Entrevista

Entrevista

“O nosso objectivo é elevar o hospital a um nível de atendimento o melhor possível para a população”

Sampaio Júnior | Lobito

Jornalista

O director do Hospital Geral de Benguela, o especialista em cardiologia Benedito Quintas, garante, nesta entrevista ao Jornal de Angola, que a unidade sanitária está em boas condições higiénicas e a funcionar dentro da normalidade. Ainda assim, continua apostado nos aspectos ligados à humanização do atendimento aos pacientes

14/10/2023  Última atualização 09H15
Director do Hospital Geral de Benguela, Benedito Quintas © Fotografia por: DR

O que é que torna o Hospital Geral de Benguela numa unidade de referência?

O Hospital Geral de Benguela é uma unidade de referência local e regional, que vem crescendo e apresentando uma projecção que se enquadra na perspectiva de assistência médica e medicamentosa das populações, mas também está dentro de um instituto público, porquanto também está vocacionado para o exercício de formação a nível de cursos médicos, pois aqui passam estudantes dos mais variados institutos que a província tem, a nível de graduação, a começar pela Faculdade de Medicina, Enfermagem, Laboratório, Fisioterapia e a nível de pós-graduação. Temos a decorrer formações em especialidades médicas  desde 2011, num total de 12 cursos, entre os quais Medicina Interna, Pediatria, Ginecologia e Obstetrícia, Cirurgia Geral, Ortopedia e Traumatologia, Cardiologia, Gastroenterologia, Cuidados Intensivos, Cirurgia Maxilofacial, Urologia e Dermatologia.

Um grande investimento…

Temos uma dinâmica que já vai com 12 anos de processo. Temos 76 certificações de especialistas feitos no Hospital, desde que começamos. Neste momento estamos com 184 médicos em formação de pós-graduação para obtenção de certificados de especialistas. Isso não existia há alguns anos, o que, como deve compreender, coloca o Hospital Geral de Benguela num espaço de crescimento.
Temos 18 serviços clínicos que respondem por especialidades médicas de complexidade diversa e com uma força de trabalho garantida por médicos expatriados e nacionais cada vez maior, o que não se verificava no passado.

E como é que o hospital está em termos de recursos tecnológicos?

Do ponto de vista dos recursos tecnológicos, temos laboratórios de análises clínicas, de virologia molecular, de anatomia patológica e serviços de imagiologia colocados à disposição da população. Temos uma unidade que atende na perspectiva polivalente. Na verdade, o Hospital Geral de Benguela é um Complexo Hospitalar que reúne um Centro Polivalente para o atendimento de adultos, para especialidades médicas e cirúrgicas, um Hospital Materno e também o Hospital Pediátrico. Temos, dentro do nosso espaço, um Centro de Hemodiálise e o Centro Oftalmológico que tem uma gestão autónoma, mas faz parte deste Complexo Hospitalar. Portanto, podemos perceber que o hospital tem um espaço bastante alargado de intervenção médica. Estes serviços são garantidos por especialistas, médicos, enfermeiros, técnicos de diagnóstico e terapêutica e com uma dinâmica de crescimento cada vez maior.

Como decorre o trabalho de requalificação do hospital?

Do ponto de vista de infra-estrutura, o hospital mereceu uma reabilitação no ano de 2008, altura em que foi entregue. Passaram-se 15 anos e algumas parcelas foram mostrando degradação. Desde 2021 iniciamos um processo de requalificação de alguns espaços do hospital e, neste momento, temos o Serviço de Medicina Interna completamente requalificado e os Serviços de Neurocirurgia, Otorrino e Oftalmologia, Urologia e de Nefrologia completamente reabilitados.

Há ainda outras áreas abrangidas além das que citou?

Expandimos para a Maternidade, onde houve a necessidade de se fazer um Bloco Operatório à altura da necessidade que a unidade tem e evoluímos de dois para três salas cirúrgicas. Tivemos que redefinir o espaço do Bloco Operatório. Veja que no passado o Bloco Operatório não tinha vestiários, o que era complicado. Tivemos que redesenhar o bloco em todas as suas dimensões, inclusive um espaço de autonomia de fluxo de gases medicinais. Crescemos nessa dimensão.

Esse trabalho abrange também a área das consultas externas?

Observamos o serviço de consultas externas, que também estamos a fazer um trabalho de requalificação, melhoramento dos espaços de atendimento. O laboratório de estomatologia também mereceu um investimento considerável. Portanto, estamos com um laboratório completamente novo, a medicina dentária está melhor servida neste momento. Estamos com seis cadeiras novas multifuncionais com equipamentos de raio X e com um serviço de esterilização próprio.

O hospital tem quantos especialistas para essas áreas?

Neste momento o hospital tem 10 médicos dentistas, 10 dermatologistas e quatro especialistas maxilofacial, que também trabalham a cabeça, o pescoço, maxilo facial, dentes e esta classe de profissionais trabalha com o laboratório de estomatologia também.

Além da assistência, há uma outra vertente relacionada com a acomodação dos pacientes. Há também investimentos nesta área?

O hospital não é só visto na perspectiva de assistência médica. Na verdade, tem características de hotelaria também. Hospedamos pessoas, os nossos hóspedes são doentes e estes devem ser acomodados condignamente. Devem ser alimentados, ser-lhes garantidas roupas de cama e, todos estes segmentos, estão a merecer uma atenção desta direcção.

O Governo da Província de Benguela tem sido incansável na pessoa do senhor governador, que tem acompanhado com muita atenção e tem dado todo o apoio. É assim que conseguimos evoluir para todas estas requalificações.

Neste momento temos uma cozinha nova, com capacidade de processamento alimentar de nível industrial. Temos capacidade de 700 camas. Produzir todos os dias 700 pequenos almoços, 700 almoços, 700 jantares, para isso temos que investir de maneira significativa na cozinha.

Quem suporta essas despesas?

Todo processo de gestão hospitalar é suportado pelo Orçamento Geral do Estado. O Hospital Geral de Benguela é uma unidade orçamentada, mas ainda nos debatemos com orçamentos muito baixos e com estes melhoramentos que estamos a fazer, a responsabilidade também aumenta e a necessidade de manutenção de toda essa estrutura requer mais orçamento. O gestor vai chorando para que os decisores melhorem o orçamento do Hospital Geral de Benguela.

Quanto é que o Hospital precisa?

Um estudo comparativo feito em relação aos hospitais da Huíla, Huambo e do Lobito, o Hospital Geral de Benguela, incompreensivelmente, tem um orçamento abaixo daqueles. A dimensão do Hospital Geral de Benguela, 700 camas, para onde são encaminhados todos os doentes dos 10 municípios da província e também das províncias limítrofes, que são atendidos aqui e no adicional destes serviços temos agora uma lavandaria com máquinas de barreiras cépticas. A roupa contaminada entra para a máquina e ela tem capacidade de esterilizar também. A lavandaria tem uma capacidade de processamento de grandes quantidades de roupa hospitalar.

Neste momento, com o orçamento que temos, conseguimos colocar à disposição da população medicamentos e materiais cirúrgicos em toda a extensão do Hospital. Aqui é proibido emitir uma receita para o paciente internado. O paciente que está no Hospital Geral de Benguela, em regime de internamento, não deve gastar o seu dinheiro para comprar medicamentos. O hospital assumiu este compromisso e temos conseguido manter este formato, porque é assim que os hospitais devem funcionar. Não devia ser nada extraordinário, mas considerando as experiências do passado e a limitação orçamental que temos, tem sido um exercício extraordinário e temos contado com a colaboração de todos os actores que trabalham no hospital.

Estamos agora a fechar três ciclos no hospital. A parte dos medicamentos já está assegurada, bem como de materiais cirúrgicos para pacientes internados, atendidos nas urgências ou que vão para o bloco operatório, estes estão sob total responsabilidade do Hospital Geral de Benguela.

Mas há ainda outros desafios…

Estamos agora com a cozinha, que já está em funcionamento e estamos a conseguir servir três refeições por  dia. Do ponto de vista qualitativo, melhorou-se a dieta, tanto para os doentes quanto para os funcionários em regime de turno. Estamos agora a arrancar com a lavandaria e a colocar elementos conclusivos, particularmente doseadores de detergente, que é o que estava a faltar para avançarmos com ela em toda dimensão, para que possamos fornecer roupas de cama, pijamas e camisas de noite. O doente que entra para o Hospital tem que ter comida, roupa de cama, camisa de noite e pijama e ter assistência médica completa. Se fecharmos este círculo vamos ter um hospital mais próximo do normal, como se observa noutras realidades mais desenvolvidas. Tem sido um esforço muito grande e este é um trabalho que vai continuar a ser levado a cabo. E com o apoio do Governo da Província, estamos a continuar o processo de melhoramento das infra-estruturas.

Quais são os próximos passos?

O passo seguinte é a requalificação do Banco de Urgência. Precisamos ter um banco com dois fluxos de atendimentos distintos. De um lado, serviço de atendimento para especialidades clínicas, e do outro, serviços cirúrgicos. Este é o processo que temos estado a conduzir, para a evolução do Banco de Urgência, de maneira sustentada e organizada, passo a passo. Podemos evoluir sem ter que fechar o hospital, para fazermos obras grandes. 

E em relação à formação de quadros?

É nossa pretensão melhorar a formação, do ponto de vista qualitativo, através da mobilidade para outras instituições de Angola ou do exterior, onde tivermos convénio. O objectivo é dotarmos os nossos quadros de melhores condições técnicas para atender localmente, sem termos que fazer recurso ao estrangeiro. 

Que balanço faz das últimas jornadas científicas realizadas pelo HGB?

O HGB é um instituto público, vocacionado para a formação e, por natureza, é um viveiro de investigação. Temos um departamento pedagógico e científico. O lado pedagógico atende a questão da formação permanente e outras. A parte da investigação leva-nos a criar estudos, fazendo pesquisas locais, pois aqui passam milhares de pacientes com condições clínicas distintas. 

A pesquisa faz parte do vosso foco?

Temos que criar a cultura da pesquisa. Pela natureza dos estudantes que por aqui passam, é necessário primeiro investigar para depois ensinar, para fazer extensão através da saúde pública. Por conta disso, deve haver, periodicamente, reuniões técnicas para discutir Ciência. Temos, de maneira alternada, Jornadas Científicas e Congressos, o que não é um exercício novo. O HGB realizou, este ano, as 7ª Jornadas. Quer dizer que já tivemos seis, de gestores anteriores. Entretanto, vamos alternando, num ano Jornadas e noutro ano Congressos, o que implica dizer que em 2024 é responsabilidade do Hospital organizar um Congresso. Esperamos que seja internacional,   para discutirmos os nossos temas, cujos objectivos são traçados para compreender os nossos fenómenos epidemiológicos e através dos estudos apresentarmos as nossas perspectivas  de solução local e, ao mesmo tempo, trazer actualizações à luz das novas publicações, directrizes e guias que são discutidas no congresso e troca de experiência com os nossos convidados, tanto de Benguela quanto de âmbito nacional ou internacional.

E como decorreram as últimas jornadas?

Penso que as 7ª jornadas conseguiram atingir este objectivo. Foram muito interessantes do ponto de vista das temáticas abordadas. Serviram, também, para esta direcção se temperar para a realização de eventos. Depois da Covid-19, o Hospital ficou dois anos sem realizar eventos científicos. Tivemos que recomeçar e pensamos que vamos continuar nesta senda.

Qual é a relação que o HGB tem com a Faculdade de Medicina da Universidade Katyavala Bwila?

Temos parceiros estratégicos do ponto de vista científico e assistencial. Todas as instituições que se servem do hospital para ter a componente prática dos seus estudantes são nossos parceiros e assinamos protocolos de cooperação. Por esta razão, a Faculdade de Medicina da Universidade Katyavala Bwila é um parceiro estratégico, na medida em que alguns médicos deste hospital também colaboram com  aquela faculdade e esta, naturalmente, também colabora com a sua presença aqui. O Instituto Piaget e o Instituto Superior Politécnico de Benguela também mantêm uma relação estreita connosco.

Falou de várias especialidades, mas não apontou os serviços de Oncologia.

De facto, o HGB ainda não tem o serviço de Oncologia. Entretanto, não deixa de lidar com este tipo de doenças, que praticamente são transversais em todas as áreas. Temos pacientes oncológicos na maternidade, pacientes oncológicos pediátricos, medicina interna, pacientes de várias especialidades cirúrgicas, que vêm parar na nossa mão. Abordamos estes pacientes, mas existe um fluxograma de referência  e contra referência com o Instituto Nacional do Cancro de Luanda. Nós referenciamos para lá e eles fazem a parte da abordagem oncológica com quimioterapia e depois fazem contra referência para continuarem a ser seguidos localmente.

E se o paciente não tiver capacidade financeira de ir para Luanda?

Costumamos encontrar sempre alguma solução, que é encaminhar os pacientes. O paciente quando está sob nossa responsabilidade, nós tratamos de acomodá-lo, levá-lo a Luanda, deixá-lo em mãos dos nossos colegas, não só de Oncologia mas, também, em alguns casos, do Hospital Cardeal Nascimento, onde encaminhamos os pacientes com a necessidade de cirurgias cardíacas. Depois do tratamento retornam para nós, para serem seguidos em consulta ambulatória.

Como é que fazem para encontrar dadores de sangue para o serviço de hemoterapia?

Recentemente tivemos um fórum conduzido pelo Instituto Nacional de Sangue e abordamos questões desta natureza, sobre a biossegurança nos processos transfusionais e também sobre o processo de mobilização da sociedade para esse efeito. Temos contado muito com o apoio de grupos da sociedade civil, recebemos jovens de partidos políticos, jovens de igrejas e outros estratos da sociedade, polícias e militares. Recebemos apoios da população nessa dimensão, entretanto nunca é suficiente.

Estão a considerar outras alternativas?

Nós precisamos de ter aqui doadores de sangue catalogados e que, de maneira recorrente, observam os critérios definidos e vão manter o compromisso de fazer doação de sangue, porque de facto um hospital sem bolsas de sangue é difícil. Outro formato que temos adoptado é mais emergencial, de solicitar apoio dos familiares. 

O hospital nunca teve rotura total?

O sangue nunca é suficiente. Temos feito todo esforço  para ir a busca do sangue para o paciente necessitado.

Olhando ainda para a Oncologia, há muitos casos de pacientes que merecem tratamento oncológico?

Sim, temos tido particularmente cancro de mama e de próstata, os mais frequentes.

Qual é a situação do Centro de Hemodiálise?

O Centro de Hemodiálise não interna doentes, apenas faz tratamento e substituição renal através da hemodiálise. Portanto, os doentes de hemodiálise são doentes ambulatoriais. O doente vem fazer  a hemodiálise e vai para casa. Temos capacidade para atender mais de 300 pacientes durante o dia e temos sido bem servidos. Benguela tem, neste momento, o Centro de Hemodiálise do Hospital Geral de Benguela, mas também no Hospital Geral do Lobito temos um Centro de Hemodiálise e também um no Hospital Municipal de Benguela.  Nunca estivemos melhor como no momento actual, os pacientes estão bem servidos.

O que tem a dizer sobre as imagens que circularam nas redes sociais, denunciando um suposto mau funcionamento do banco de urgência?

As imagens remontam de algum tempo que não é recente. Após a publicação das tais imagens, esteve cá o departamento de Inspecção da Direcção Provincial da Saúde e a conclusão foi de terem encontrado um hospital em boas condições higiénicas e a funcionar dentro da normalidade. Portanto, aquelas imagens foram postas a circular por alguma razão inconfessa, para manchar o bom nome da instituição e da direcção. Estamos a fazer o nosso trabalho com muita dedicação, esforço e estamos bem focados. Temos um sentido de orientação e vamos continuar a trabalhar, porque o nosso objectivo é elevar o hospital a um nível de atendimento o melhor possível para a população.

O que é que está a ser feito neste sentido?

Temos estado a fazer um exercício muito grande sobre os aspectos ligados à humanização, que é um tema extremamente importante, que está na pauta do Ministério da Saúde. Nós absorvemos este tema complexo, porquanto vamos trabalhar com comportamentos, alguns dos quais se enraizaram ao longo de muitos anos, e as pessoas ganharam práticas e hábitos que não são dos melhores como profissionais. Temos que quebrar e trazê-los a um nível de atendimento humanizado e é sempre complicado quando se trabalha com pessoas. Portanto, podemos ter funcionários muito zelosos com uma capacidade de comunicação adequada e assertiva, mas também podemos ter o extremo. Temos um caminho a percorrer e pretendemos subir de degrau a degrau para consciencializar o funcionário que é preciso que se faça um bom atendimento, da mesma maneira que cada um gostaria de ser atendido.

A morgue continua com casos de cadáveres abandonados?

Neste momento temos alguns cadáveres abandonados ou não reclamados. Deixamos o tempo que a lei prevê, fazemos o anúncio na rádio dentro dos limites que a lei prevê e se não forem reclamados no tempo útil, então somos obrigados a fazer o funeral administrativo.

Continua a haver familiares de pacientes a pernoitar nos arredores do hospital?

Indagamos o porquê desta presença constante e massiva se o Hospital Geral já tem a capacidade de fornecer o essencial para salvar vidas humanas. Tivemos a ajuda do Governo da Província e das autoridades tradicionais, que passaram a mensagem de forma clara aos familiares, que já não há necessidade de pernoitar nos arredores do hospital. O caso ficou resolvido.
Todo paciente internado é cadastrado pelo nome completo, data de nascimento e recebe um código. Ficámos com um ou dois números de telefones de familiares para, em caso de necessidade, pedirmos a sua comparência ou solicitar que traga um fármaco raro que o hospital não disponha para prosseguir com o tratamento.

E a mensagem tem sido acatada?

Os familiares dos doentes internados foram sensibilizados e autorizados a fazerem visitas de pelo menos até 30 minutos diariamente e regressarem para as suas residências. Para os pacientes em estado clínico preocupante, é solicitado ou permitida a presença permanente de um acompanhante para estar ao corrente da evolução da situação clínica do mesmo. Não encontramos motivos para que os acompanhantes passem a noite no exterior do hospital, dormindo ao relento e no chão, correndo riscos de serem picados por mosquitos e se exporem ao frio e desenvolverem doenças respiratórias. Julgo ser uma herança cultural a presença de vários membros da mesma família no hospital, quando há um familiar internado.O sentimento de abandono por parte do doente força os parentes a marcarem presença para não serem tidos como pessoas de má-fé. 

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