Entrevista

Entrevista

“Vamos ter uma unidade sanitária como a população sempre desejou”

Armando Sapalo | Dundo

Jornalista

O Hospital Geral David Bernardino “Kamanga”, inaugurado em Agosto de 2017, é a maior unidade sanitária da Lunda-Norte, com capacidade de internamento de 200 camas. Devido ao número de óbitos que, alegadamente, regista, alguns círculos entenderam designá-lo de “matadouro”, mas o director-geral, Buagica Mambelo, contrapõe com números: no período de Janeiro a Setembro deste ano, o hospital internou 2. 960 doentes, com registo de 2.459 altas e 322 óbitos.

09/12/2023  Última atualização 09H25
Director-geral, Buagica Mambelo, do Hospital Geral David Bernardino “Kamanga” © Fotografia por: Benjamin Cândido| Edições Novembro | Dundo
Em entrevista ao Jornal de Angola, Buagica Mambelo garante que, no próximo ano, a população vai ter melhores serviços no hospital. 

Em que condições está o Hospital Geral David Bernardino "Kamanga”, seis anos após a sua inauguração?

O Hospital Geral David Bernardino " Kamanga”, quando foi  erguido, trouxe esperança  à população. Na altura que entrou em funcionamento, eu era director do Gabinete Provincial da Saúde e fizemos a transferência de alguns serviços, profissionais e equipamentos de outras unidades para este hospital.  Foi construído numa das maiores centralidades do país, mas   depois da conclusão das obras, o hospital não foi apetrechado, como se devia.  Ao longo da sua existência, enfrentou muitas dificuldades por falta de equipamentos.

Que tipo de equipamentos é que faltam?

Equipamentos para atender e dar suporte às demais especialidades a que ela se candidata a ter e prestar melhores serviços à população. Temos grandes desafios ligados à própria modernização.  Decorrem obras de manutenção e melhoria da própria estrutura física.  Conseguimos, agora, construir   uma estrutura de rede que está a possibilitar o funcionamento das Tecnologias de Informação e Comunicação.  Estamos também a renovar o parque de equipamentos. O próprio laboratório, além dos equipamentos anteriores, tem novos meios laboratoriais, para aumentar a capacidade de diagnóstico.

A capacidade de diagnóstico não correspondia às necessidades do hospital?

 Sim. Reconhecemos que a capacidade de diagnóstico estava muito aquém da dimensão e importância de um Hospital Geral. Temos 17 especialidades  clínico-cirúrgicas e é  evidente que  a classe médica  solicita exames  para poderem oferecer  as melhores soluções terapêuticas, mas sentimo-nos limitados. Daí a razão de elevarmos a capacidade de diagnóstico laboratorial, mediante a aquisição de novos  equipamentos.

Quais os outros equipamentos que o hospital ainda carece?

Ainda carecemos de mais equipamentos.    Estamos a prever, no próximo ano, adquirir mais equipamentos, porque existem algumas especialidades que precisam ser reforçadas com meios de diagnóstico. Primeiro, vai ser necessário aumentar mais uma cadeira de Estomatologia. Modernizar ainda mais os serviços de Oftalmologia e Gastroenterologia, adquirindo um aparelho de Endoscopia para esta última especialidade. A própria direcção clínica entende que é necessário termos uma torre cirúrgica para  atender outras áreas.  O serviço de Cardiologia também precisa ser modernizado com novos equipamentos que possam melhorar a qualidade do serviço prestado. Temos ainda a Laringologia e Dermatologia.   A Dermatologia, por exemplo, é um dos serviços muito solicitados pela população, bem como a Psiquiatria.

Qual é o número de pacientes que acorre aos serviços de Dermatologia, Fisioterapia e Psiquiatria?

Só a Dermatologia atende, em média, 200 a 300 pessoas em cada mês. A Psiquiatria está acima de 140, bem como a Fisioterapia.

Sendo um Hospital Geral,   já não era tempo de ter  também serviços de Pediatria ?

Sem dúvidas.  Curiosamente esta vai ser uma das principais novidades para o próximo ano. Além da Pediatria, vamos também ter a especialidade de Ginecologia.  Porque, como disse e concordo, a nossa unidade é um Hospital Geral. Por isso deve ter a cobertura de mais especialidades.  Ainda há várias especialidades que ainda não dispomos, mas estamos a caminhar para isso. Como exemplo precisamos também da Ortotraumatologia, a  Infecciologia, Angiologia  e muitas outras  que ainda não  temos. As especialidades clínico-cirúrgicas e médicas básicas, o hospital já dispõe. 

As especialidades existentes correspondem ao perfil epidemiológico da província da Lunda-Norte?

Sim. As especialidades clínico-cirúrgicas e médicas básicas existentes correspondem ao perfil epidemiológico da nossa  província. O Hospital Geral David  Bernardino  "Kamanga” recebe pacientes dos dez municípios que compõem o território da Lunda-Norte. O hospital já dispõe das especialidades para prestar melhor assistência e cobertura necessária contra as doenças mais frequentes na província.

E qual é o perfil epidemiológico do Hospital Geral David Bernardino "Kamanga”?

A malária é, ainda, a principal causa de internamento.   Temos também as doenças diarréicas agudas, assim como acidentes, porque recebemos muitos pacientes politraumatizados e as malárias associadas à anemia.

Ainda  assim, a população continua a considerar o Hospital Geral da Lunda-Norte um "matadouro”, devido ao número de óbitos. Como é que explica isso?

O nosso hospital hoje é muito concorrido.  Serve de escape para toda a periferia   da cidade do Dundo e os dez municípios, incluindo pacientes em trânsito, provenientes dos projectos diamantíferos, ficam também na nossa unidade. É  uma unidade   que se pretende que tenha qualidade em saúde e segurança  hospitalar. O conceito de hospital público em Angola mudou.  Há toda uma preocupação   do próprio Ministério  da Saúde para que os maiores  hospitais públicos  sejam  dotados de práticas de  boa governança. Devem ter modelos eficientes, em termos de qualidade assistencial. Então estamos a apostar na segurança hospitalar, engenharia clínica, melhoria no planeamento terapêutico, estratégico,  boas  práticas logísticas e qualidade  da despesa, uma vez que os recursos são  escassos.

Então, não corresponde à verdade a ideia passada pela população de que o Hospital Geral David Bernardino "Kamanga" é um "matadouro”?

Não corresponde à verdade que o Hospital Geral David Bernardino "Kamanga" seja um "matadouro”. Não estamos desalinhados. Estamos a investir para melhorar. Todos os hospitais do mundo têm registo de óbitos, até os mais sofisticados do mundo.  Estamos alinhados com a estratégia do Ministério da Saúde e garantir uma boa assistência   às populações.

O que estão a fazer para acabar com esta percepção da população sobre o Hospital Geral?

Nós vamos, no próximo ano, abrir um Gabinete do Utente, que visa, essencialmente, diminuir a distância entre os familiares do   paciente e o hospital e quebrar todas as barreiras existentes. É um projecto de humanização, digamos assim.  Há toda uma necessidade de melhorarmos a comunicação. O paciente, grave ou não, o hospital tem a obrigação de comunicar aos familiares e fazer o devido acompanhamento.  O Gabinete do Utente é para assegurar a qualidade no atendimento e acolhimento. A qualidade em acolhimento é sobretudo no internamento. Pretendemos diminuir a janela que existe entre os usuários dos serviços de saúde e técnicos do Hospital.

Asseguramos que, no próximo ano, a população vai ter melhores serviços neste hospital. As nossas acções concorrem para este objectivo.  Vamos ter uma unidade sanitária como a população sempre desejou. Este hospital não é um matadouro, porque temos profissionais preocupados com a humanização.

Actualmente, qual é o número de óbitos?

Por exemplo, no período de Janeiro a Setembro deste ano, o Hospital Geral David Bernardino "Kamanga” internou 2. 960 doentes, com registo de 2.459 altas e 322 óbitos.   Como pode ver, não estamos perante um matadouro.

O que leva então à má percepção da população em relação ao hospital?

Todas as mortes têm causa. Assistimos que o número de internamentos vem aumentando bastante. Só isso significa que as pessoas depositam confiança nos serviços prestados.  Em média mais de três mil utentes são atendidos em cada mês e,  no mesmo período, por vezes realizamos acima de mil cirurgias.  Em relação ao exercício 2021, em que tivemos um número reduzido de atendimentos  e internamentos, devido ao estigma que se criou que o Hospital Geral David Bernardino " Kamanga " era um matadouro.   No passado, este hospital internava 30 a 40 pessoas, por falta de confiança nos nossos serviços. Hoje, a procura de camas chegou a quase cem por cento da nossa capacidade instalada, onde a taxa de ocupação obriga a equipa médica a uma gestão rigorosa.

Como é que chegam os pacientes que vão a óbito?

A maior parte dos pacientes que vão a óbito chegam em fase terminal. Ou saíram de uma rede sanitária precária sem Cuidados Intensivos e laboratório,  postos de saúde privados da periferia, sem quaisquer  condições de assistência.  Há casos de pessoas que ficaram muito tempo com a doença em casa.

A maior parte dos pacientes que entram em estado grave vão a óbito em menos de 24 horas. Os que chegam cedo com diagnóstico precoce do estado serológico, conseguimos salvar.  Precisamos incutir na nossa população o sentido de procurar as unidades sanitárias, sobretudo as de referência, o mais cedo possível.  Temos, aqui na Lunda-Norte, um fenómeno da crença nas igrejas espíritas, que retêm pacientes.  Só depois de se agravarem é que procuram o nosso hospital. Temos unidades de Cuidados Intensivos, Bloco Operatório com uma equipa de cirurgiões composta por três profissionais, Banco de Urgência funcional, fábrica de oxigénio.

O abastecimento de medicamentos é regular?

O hospital não tem grandes dificuldades nesse aspecto, o ciclo de abastecimento é constante. Não há registo de ruptura.   Temos sempre reposições em função do número de atendimentos e internamentos.   Compramos medicamentos para todo o tipo de patologias, com base num plano de necessidades da  direcção clínica. Os planos são elaborados segundo o perfil  epidemiológico hospitalar e vamos à procura dos melhores fornecedores, com a avaliação de custos com a cadeia de importadores. Hoje, a Lunda-Norte também já conta com seis depósitos de medicamentos que são, praticamente, os mesmos que estão em Luanda, o que já encurta o tempo de entrega.  A área Clínica é a que, praticamente, consome a maior parte do orçamento do hospital, em cerca de 60 por cento. Consome com medicamentos, material gastável, processos clínicos, contratação de pessoal, alimentação para os doentes internados e  limpeza  hospitalar.  Ou seja, todas as despesas realizadas no universo da unidade, são da área Clínica.  Portanto, hoje, não temos problemas de medicamentos para os doentes internados e, em alguns casos, para os que estão em regime ambulatório. Qualquer dificuldade é resultante do contexto financeiro que o país atravessa.

  "Vamos, em breve, iniciar uma campanha de cirurgias da hérnia”
A Lunda-Norte regista nos últimos tempos muitos casos de hérnia. Esses casos chegam a este hospital?

Agora estamos a receber. Vamos, em breve, iniciar uma campanha de cirurgias da hérnia, com mais de 100 pacientes que já agendaram a cirurgia. É uma campanha que o hospital vai abrir, em função mesmo do aumento de casos.  Muitas pessoas estão a   acorrer à nossa unidade, porque antes escondiam esta doença. Hoje estamos a resgatar a confiança porque a unidade cirúrgica está a funcionar. As pessoas ligam para agendar a cirurgia da hérnia, incluindo hemorroides.   Apelamos à população a evitar gastar os seus parcos recursos em postos   e centros de saúde privados sem as mínimas condições de assistência.

Nesse momento, quais são os serviços que estão em pleno funcionamento?

Actualmente contamos com 17 serviços, designadamente, Medicina Interna, Cirurgia, Ortopedia, Dermatologia, Psiquiatria, Urologia, Proctologia, Cardiologia, Gastroenterologia, Fisioterapia, Oftalmologia, Otorrinolaringologia, Neurocirurgia, Maxilofacial, Estomatologia, Psicologia  e  Unidade de Cuidados intensivos ( UCI ).  A média diária de pacientes atendidos é de 230 pessoas, com patologias diversas.

Quantos profissionais asseguram o hospital?

O hospital é assegurado por 405 trabalhadores, repartidos em 37 médicos, 187 enfermeiros, 81 técnicos de diagnóstico e terapeuta, 47 administrativos e 59 auxiliares. Quanto aos médicos, 19 são nacionais e 18 expatriados.

Ganhamos profissionais como uma analista clínica, que é uma pós-graduada em Laboratório. Aliás, o nosso laboratório hoje dispõe de oito técnicos superiores que asseguram o processamento das análises com maior segurança e fiabilidade.

Há necessidade de se aumentar o número de médicos?

Sim. Por iniciativa da Direção do Hospital pretendemos, a partir do primeiro semestre do próximo ano, aumentar o número de médicos, em função do actual movimento, com prioridade para a Pediatria, Ginecologia e mais outros ligados à Medicina Interna. A intenção é ter, também, uma equipa médica destacada nos internamentos das alas masculina e feminina, na Cirurgia e Ortopedia. Queremos evitar que nas horas de muito movimento o médico em serviço abandone o Banco de Urgência para atender outros casos, conforme ocorria no passado.

A UCI está bem servida em termos de especialistas?

A Unidade de Cuidados Intensivos tem a sua equipa devidamente composta. Conta com dois médicos expatriados de terapia intensiva   e uma enfermeira, também especializada em terapia intensiva. Temos, ainda, uma médica nacional que reforça a UCI, incluindo, três enfermeiros com formação superior que estão nos Cuidados Intensivos. A nossa perspectiva é termos quadros nacionais a assegurar esta área, uma vez que está em curso o programa das especializações, quase em todo o país.  Estamos igualmente a aproveitar o activo de médicos expatriados para a transferência da experiência e conhecimentos aos nacionais. O nosso desafio é, também, proporcionar mais condições de equipamentos aos médicos. Temos de modernizar os serviços adstritos à área clínica.  Não queremos sugar a capacidade humana do profissional. Precisamos aliar especialistas a funcionalidade de serviços, com as ferramentas necessárias.

"As melhorias que estamos a fazer abrangem  o Banco de Urgência”
Tem havido muitas reclamações sobre o funcionamento do Banco de Urgência e o atendimento nas consultas externas. O que é que se passa?

As melhorias que estamos a fazer  abrangem  o Banco de Urgência. Modernizamos também as consultas externas para podermos conferir à nossa população um certo conforto e retirar o estigma hospitalar. Acabar com o sofrimento provocado pelas filas e a demora no atendimento. É uma reclamação justa, mas hoje é possível as pessoas   acorrerem às consultas externas do nosso hospital e terem um atendimento confortável e humanizado.  Estamos a gerir devidamente as filas. Vamos ter um Call Center para o agendamento de consultas gerais e de especialidade.

O dinheiro atribuído pelo Estado satisfaz as necessidades do hospital?

Em saúde os recursos são sempre escassos. Nunca chegam, porque é difícil dimensionar a doença.  Hoje, detectamos uma patologia, mas amanhã podemos diagnosticar outra, num mesmo paciente. Por isso, a nossa luta é termos uma unidade com meios modernos de diagnóstico. Cada patologia tem custos.  Não olhamos apenas nos insumos como medicamentos, equipamentos e reagentes. Existem outros grandes desafios, mas o Ministério de tutela sempre orientou que devemos apostar na melhoria da qualidade da despesa.

Vamos proibir a entrada de comida trazida pelos familiares”
Os serviços da morgue funcionam sem sobressaltos?

A morgue funciona com uma capacidade de nove gavetas. Existem alguns equipamentos que, pelo tempo, carecem de substituição. Quando o hospital foi construído, não foi prevista uma casa mortuária, por isso, uma das nossas prioridades é a construção de uma casa mortuária.  É urgente.  Temos, actualmente, duas morgues, mas queremos ter uma casa mortuária. A morgue do nosso hospital é gratuita.  Não se cobra nada para a conservação dos cadáveres.

E, quanto aos serviços de cozinha e do refeitório?

Sem problemas. Temos uma entidade que presta serviços de alimentação para os pacientes, que constituem prioridade. Vamos proibir a entrada de comida trazida pelos familiares, salvo aquela que é recomendada pela equipa médica. Já avisamos e, brevemente,  a segurança não vai permitir a entrada de comida, muitas vezes dieta não adequada para a recuperação do  doente, sobretudo ultra-calóricos.  Temos uma cozinha em pleno, que serve os pacientes e funcionários.

O fornecimento de água e energia eléctrica está salvaguardado?

Como disse no princípio, a infra-estrutura está em reabilitação.  Estamos a terminar a construção de um furo de água, como fonte alternativa para o hospital. Ou seja, após um trabalho afincado da equipa responsável pela instalação do ponto de extracção de águas subterrâneas (furo de água) no hospital,  conseguimos alcançar a fonte. São reservas hídricas abundantes, alcançadas a 120 metros de profundidade no leito rochoso.  Entendemos que o aproveitamento de águas subterrâneas revela-se uma alternativa bastante viável à rede de abastecimento pública e uma opção mais económica, podendo a água ser utilizada para consumo humano e outras actividades.

Quanto à energia eléctrica, além da luz da rede pública temos também um grupo gerador e painéis solares. Esta última vai em breve entrar em funcionamento.  Vamos ter três fontes de energia.

Em que pé está o projecto de expansão do hospital?

É um projecto que já foi aprovado pelo Governo Provincial. Neste mo-mento, o Gabinete de Estudos Planeamento e  Estatísticas(GEPE) está a trabalhar em busca de uma linha de financiamento para a  materialização da iniciativa.

O que é que o projecto prevê?

Prevê um ambulatório geral para as consultas externas, um Centro de Formação,  uma  Capela  e uma  Farmácia externa. Projectámos a farmácia externa porque, na cidade do Dundo, depois das 22h00, todos os estabelecimentos de venda de medicamentos estão fechados. Vai ser explorada por uma empresa, mas é um património do   hospital.

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