Entrevista

João Afonso: “Num futuro próximo poderemos ter informação dos fenómenos climáticos que influenciam a seca”

Engrácia Francisco

Jornalista

O Instituto Nacional de Meteorologia e Geofísica de Angola (INAMET) vai, “num futuro próximo”, prestar informações sobre as causas que influenciam o surgimento da seca, principalmente na Região Sul, segundo o director-geral da instituição, João Afonso. Nesta entrevista, por ocasião do Dia Mundial da Meteorologia, que se assinala hoje, João Afonso fala sobre as principais acções e desafios do INAMET

23/03/2024  Última atualização 09H00
© Fotografia por: Arsénio Bravo | Edições Novembro

Qual é a importância dos Serviços de Meteorologia para o país?

Os Serviços de Meteorologia são importantes nos diversos sectores socioeconómicos. Na área da aviação, por exemplo, não se pode realizar qualquer actividade aeronáutica sem, antes, consultar os Serviços de Meteorologia, porque pode-se colocar em risco a navegação aérea. Por outro lado, faz parte do Serviço de Inspecção a nível da Organização da Aviação Civil Internacional (ICAO, sigla em inglês). Por isso, no âmbito do processo de modernização do INAMET, uma iniciativa do Governo angolano, outras áreas também foram potencializadas, como o sector da Agricultura, Energia, Saúde e outros.

Os Serviços de Meteorologia em Angola existem desde a era colonial. De lá para cá, quais são as áreas que têm sido mais privilegiadas?

A criação dos Serviços Meteorológicos em Angola remonta ao ano de 1857, quando foi instalado o primeiro Observatório Meteorológico na antiga Igreja da Nossa Senhora da Conceição, na Cidade Alta, cuja função principal era efecturar estudos do céu, das nuvens e ventos.  A partir de 1981, passou a denominar-se Instituto Nacional de Hidrometeorologia e Geofísica de Angola e, desde 2004, Instituto Nacional de Meteorologia e Geofísica de Angola (INAMET). Prestamos serviços no domínio da Meteorologia e Geofísica, através do monitoramento e previsão do tempo, de forma regular, e de emissão de alertas de tempestades e outros fenómenos atmosféricos.

Em que consiste o processo de modernização do INAMET?

A modernização é um projecto do Executivo que teve início em 2019 e está avaliado em 62 milhões de euros. O processo consistiu na reestruturação global ou integral do Instituto Nacional de Meterologia e Geofísica, que inclui a instalação, pelo país, de várias estações meteorológicas de diversas especificidades, sendo 32 sinóticas, 13 agrometeorológicas, sete aeronáuticas, cinco de relâmpagos, duas hidrometeorológicas e cinco sísmicas, que transmitem, em tempo real, para o servidor do INAMET, as condições do tempo dos locais instalados. Esses dados de superfície são, também, enviados para o Sistema Global de Telecomunicações (GTS, sigla em inglês), o que aumentou a cobertura e monitoramento do tempo e clima. Nesta altura, estamos ainda por concluir alguns serviços, como a implementação de estações meteorológicas para o sector hidrológico, com estações hidrometeorológicas e outros, que representam menos de cinco por cento do global a ser implementado. Foi, também, instalado um sistema de informação moderno, uma supercalculadora, com uma capacidade de processamento de 63 triliões de cálculos por segundo. Ela é a responsável da colecta dos dados das estações automáticas.

Quais são os benefícios desta supercalculadora?

A supercalculadora permite o processamento digital dos dados transmitidos remotamente das diferentes estações meteorológicas, que são assimilados nos modelos globais e regionais, contribuindo para a melhoria das previsões de tempo tanto das fontes directas do INAMET como doutras, por exemplo, as previsões que vimos nos telefones. Este equipamento permite também a elaboração de diversos produtos meteorológicos e climáticos para os diferentes sectores socioeconómicos.

Há estações em todas as províncias?

Sim, temos estações automáticas em todas as províncias, o que diminuiu o esforço dos técnicos e centralizou o trabalho. Anteriormente, precisávamos que o chefe provincial emitisse os dados para a central de Luanda, mas agora é tudo feito automaticamente.

Quais são as vantagens deste serviço?

As vantagens são de que o esforço humano é reduzido nesta vertente e direccionado para outras actividades que o INAMET considera importantes, como as políticas provinciais, localização de potenciais clientes e utilizadores para os serviços que o Instituto oferece e, assim, arrecadar receitas de forma a manter as infra-estruturas tecnológicas. Outro pormenor é que, a partir de Luanda, o INAMET consegue atender os serviços aeronáuticos nas províncias.

Como é feito o intercâmbio entre o INAMET e a Protecção Civil?

O INAMET realiza também serviços de apoio técnico à economia nacional, em sectores como a Agricultura, Recursos Hídricos, Pescas, Indústria e Energia. No caso da Protecção Civil, faz as previsões do tempo e, dependendo das condições observadas, é decidido se há ou não a necessidade de emitir um alerta de chuvas fortes. Também existem alertas para outros fenómenos meteorológicos, como queimadas, frio ou calor intenso. Mas, para a nossa região, são comuns as chuvas intensas com trovoadas.

De que forma o INAMET apoia (ou pode apoiar) a produção agrícola do país?

 Em relação à Agricultura, temos disponível uma ferramenta denominada Centro Climático Nacional (NCC, sigla em inglês) que possibilita obter produtos de previsões sazonais de chuva (para os próximos três meses), que norteiam os agricultores de pequena escala (agricultura familiar) e de grande (industrial), de forma a perceberem a época adequada de início das semeadas e colheitas, assim como compreender, através das previsões climáticas de longo prazo, se no próximo ano agrícola as chuvas estarão abaixo ou acima da média climatológica. Desta forma, estes agricultores podem planificar melhor a actividade que desenvolvem. Com o NCC, também vai ser possível prever pragas de insectos nocivos aos cultivos.

E como o INAMET actua no sector da Saúde?

Para o sector da Saúde, o Centro Climático Nacional tem previsões para focos de malária. Conseguimos, numa escala de tempo definida, saber a probabilidade da proliferação do mosquito causador da doença. E, também, a questão do conforto térmico. Há uma relação de informações que são favoráveis ao desenvolvimento de patologias voltadas ao trato respiratório.

Quais são os meios habituais para a divulgação das vossas informações?

Os órgãos de Comunicação Social são parceiros importantes do INAMET na divulgação de conteúdos. No processo de modernização, o INAMET tem o pacote para a disseminação da informação, existem as redes sociais, sistema de TV, aplicativo móvel e jornais onde são enviadas as previsões de forma automática.

Quem são os beneficiados dessas informações?

O potencial de utilizadores das informações é enorme e pode alcançar vários sectores da sociedade. Precisamos nos sensibilizar e advogar mais, para que haja maior procura pelas informações que geramos. Neste momento, a aviação militar e civil são as áreas que mais utilizam os serviços, através das sete estações aeronáuticas instaladas nos aeroportos certificados pela ICAO. Nos demais aeroportos, foram instaladas estações sinóticas adaptadas para atender a aeronáutica, porque um avião não pode aterrar nem decolar sem informações meteorológicas.

Quais são os critérios utilizados para a selecção dos pontos das estações?

A distribuição não é homogénea, porque antes de definir o ponto para a instalação da estação, em primeiro lugar são determinados vários critérios para a selecção, como a segurança, telecomunicação e, por último, as condições estabelecidas pela Organização Mundial da Meteorologia (OMM). 

"Em termos de infra-estruturas tecnológicas em África, Angola está no top três”

Como o INAMET está em termos de recursos humanos e meios tecnológicos?

Em termos de recursos humanos, o INAMET está, neste momento, razoável, mas há necessidade de mais, porque quanto mais aumentarmos os serviços, mais quadros vamos precisar. Com a abertura do novo Aeroporto Internacional Dr. António Agostinho Neto (AIANN), tivemos que recrutar quadros que estavam a ser formados pela Universidade Agostinho Neto (UAN), que estão neste momento num processo de capacitação. A nível interno, estamos com planos e perspectivas de qualificar melhor os quadros para atenderem as infra-estruturas tecnológicas e admitir mais profissionais, uma decisão que não depende apenas do INAMET, mas do funcionalismo público. O processo de mobilização também contempla a formação de quadros já existentes e recém-admitidos.

Os equipamentos disponíveis estão à altura para o serviço?

 Sim, para atender as necessidades básicas do país. Claro que quanto mais, melhor, porque, conforme já disse, a nossa distribuição na Rede Nacional de Observação Meteorológica não está totalmente homogénea. Então, precisamos de mais. Porém, temos acompanhado a dinâmica de outros países e temos a noção que estamos bem em termos de infra-estruturas tecnológicas voltadas à Meteorologia. Em termos de infra-estruturas tecnológicas, a nível de África, Angola está no top três. Temos as estações automatizadas de medição dos parâmetros meteorológicos em altitude (Robotsonda), localizadas em Luanda, Huíla e Moxico. Temos, igualmente, estação solarimétrica, disdométrica e outras para o suporte de outros sectores específicos da Meteorologia. Na África Austral, as três estações de altitude (Robotsonda) são as únicas automatizadas e vieram aumentar a cobertura da região, o que é muito importante para previsão de grande escala, como é o caso da escala regional.

Relativamente às descargas atmosféricas, qual é a solução para reduzir o número de acidentes?

As descargas atmosféricas são fenómenos normais da época chuvosa. O INAMET, no âmbito do programa de modernização, contemplou cinco estações de detecção de relâmpagos e também temos informações da ocorrência de descargas atmosféricas em tempo real, via satélite meteorológico. Neste sentido, o INAMET emite, diariamente, as previsões de tempo, onde consta a ocorrência de descargas atmosféricas em determinadas regiões do país. O INAMET informa a população de forma a se prevenir e, com as instruções do Serviço de Protecção Civil e Bombeiros (SPCB), tomar as devidas precauções. Temos o sistema de alerta de descargas atmosféricas, que está a ser implementado e estará operacional no mês de Junho. É um sistema de alerta específico para quem pratica actividades ao ar livre. A estação de altitude (Robotsonda) emite informações da estrutura vertical da atmosfera e permite uma previsão mais assertiva sobre as descargas atmosféricas e chuvas. 

Poderia fazer uma avaliação sobre os tremores de terra em Angola? Como é que o país está preparado para lidar com isso?

 Temos, desde Maio do ano passado, a rede sísmica operacional. Destacar que, por enquanto, a nossa rede sísmica só detecta sismo com uma magnitude acima de dois na escala de Richter, ou seja, sismos moderados. Os mais leves não conseguimos detectar porque a nossa rede só comporta cinco estações. Neste momento, temos outros projectos em curso como o TSHAPS, que vai aumentar as estações sísmicas no país. Já está em carteira a implementação de uma estação no município da Ganda, em Benguela, para aumentar a rede sísmica e, assim, conseguir detectar sismos de magnitude mais baixa, de forma a orientar melhor o Governo na construção de infra-estruturas.

 De que forma o INAMET intervém no fenómeno seca?

A seca é um fenómeno cíclico, cuja previsão ainda é um desafio. Mas o INAMET está a desenvolver um estudo de investigação científica, que se resume em entender quais são os sistemas meteorológicos que actuam em diferentes regiões climáticas de Angola. Depois disso, vamos começar com uma outra pesquisa para termos noção sobre o fenómeno climático que influencia a seca no país. Estamos preparados na questão de monitoramento da seca. Mensalmente, publicamos o mapa que mostra o desenvolvimento da seca em algumas regiões e em zonas muito húmidas, que são propícias para o deslizamento de terras. Tivemos um exemplo recente, na província de Malanje, onde o INAMET, com os seus produtos, mostrou à população que aquelas regiões eram bastante húmidas e propensas a deslizamentos e acabamos por observar este fenómeno, que obrigou a interditação da estrada principal. Em relação à seca, acompanhamos e publicamos um boletim mensal em que actualizamos as regiões com secas meteorológicas extremas ou moderadas.

O que a população pode esperar mais do INAMET?

Teremos mais resultados de investigação científica para atender diversos sectores socioeconómicos, principalmente o estudo da seca em Angola. Num futuro próximo, poderemos ter informação dos fenómenos climáticos que influenciam a seca, principalmente na Região Sul de Angola, para assim termos um serviço de previsão de ocorrência deste fenómeno, porque neste momento só temos o serviço de monitoramento. Até ao mês de Junho, teremos uma publicação científica sobre a regionalização da chuva em Angola.

Dia Mundial da Meteorologia

O Dia Mundial da Meteorologia, que se celebra a 23 de Março, é uma data que assinala, mundialmente, a importância dos serviços meteorológicos, climáticos e hidrológicos para a salvaguarda de vidas e bens.

O Dia Mundial da Meteorologia foi criado em 1951 para comemorar a criação da Organização Meteorológica Mundial em 23 de março de 1950. A organização, ligada às Nações Unidas, anuncia um tema para o Dia Mundial da Meteorologia todos os anos. O dia é comemorado em todos os países membros. A Organização Mundial da Meteorologia definiu como tema deste ano "Na linha da frente da acção climática”, um tema alicerçado nos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), particularmente o ODS 13 (Acção climática), quando se refere à tomada de medidas urgentes para combater as alterações climáticas.

A data marca a criação da Organização Meteorológica Mundial (OMM), a 23 de Março de 1950, em substituição da Organização Meteorológica Internacional.

O primeiro Dia Mundial da Meteorologia foi assinalado em 1961.

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