Entrevista

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Osleny Rutiana Thomas: “Tenho prémios por receber”

Rosa Napoleão

Jornalista

É a atleta mais nova na escala de profissionais do Clube Dchasers de jiu jitsu brasileiro. Aos 21 anos, a jovem paralímpica (amputação da mão direita) ostenta dois títulos mundiais, um dos quais conquistado diante de uma atleta não paralímpica. Osleny reclama o prémio pela conquista do título mundial, em 2022, em Abu Dhabi. Passado quase um ano, desconhece os trâmites para o reclamar.

04/10/2023  Última atualização 08H00
© Fotografia por: DR

Como está a situação dos prémios pela conquista de dois títulos mundiais?

Tenho prémios por receber e até hoje não vejo nada. Falo do prémio de campeã do mundo, na prova disputada em 2022, em Abu Dhabi. Nas lutas, é um evento considerado como Jogos Olímpicos. Esta foi a segunda medalha de ouro conquistada. A primeira aconteceu no mesmo espaço e ano. Ambas consagrações não mereceram recompensa das entidades desportivas nacionais.

 Por que só reclama o último prémio, quando tem várias conquistas entre as quais os torneios JP, com destaque para o da África do Sul?

Reclamo este último prémio, porque está prescrito na lei. Saí com a autorização da Federação. Fomos como uma Selecção completa e obtive o título mundial. Portanto, estou no meu direito. Os outros prémios não os reclamei, porque competi sem o aval da Federação e não sei como se processa o direito de os reclamar. Estou sempre presente nos campeonatos do JP, organizados pela Federação do Dubai e acontecem em várias regiões de acordo com o calendário. A prova já esteve em Luanda, Benguela, entre outras cidades do país. Lembro-me que conquistei medalhas (ouro, prata e bronze) em três ocasiões. Estive igualmente, no JP na África do Sul, onde também fui campeã.

 Foi fácil conquistar os dois títulos mundiais, uma vez que competiu com uma atleta não paralímpica?

Foi difícil. As coisas podem ser superadas, quando há determinação. Lutei com ela, porque só estávamos as duas na competição e a solução foi defrontar-nos. Fui persistente e mereci a medalha de ouro.

 E na outra conquista?

Na final da segunda prova mundial, lutei com a portuguesa Leona Braga, atleta com deficiência na perna esquerda. Apesar disso, tinha os braços fortes; foi o meu maior carrasco. Era muito boa, apesar da sua idade avançada. No final do combate, a medalha de ouro ficou comigo.

 Qual é a sua maior dificuldade e como consegue ultrapassá-la?

Outrora, já enfrentei muitos desafios. Havia alguma insegurança. Felizmente, concluí que tudo partia de mim mesma. Hoje, sou mais segura. Gosto de ser subestimada, pois encontro forças naquilo que dizem de ruim sobre mim. Sei que consigo e posso tudo, por isso, nunca recuo.  Na minha condição, se me colocasse a pensar 'como vou fazer com as minhas limitações', o que seria de mim?

 Que conselho dá às atletas que desejam se destacar no jiu jitsu brasileiro e noutras modalidades?

É como se costuma dizer: "O cavalo prepara-se para a batalha, mas a vitória vem de Deus". Para mim, não importa muito o que as pessoas pensam a nosso respeito; não importa o meio ou as limitações. Devemos saber quem somos. E isso se vê, quando estamos sozinhos e não quando estamos com as outras pessoas, porque aí posso maquilhar. Confiar em si mesmo é a chave.

 Em que circunstância entrou na modalidade?

Comecei a treinar com 16 anos, agora, estou com 21. O gosto surgiu na fase em que o meu pai faleceu. Estávamos a arrumar as coisas dele e deparei-me com uma faixa branca que lhe pertencia. O meu pai era praticante de karaté, mas enveredei por Jiu jitsu. Familiarizei-me e aprendi a gostar da arte. O meu primeiro clube foi a JF Team, depois, passei para o Z1, a "casa mãe" (maior clube de jiu jitsu brasileiro) em Angola. Agora, estou aqui no Dchasers.

 Quando decidiu enveredar por jiu jitsu brasileiro, como reagiu a família?

Foi uma grande luta. Na altura, a minha avó Stela Ramalhom opôs-se completamente. Não aceitava esta minha iniciativa. Eu tinha de usar a mentira para ir aos treinos. Dizia-lhe que estava a sair com as amigas. Tudo era feito às escondidas para não dar nas vistas. Graças a Deus, hoje, ela tornou-se na minha maior impulsionadora, apoia-me em tudo e até se encarrega de lavar os meus kimonos às vezes.

 Qual é o seu programa de treino?

Geralmente, tenho o hábito de treinar todos os dias da semana, com mais ênfase à noite. À tarde, intercalo à terça-feira, quinta-feira e sábados. Nas férias é supertranquilo, mas quando estamos no período de aulas, treino apenas às manhãs.

 Existem outras 'senhoras' no Clube Dchasers?

Como competidoras somos apenas duas. Eu e a minha colega Yura Ataide, que se encontra neste momento no Egipto a participar de uma competição mundial. Agora, como praticantes, temos muitas meninas. Esperamos que se tornem competidoras para alargar o nosso leque nas competições.

 Que meta estabeleceu na modalidade?

Desejo conquistar mais títulos mundiais. Na minha galeria, tenho dois troféus pela conquista de títulos mundiais em Dubai. São os meus maiores feitos até agora e não vou arregaçar as mangas. O caminho é para frente.

"É a mascote da casa”

O treinador do Clube Dchasers de Jiu jitsu Brasileiro, Daniel Correia, faixa preta, considerou a atleta Oslany Thomas como "a mascote do clube".

"É uma atleta de valor, um verdadeiro exemplo de resiliência e de automotivação. É determinada. Todos os dias está aqui a dar o seu melhor, apesar da limitação. É um exemplo para todos nós", enalteceu.

O "coach" aconselha as pessoas com cepticismos: "Vezes há, que usamos pretextos para não dar o nosso máximo. Há pessoas que acreditam sempre, vão à luta e conseguem, apesar das limitações. Devemos ver exemplos positivos". Correia sustenta: "A Oslany está cá no clube há dois anos; já veio rodada de outros clubes, inclusive, da equipa mãe, a Z1. Desde a sua chegada, dá o seu melhor. É campeã mundial na categoria paralímpica".

Luís John "Esta situação é de âmbito geral”

O presidente da Federação Angolana de Jiu jitsu, Luís John, garantiu que a atleta da classe paralímpica, Osleny Thomas, do Clube Dchasers, não é a única que até agora está sem o prémio pela conquista da medalha de ouro no Campeonato Mundial.

O esclarecimento decorre da inquietação manifestada pela campeã ao Jornal de Angola: "Esta situação é de âmbito geral. A equipa completa, atletas, treinadores e outros intervenientes no programa da competição mundial, não receberam ainda os prémios. O problema não está na Federação.  Já remetemos o documento ao Ministério da Juventude e Desportos e já deu o devido tratamento. A demora vem do Ministério das Finanças. Temos de ter paciência e aguardar".

Luís John disse que a situação do não pagamento dos prémios se estende também por outras federações. "Este problema não está somente com o Ju Jitsu. Existem outras modalidades, principalmente, as de combate, que não recebem os prémios".

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