Entrevista

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Vandalização de equipamentos da ENDE causa prejuízos de 325 mil milhões de kwanzas

André da Costa e Winnie António

Jornalistas

Apesar dos grandes investimentos do Executivo para electrificar o país, a vandalização de equipamentos da ENDE (Empresa Nacional de Distribuição de Electricidade) causou prejuízos na ordem dos 325 mil milhões de kwanzas aos cofres do Estado.

27/12/2023  Última atualização 08H35
© Fotografia por: Maria Augusta | Edições Novembro

As províncias de Luanda, Benguela, Huíla, Cabinda, Huambo e Cuanza- Sul são as mais afectadas. Em entrevista ao Jornal de Angola, o administrador da ENDE para área de Distribuição e Comercialização, engenheiro electrotécnico Sérgio Dindanda, pede mais rigor no combate a este fenómeno e apela aos cidadãos a denunciarem os suspeitos

Senhor administrador, a vandalização de bens públicos, particularmente os da ENDE, é preocupante para a vossa empresa?

A ENDE começou a registar estes casos desde 2016, altura em que surgiu os primeiros furtos de fusíveis, cabos de ligação domiciliar e paulatinamente foi aumentando. A preocupação culminou com uma operação da Polícia Nacional, que resultou na apreensão de vários materiais nos mercados de Luanda. No mesmo ano, verificamos que aquilo não era só vandalismo, mas sim sabotagem. O primeiro caso verificou-se na zona da Camama, por trás dos condomínios Austin e Tulipa, onde o Governo construiu uma nova urbanização, com vários serviços.

Que materiais a ENDE tinha instalado naquela zona?

Tínhamos instalado nove postes de seccionamento (PS) e 36 postes de transformação de energia e, depois de pouco tempo, verificamos que 25 por cento deste equipamento tinha sido destruído por desconhecidos. Em função disso, criou-se uma comissão multissectorial, com a presença do ministro da Energia e Águas, João Baptista Borges, integrada por representantes dos Ministério do Interior, Urbanismo e Habitação, do Governo da Província de Luanda e também da administração local, onde constatamos que as infraestruturas eléctricas que já estavam integradas no sistema de distribuição naquela zona tinham sido vandalizadas.

Quais foram os prejuízos dessa vandalização?

Essa vandalização provocou a interrupção da energia, começando no Distrito Urbano da Camama, incluindo todos os condomínios nos arredores, afectando as instalações da Televisão Pública de Angola(TPA), assim como a iluminação pública na Via Expressa, entre a entrada do Lar do Patriota e a entrada da Centralidade do Kilamba. Verificamos que estas acções começaram a afectar a iluminação pública ao longo da Avenida Fidel de Castro, com a destruição de cabos eléctricos.

Conseguiram quantificar o valor dos prejuízos?

Fizemos um levantamento na altura, entre 2016 e 2019, e verificamos que gastamos 15 mil milhões de kwanzas em bens danificados, porque os postos de seccionamento são instalações muito caras. Foi aí que verificamos que já estávamos na presença de acções feitas de forma organizada, situação que nos preocupou. Entretanto, algumas operações foram realizadas pelos efectivos do Ministério do Interior, que resultaram na detenção de alguns grupos de supostos marginais, suspeitos da autoria destas acções, entre 2017 e 2018.

Qual foi a situação depois de 2018?

O nível de acções de vandalização de equipamentos da ENDE tem aumentado e 2020 foi o pico desta situação.  Quase toda Avenida Fidel de Castro foi vandalizada. A estrutura de iluminação pública, começando pelos postes de transformação, cabos que alimentam a iluminação pública, armários de distribuição foram afectados. Tendo em conta que se trata de uma avenida extremamente importante na circulação de pessoas e meios, tivemos necessidade de repor os materiais furtados e restabelecer a corrente eléctrica.   

Quanto é que foi gasto para repor os equipamentos furtados ou danificados em 2020? 

Tivemos um custo de cerca de 955 milhões de kwanza em 2020, isto, nos meses de Maio e Junho, num espaço de apenas dois meses. Depois da reposição do material furtado, voltou a vandalizar os bens eléctricos, partindo da Ponte do 25 até à entrada do Kilamba, próximo ao condomínio Vereda das Flores, em Julho do mesmo ano. Foram destruídos postos de transformação e subtracção dos cabos ao longo de todo aquele percurso. A reposição desse material custou 237 milhões de kwanzas. Daí para frente, começamos a registar algumas áreas que também foram afectadas, com a vandalização de estruturas eléctricas nas centralidades do Kilamba, Vida Pacífica e em alguns bairros do município de Cacuaco e Belas.

O que diz a Polícia sobre os suspeitos dessas acções?

A explicação dada pela Polícia é que se trata de uma matéria sensível e que está a ser investigada. O que nos é apresentado é simplesmente o material recuperado e, em função disso, enviamos os técnicos para verificarem se os materiais são os mesmos subtraídos dos postes eléctricos e se ainda têm alguma utilidade. Em relação aos detidos, são tratados pelos órgãos de Defesa e Segurança. O mais importante é a recuperação do material furtado. Normalmente, não tem havido funcionários da ENDE envolvidos nessas acções e caso isso acontecer, a instituição toma medidas duras.

Qual é o destino dado ao material retirado dos postes e cabinas eléctricas?

Das últimas sondagens e informações que tivemos, o cobre é levado para as casas de sucatas, no sentido de ser transformado em barras e muitas vezes esse material é exportado. Uns são levados aos mercados para serem comercializados a preços diversos.

Qual é a situação de 2020 até ao presente?

De 2020 até ao presente ano, nada mudou e, pelo contrário, a situação tem se agravado. Só este ano, tivemos um prejuízo de 325 milhões de kwanza com a destruição das torres que suportam as linhas entre Benguela e Baía-Farta. Temos mais de 100 subestações eléctricas asseguradas pela Polícia Nacional e pela Segurança Empresarial da ENDE. Temos mais de 174 postes de seccionamento, destes, alguns estão assegurados e outros não. Há também 14 mil postes de transformação, tanto privados como públicos. Temos feito acções de sensibilização da população para não destruírem bens públicos, uma vez que a energia beneficia toda a população.

Que tipo de mensagem é que transmitem à população para a mudança de mentalidade?

Geralmente sensibilizamos os cidadãos no sentido de denunciar os supostos criminosos que têm furtado os cabos eléctricos mas, também, pretendemos que se preste qualquer tipo de informação, quando constatamos que há suspeitos a actuar em alguma zona em nome da ENDE. Ainda que forem trabalhadores uniformizados com equipamento da empresa para fazerem alguma intervenção, devem apresentar documentos que os identifica de que estão autorizados a fazer intervenção pontual numa determinada zona, bairro ou rua.

E qual tem sido o nível de resposta da população?

Temos tido respostas satisfatórias, através das denúncias que recebemos, o que, para nós, é extremamente importante. Temos que prestar informação à população de que o bem público foi colocado num determinado espaço para atender os cidadãos, pelo que o cidadão deve ser o primeiro a proteger a instalação colocada para o servir. E isso tem ajudado a alertar, não só a ENDE, mas também os órgãos de Defesa e Segurança para o asseguramento das instalações.

Existem automobilistas que danificam postos e cabinas eléctricas. São responsabilizados?

Todo o indivíduo que danifica algum activo da ENDE deve ser responsabilizado. Mas temos registado casos de automobilistas que danificam bens da empresa e se colocam em fuga. Assim fica difícil identificar o prevaricador, por isso, entregamos o assunto à Polícia, no sentido de investigar para que o automobilista seja responsabilizado. 

E se a destruição do bem ocorrer de forma involuntária?

Quando estamos diante de uma situação do género, é localizado o automobilista para o responsabilizar pelo bem destruído. Nós efectuamos um levantamento dos danos causados, fazemos o orçamento e o remetemos para que seja pago. Cada situação tem o seu custo e não é um valor fixo. Depende do material danificado. Em caso de acidente de viação, o automobilista é responsabilizado a pagar o bem, mediante apreensão da viatura por parte das autoridades policiais até reparar os danos.

E se for um acidente em que o automobilista morre, qual é o tratamento?

Quando o acidente envolve morte do condutor, geralmente a ENDE se responsabiliza, primeiro fazendo a reposição do material e, depois, vai atrás do processo do acidente para se apurar bem os factos ocorridos.

É possível calcular os prejuízos de 2016, altura em que começaram os actos de vandalização, até ao presente?

De lá para cá, estamos com um prejuízo de 32 mil milhões de kwanza até à data presente. É um valor muito alto, porque o tipo de equipamento usado pelas nossas instalações, principalmente os postes de seccionamento, custam muito caro para os cofres do Estado.

As casas de pesagem são um incentivo a esse tipo de crimes?

Pretendemos que as forças de Defesa e Segurança consigam controlar essa situação, para que não haja mais zonas privadas do fornecimento de energia, porque a empresa está a entrar numa situação difícil em termos de recursos financeiros. Actualmente, para encontrar equipamento no país, para reposição, é muito difícil. Trabalhamos com parceiros que nos fornecem o material a partir do exterior.

Que apelo é que deixa para os cidadãos?

Apelamos aos órgãos de Defesa e Segurança a serem mais rigorosos e que haja um trabalho firme para que a vandalização de bens públicos termine. Se assim não for, a situação pode piorar, porque afecta, não só a rede de distribuição, mas o transporte de energia ao nível do país. A vandalização da rede de transporte de energia de um município para o outro, como Benguela para Baía-Farta, custou mais de 300 milhões de kwanzas para a reposição da energia eléctrica. Esse dinheiro dava para electrificar uma determinada zona, onde os clientes ainda não têm electricidade. Isso iria aumentar o nosso negócio, mas com esse vandalismo, temos que repor a luz porque temos compromissos com os clientes.

Quais são as províncias com mais casos de vandalização dos equipamentos da ENDE?

O alto nível de vandalização de bens públicos da ENDE verifica-se em todo o país, com maior incidência nas províncias de Benguela, Luanda, Huíla, Cabinda, Huambo e Cuanza- Sul.

Dívida de 248 mil milhões de kwanzas de particulares e empresas

Quais são os maiores desafios da ENDE?

Aumentar a taxa de electrificação do país, uma vez que estamos já em 43 por cento. Queremos, até 2027, atingir cerca de 50 por cento. Queremos também massificar o sistema de contagem para melhorar a qualidade de facturação e aumentar as receitas, razão pela qual temos dois projectos essenciais com o Banco Africano de Desenvolvimento, Banco Mundial e o BFA.

Já foram lançados concursos e estamos a trabalhar para termos cerca de 1 milhão e 200 contadores pré-pago e beneficiar os cidadãos. Isto, para atender o diferencial que existe e para reduzirmos o número de reclamações dos clientes, por causa da facturação por estimativa.

Essa cobrança vai requerer o uso de tecnologias modernas?

Neste projecto, introduzimos a componente tecnológica, não só para os nossos sistemas, mas também para a facturação e cobrança. Isto vai ajudar a aumentar a receita para beneficiar a população. O ministro da Energia e Águas e o PCA da ENDE estão a fazer visitas, começando na região Norte, Leste até ao Centro, constatando as zonas que estão a ser electrificadas.

Há muitos clientes que devem à ENDE?

Este é o grande problema que temos. Há uma dívida de 248 mil milhões de kwanzas de particulares e empresas.  O que vai combater isso é a instalação de sistemas pré-pago. É um desafio que temos e neste momento os concursos já foram lançados. Já existe financiamento e estamos na fase de elaboração de contratos. Pensamos que, a partir do primeiro semestre do próximo ano, vamos começar a instalar alguns contadores no âmbito deste projecto pré-pago.

 

 

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