Entrevista

Miguel Hurst: “A indústria cinematográfica angolana está a crescer no que diz respeito à quantidade”

Adérito Veloso

Jornalista

A indústria cinematográfica angolana, segundo o nosso entrevistado, tem estado a crescer, principalmente nos últimos cinco anos. O artista de 56 anos, que nasceu na República Federal da Alemanha, sublinhou que é "absolutamente falso dizer que não existe produção de ficção televisiva nacional". A falta de salas de cinema, uma realidade actual que assola o nosso país, preocupa Miguel Hurst, formado na Escola Superior de Teatro e Cinema de Lisboa (Portugal). Para o actual director de actores pela Diamod Films Angola, o showbiz continuará a ser uma das áreas mais lucrativas do planeta

10/10/2023  Última atualização 05H30
© Fotografia por: Vigas da Purificação| Edições Novembro

É um dos mais conceituados actores angolanos. Qual é o estado actual da indústria cinematográfica angolana?

A indústria cinematográfica angolana, olhando para os últimos cinco anos, está a crescer no que diz respeito à quantidade. Entre filmes de ficção (longas e curtas metragens) e documentários devem ter sido produzidos mais do que 200 títulos. No que concerne à qualidade, ainda estamos muito aquém dos parâmetros internacionais. A prova está na pouca internacionalização das nossas obras e na pouca procura e na falta de interesse nacional pelos mesmos. Existe também uma certa inércia na divulgação dos produtos tanto pelos seus produtores como por uma inexistência absoluta de apoios e interesses estatais. Mesmo assim o sector, não podemos ainda falar em indústria, graças ao esforço de algumas instituições privadas e poucas empresas produtoras persistentes, vai timidamente crescendo.

O que é que tem faltado para dinamizar a actividade?

A meu ver, a falta de dinamismo da actividade cinematográfica e a sua intrínseca falta de qualidade deve-se, por um lado, a uma grande falta de humildade dos criativos e técnicos envolvidos na sua produção. Isso leva a um vazio absoluto de disponibilidade de aprendizagem, de crescimento intelectual. Continuamos a fazer filmes, claro que estou a falar numa maioria, pois existem casos magníficos de sucesso e bom-senso, para os amigos, filmes para estarem uns dias nas salas de cinema vazias, filmes que não conseguem ultrapassar as fronteiras nacionais, filmes absolutamente desconhecidos pela maioria da população mundial, filmes que não obedecem aos cânones do cinema. A acrescentar a isso, temos um Estado que se demitiu completamente da sua responsabilidade em apoiar e elevar o sector.

Que apoios concretos vocês como agentes do sector defendem?

Apoios a uma indústria, seja qual ela for, vem do sector privado, que, ao abrigo de legislações, medidas estatais de incentivo, medidas concretas de contrapartidas fiscais, conseguem apoiar este sector. Quando isto se conjuga com um apoio financeiro governamental sustentado e contínuo, qualquer indústria cresce. Como isso não é uma realidade nacional, penso que nós, os agentes do sector, defendemos a construção destes meios.

A falta de salas de cinema é também um dos grandes constrangimentos?

A falta de salas de cinema é uma realidade actual que assola o nosso país. Este facto acarreta imensas consequências: Falta de uma cultura cinematográfica, preços exorbitantes dos bilhetes de entrada, desconhecimento do sector, falta de actualização de linguagens estéticas, empobrecimento agudo de cultura geral da população, lesão de uma das peças fundamentais da indústria… Exibição e distribuição!!

Actualmente é lucrativo investir no show-biz?

O show-biz, foi, é e continuará uma das áreas mais lucrativas do planeta.

Hoje, praticamente, a produção nacional de novelas "morreu". Neste particular, acha que as cadeias televisivas e as operadoras de distribuição de conteúdos deveriam ser mais ousadas para relançar esta actividade?

Esta questão é completamente falsa. Acabaram de ser produzidas três telenovelas. O Rio, Mahinga e Windeck-A Origem da Ambição, produzidas pela "Diamond Films Angola” e financiadas pela DSTV; portanto por dinheiros não nacionais. Também a G-80 está a produzir um seriado, Njila, igualmente financiado pela DSTV. Portanto é absolutamente falso dizer que não existe produção de ficção televisiva nacional. Além disso, parece-me que existe uma grande falta de interesse e de conhecimento da comunicação social em acompanhar eventos e produções no âmbito do sector audiovisual televisivo, o que leva a que a divulgação dos mesmos se torne completamente incipiente e inexistente. Como acima referido, pela primeira vez na história de produção televisiva, e graças a financiamentos vindos do estrangeiro. Acho que as cadeias televisivas nacionais deviam apostar nos produtos nacionais em forma de financiamento e/ou compra de produtos produzidos em território angolano e por produtoras angolanas. Isto não acontece. Há sete ou nove anos a esta parte, a produção de ficção televisiva nacional estagnou. Ela estava, na altura, num bom caminho. Este foi interrompido por decisões superiores menos bem conseguidas e elaboradas. O resultado foi um vazio absoluto que agora está a ser preenchido novamente. Porém, se o panorama continuar a pautar-se em falta de investimento nacional, por compra de subprodutos "baratos” e de qualidade duvidosa por parte das cadeias televisivas nacionais, teremos, nós, os do audiovisual, de continuar a produzir pouco e contar com o bom-senso estrangeiro e de alguns privados nacionais.

O sector tem qualidade para ombrear com outros países da região da SADC?

A Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) é composta por 16 Estados-membros, nomeadamente, Angola, Botswana, Comores, República Democrática do Congo, eSwatini, Lesoto, Madagáscar, Malawi, Maurícias, Moçambique, Namíbia, Seychelles, África do Sul, República Unida da Tanzânia. Tendo isso em conta, parece-me que devem haver dois países que têm uma indústria mais dinâmica e desenvolvida, falo da África do Sul, da RDC e de Moçambique. No primeiro caso, o da África do Sul, temos um Estado com um Ministério da Cultura e uma instituição cinematográfica poderosos e empreendedores, bem balizado por normas e leis que criaram inúmeras comissões audiovisuais, sindicatos, fundações, etc. etc. em todos os estados do país. Estamos a falar de um país que investe no seu sector audiovisual, pois sabe os benefícios e as mais-valias do retorno que o mesmo traz ao país. Moçambique, apesar de ser um país financeiramente menos poderoso que Angola, vive de estratégias de angariação de fundos, vindas dos produtores privados que resulta numa produção audiovisual bem mais consistente e reconhecida internacionalmente do que a nossa. De resto, acho que sim; ombreamos com o resto dos 14 países. Com um bom investimento da parte estatal, estaríamos à frente de Moçambique. Ombrear com a África do Sul, levar-nos-ia mais uns longos anos, se começássemos a trabalhar nesse sentido agora.

A classe empresarial privada é o principal esteio para dinamizar os vários sectores. Será que a vossa indústria não é atractiva para que os investidores surjam para apoiar as actividades?

O pouco que produzimos no sector audiovisual no país deve-se a 100 por cento ao sector privado. Assim, acho que existe sim alguma atracção por parte de poucos privados. O que realmente faz falta, é o input estatal para dinamizar o interesse no sector. O Estado tem que se responsabilizar pela área da divulgação, distribuição, exibição e internacionalização. Não podemos esperar que não promovam eventos internacionais tanto dentro como fora do país, que o sector cresça. Devemos responsabilizar os representantes do nosso país no estrangeiro e exigir dos mesmos e do seu órgão de tutela que os produtos culturais nacionais, sejam divulgados. Não podemos eternamente continuar a fechar as representações culturais do país extinguindo o cargo de adido cultural, nem podemos continuar a ver esse cargo como um simples posto de descanso de reforma e agradecimento pelos serviços prestados. Existem cargos numa estrutura diplomática que devem ser ocupados por pessoas que tragam mais-valias, que conheçam a realidade nacional e internacional dos variados sectores culturais do seu país e do país onde vão exercer a sua função, por pessoas que dominem várias línguas que sejam dinâmicas e criativas.

Que tipo de apoios a classe empresarial precisa para mostrar interesse em ajudar a acelerar o crescimento da indústria cinematográfica angolana?

O sector privado precisa de confiança. Essa deve ser emanada por leis de benefícios fiscais concretas e activas. Não uma Lei do Mecenato indecifrável, cujos mecanismos continuam um enigma descodificável e obscuro, inclusive para os órgãos que por ela respondem.

Falemos um pouco do actor Miguel Hurst. Como e quando é que nasceu a paixão por esta profissão?

A paixão de comunicar deve ter nascido comigo. Escolhi o caminho artístico para o fazer. Desde cedo foram-me disponibilizadas ferramentas para alimentar esta minha "queda”. Em casa, nas diversas escolas, nos ambientes que fui escolhendo, sempre houve um apelo para a criatividade, para a curiosidade, para a necessidade e a utilidade de nos exprimirmos cultural e artisticamente.

Em que actor se inspira?

Nenhum… Gosto do trabalho de muitos. A minha inspiração não vem só de actores. Gosto e inspiro-me em pintores, músicos, escritores, políticos… No meu dia-a-dia.

Porquê?

Porque gosto de ter um leque variado e multifacetado de escolhas.

Apesar das dificuldades que mencionou, consegue viver exclusivamente desta profissão?

A minha profissão é composta por vários sectores. Representação, encenação, escrita, realização, fotografia, investigação histórica e científica, música, pintura, escultura, química, moda, física, linguística, tradução, etc, etc, etc... Sim vivo da minha profissão.

Quanto ganha um actor angolano?

O ordenado de um actor não é linear nem estanque. Um actor ganha, assim devia ser, pelos seus anos de carreira, pelo seu sucesso, pelo papel que vai desempenhar, pelo tempo que vai dedicar-se a determinado projecto. No nosso país, pouco disto é tomado em conta. O actor angolano, em média, ganha mal.

Os contratos que os actores angolanos celebram têm o mesmo peso com os de outros países, por exemplo, com os da região da SADC ou da CPLP?

Não conheço a realidade contratual da minha área, destas duas organizações nem dos seus membros na íntegra. Mas sei, por ter trabalhado com contratos de alguns países da CPLP, que estamos muito longe da defesa e da segurança que alguns países oferecem aos actores. Temos um longo caminho a percorrer para que nós, actores, possamos viver o respeito pleno que a nossa profissão exige e merece.

Miguel João de Andrade Hurst

Idade-56

Natural: República Federal da Alemanha

Formação académica

Escola Superior de Teatro e Cinema de Lisboa (Portugal)

Experiência profissional

Formou-se na Escola Superior de Teatro e Cinema em Lisboa. Foi director-geral do Instituto Angolano de Cinema e Audiovisual de 2003 a 2009, fundador do Festival Internacional de Cinema de Luanda e curador dos primeiros anos do UNITEL Angola Move.

Como actor, destacam-se as suas participações: Telenovelas "Banqueira do Povo”, "Terra Mãe”, "Riscos”, "Sede de Viver”, "Jikulumessu”. Cinema os filmes "Terra Estrangeira”, "A Ilha dos Cães”, "Não Tenho Que Te Gostar” (prémio de melhor actorFescKianda 2021) como roteirista e actor "Deputado Apocalíptico” (prémio de melhor roteiro VianaFilmFest 2022 e melhor filme no Festival CineKugoma 2023). Teatro como encenador e actor: "Museu do Pau-Preto”, "Cabral…”, "QUEM mostrábô …” como encenador "WozaAlbert” "TANTA ASNEIRA para dizer que LUANDA é bonita”, "A Árvore”, "Monólogos da Vagina”. Foi editor e coordenador do livro "Angola Cinemas”, participou em vários festivais de cinema e variadas conferências sobre arte em 4 continentes onde representou Angola.

Actualmente, é director de actores pela Diamod Films Angola e está a montar um grupo de teatro em São João dos Angolares/São Tomé / ANGUÉNÉ TEATRO cuja estreia está planeada para a Bienal de Artes em São Tomé 2024. Director de Elenco da telenovela Windeck-Origem da ambição pela Diamond Films de Angola. Vencedor do Festival de Cinema PALOP Cinekugoma, Setembro 2023, Maputo, Moçambique com o filme Deputado                Apocalíptico Real.

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