtos, desde supermercados, restaurantes e o público em geral.
 

A nível de Luanda não se coloca a questão do escoamento da produção. Estou certo?

A nível de Luanda coloca-se a questão do escoamento. Veja que a Barra do Kwanza está a 72 quilómetros da cidade de Luanda, muitas das vezes fica difícil escoar os produtos paraLuanda sem meios.
 

A campanha agrícola 2023/2024 já arrancou. Como é que a vossa associação  está a se preparar?

Estamos sempre preparados. Agora, tem de haver mais incentivo, mais acompanhamentos, aconselhamentos e não só vir com questões burocráticas.
 

Só com uma formação sólida dos nossos agricultores, teremos uma produção em grande escala?

Todos os países que desenvolveram a agricultura apostaram fortemente no conhecimento. Por exemplo, no caso da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) nos anos 80, os brasileiros deram conta que esse instituto que ensina a desenvolver a agricultura e a pecuária, sem o conhecimento não ia a lado algum. Potenciando os pequenos produtores, que é o caso de Angola, um país de pequenos produtores. As grandes fazendas que Angola tinha  foram entregues aos funcionários e estes aperceberam-se que tinham de ir buscar conhecimento, e recrutaram técnicos especializados nas áreas que queriam produzir, no caso das Fazendas Biocom, Santo António e outras de grandes produções na Huíla. Nós temos ainda agricultores a plantarem mal a mandioca, de forma antiga e empírica por falta de conhecimento. Hoje investe-se em conhecimento, sementes melhorada e dá-se apoio aos pequenos produtores para poderem desenvolver a agricultura mesmo pequena, mas sustentável e tirarem maior proveito disso, na quantidade e na qualidade, isso depende muito do conhecimento.
 

As Escolas de Campo que o Ministério da Agricultura e Florestas tem estado a implementar não têm ajudado?

Deveria haver mais intercâmbio entre as escolas agrícolas e os pequenos produtores. Fazer com que o aluno do primeiro ano não precise terminar o ano para beneficiar de estágio numa fazenda. Algumas fazendas já fazem isso, mas, só isso não chega. Precisa-se formar mais agrónomos e veterinários. E eles tendo conhecimentos, passando mais um ou dois meses, com o conhecimento teórico que têm que aplicar na prática, ensinar ao produtor que deve haver mais casamento entre escolas técnicas e superior só assim é que vai desenvolver. Mas como temos esse défice de conhecimento não há outra maneira senão ir buscar lá fora, fazer parceria com empresas especializadas, neste caso como a EMBRAPA, do Brasil, para constituir parceria. Os japoneses passaram esse conhecimento, foram fazendo investigações ao longo destes anos e desenvolvendo algumas culturas no Brasil que fazem com que o Brasil seja uma potência da agricultura e Angola tem potência para isso, tem terras aráveis  e recursos hídricos.
 

Apesar dessas terras aráveis, temos problemas de fertilizantes. Hoje o nosso solo está muito empobrecido, é preciso apostar nas fábricas de adubos...

É um solo que apresenta muita acidez, mas para fazer fertilizantes deve haver indústrias de sementes e com mão de obra especializada. Tudo passa antes pelo crescimento e depois pelo investimento. Com um bom conhecimento e com algum investimento consegue-se fazer fábricas de fertilizantes, fábricas de medicamentos animais, laboratórios, fazer análise. Se você for um pequeno produtor e pegar num animal, não   terá onde fazer análise. Todos os laboratórios que existem funcionam em algumas coisas, fazem análise, mas poucas análises fazem, ou seja, os veterinários trabalham com as experiências que têm. Temos que ter conhecimento e investimentos nesta área.
 

Falando em investimento, por exemplo, nesta campanha agrícola, o Governo mobilizou já 150 mil milhões de Kwanzas para apoiar projectos agrícolas. É um bom passo?

A meu ver, não vai alterar muito o nosso cenário, mas é melhor do que nada. Esse dinheiro, pelo conhecimento que tenho, já existe nos Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Agrário (FADA), Banco de Desenvolvimento de Angola (BDA), Banco Angolano de Investimentos (BAI).  E tenho aconselhado os pequenos produtores a usarem mais o FADA que é um crédito mais adequado ao pequeno produtor, o BDA é mais para grandes projectos bem estruturados, projectos com grandes investimentos e o BAI também é para grandes investimentos, o juro é mais alto e o dinheiro também é enorme, mas vai contra as necessidades do pequeno empreendedor.
 

O crédito é satisfatório?

Depende do projecto. Há pequenos produtores que tiveram até 15 milhões, 30 milhões, depende, do projecto que o produtor apresenta. É claro que tem que ter a documentação em dia e condições para tal. E há outro grande problema também que aqui não traz grande... também dificulta um bocado principalmente investimentos estrangeiros na nossa agricultura.  Ninguém vai investir numa terra que não quer.

O que é que defendem?

O Governo tem que criar leis que facilitem quem cria um título de concessão tem que ter esse direito à terra e tem que ser de uma forma mais fácil porque ainda existe burocracia nas administrações, nos governos provinciais, Administração do Território. Tem que se criar condições favoráveis para poder ter essa terra em nossa concessão porque se não o investidor desanima. 

No vosso caso específico, já há membros da cooperativa  com títulos de concessão?

Nós temos títulos de concessão  passados pela Direcção Provincial da Agricultura e temos declarações de comprovação e pagamentos de impostos e a cooperativa como empresa tem título de exploração também passado pela direcção provincial da Agricultura, mas temos tratado e incentivado os nossos cooperados a tratar, a estarem legalizados com o Governo que é um parceiro também estratégico e temos trabalhado nisso, não temos tido grandes problemas, minimamente temos sabido gerir a situação. A meu ver deve se criar uma forma mais facilitada, se tivesse que melhorar o processo ajudaria.

De que forma os produtores familiares poderiam ser mais ajudados?

Ora bem. Este segmento poderia ser mais aproveitado com a sua capacitação, passando conhecimento, e acompanhar os produtores que receberam essa capacitação, e se realmente estão a empregar de acordo para que assim os mesmos possam progredir e erradicar a pobreza. 

Acha que a disponibilização aos camponeses de inputs agrícolas é o mecanismo ideal para se ter uma produção que satisfaça as necessidades do mercado?

Esta é uma boa questão, não é só fornecer inputs e preços, há que também saber se a terra em que o camponês vai trabalhar tem nutrientes necessários para uma ou outra fertilização. O camponês recebeu capacitação para o efeito, o camponês recebeu capacitação para o equipamento caso este receba,  recebeu o material de reposição para este equipamento, recebe visitas constantes após receber as sementes para ver se está a correr tudo bem. Por tanto não basta só disponibilizar mas haver visitas a todas as etapas até que o produto esteja pronto para o consumidor final.
 

Que apoios têm recebido do Instituto de Desenvolvimento Agrário no sentido de aumentarem os níveis e técnicas de cultivo?

Até ao momento não recebemos algum apoio, o nosso berço é de mateba, não temos berço importado.

 

Que acções concretas a vossa Cooperativa defende para melhorar esta situação?

Nesta questão é acabar com os sistemas burocráticos, porque nenhuma micro instituição consegue avançar com este sistema e juros altíssimos. Na verdade estamos a acabar com as micro-empresas e a não as deixar desenvolver.

 

O Governo aprovou um conjunto de medidas para alavancar cada vez mais o sector produtivo. De que forma os empresários ligados ao sector da Agricultura poderiam aproveitar estas novas políticas?

Eu louvo pelo grande esforço que o Governo implementou em certas actividades. Agora, as pessoas responsáveis é que devem pôr de lado o sistema burocrático e amiguismo, senão não conseguimos desenvolver...
 

A banca é o elemento essencial para dinamizar o sector agro-pecuário. Está satisfeito com a actuação destas instituições financeiras, na cedência de crédito aos produtores?

A questão da banca se calhar é uma pergunta que fica aí no ar a voar. É do conhecimento de todos que quando a gente entra num negócio é para obter lucros, mas com o sistema bancário muito burocrático e juros altíssimos a gente não consegue caminhar e se for a falar dos produtos de carência não conseguimos desenvolver.
 

De que forma o Governo deveria alocar mais recursos para alavancar o sector produtivo?

É acabar com a concentração de grandes hectares em mãos de pessoas que só têm piscinas,  casas de fazer praias e passar o fim-de-semana, ao invés de andarem atrás das pessoas  que estão a trabalhar com seis ou dez hectares e a tentar contribuir com recursos próprios para a diversificação da economia. Ver as necessidades e dificuldades das micros empresas, estar mais perto, e após isso fazer a devida alocação a fim de evitar gastos desnecessários e equipamentos com programas de curta duração que no passar de um ano terminam.
 

O Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Agrário tem cumprido com o seu papel?

Essa questão fica no ar..
 

Que resultados as feiras agro-pecuárias têm trazido para a região onde são realizadas?

Apesar dos custos elevados para a realização de uma feira, com elas vem o reconhecimento de certas actividades que fazem parcerias e o desenvolver de negócios.
 

Em média qual é o volume de negócio desta actividade?

Em média a realização destas feiras tem em torno em média um valor de 70 ou 80 milhões de kwanzas.
 

O capital humano é o centro do sucesso de qualquer sector. No caso específico do ramo agro-pecuário, como é que deveria ser aproveitado e valorizado esta franja?

Tem de haver mais capacitação para ser agregado aquela média de conhecimento que a pessoa já tem. Deixar a pessoa desenvolver e mostrar que realmente tem capacidades para aquele efeito.
 

Temos condições para o país começar a ombrear com outros países, no sector agro-pecuário?

Temos sim, há pessoas com forte know-how para desenvolver a actividade, agora é preciso que o incentivo seja muito forte, e que os sistemas burocráticos desapareçam.
 

Que projectos a Cooperativa Agro-pecuária da Barra do Kwanza pretende desenvolver nos próximos tempos?

Estamos com alguns projectos importantes, como é o caso da montagem de matadouros qualificados, para desenvolver desde o abate, aproveitamento de carcaça, desenvolver projectos de inseminação, projecto de importação de genéticas, desenvolver a actividade leiteira. São vários os projectos em carteira que só precisamos desenvolver mais. Nós é que agradecemos por esta oportunidade que nos foi dada, e esperamos que daqui para a frente as coisas venham a ser melhores e que possamos ter mais oportunidade de mostrar o nosso know-how, capacidade, alavancar e contribuir sempre para a nossa economia. Muito obrigado.

PERFIL

"Carlos Fabrizio  de Almeida Paiva

43 anos de idade.

Formação - Administração de empresas e contabilidade. Técnico de contabilidade  e auditoria, gestor de empresas.

Ocupação - Presidente da Cooperativa Agro-pecuária da Barra do Kwanza.

Aspirações - Visito fazendas e produções agrícolas”. Para ele, o "agricultor não tem férias”...

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