Entrevista

Entrevista

“Vou, como irmão solidário, disposto a aprender com os outros e a conviver na caridade”

Quinito Kanhameni | Ondjiva

Jornalista

Dom Germano Penemote foi nomeado, a 16 de Junho, pelo Papa Francisco como Núncio Apostólico (representante do Vaticano) no Paquistão, tendo sido ordenado a bispo no dia 12 de Agosto, em Ondjiva, província do Cunene, sua terra natal.

07/09/2023  Última atualização 09H25
Núncio apostólico da Igreja Católica no Paquistão © Fotografia por: Cedidaq
Nesta entrevista exclusiva ao Jornal de Angola, o sacerdote angolano disse que parte para a nova missão com o desafio de transmitir solidariedade e disposição para aprender com o povo paquistanês

Quem é Germano Penemote?

Sou filho do Cunene que, como tantos outros, conhece a história e as populações desta província. Valorizo as suas conquistas e sinto no âmago os seus momentos de amargura. Como cristão e cidadão, anseio por uma vida melhor para todos. Rezo por um futuro risonho e para uma província onde as crianças possam viver sem fome, e que tenham uma educação escolar condigna, onde os jovens possam realizar os seus sonhos sem fugir para outras paragens do continente e do mundo.

Frequentou aqui os estudos primários e secundários?

Comecei a estudar aos 8 anos de idade, na escola de Ohakaonde, na comuna da Môngua, município de Oukwanyama (no Cunene), no ano de 1977. Em 1981 interrompi os estudos devido à guerra e, retomei-o em Luanda, no ano de 1985, na escola nº30, depois fui ao Mutu-ya-Kevela e Nzinga Mbandi.

É o primeiro angolano nomeado Núncio Apostólico pelo Vaticano. O que isto representa para Angola?

Penso, humildemente, que tudo acontece segundo a providência divina e, além de ser ou não "o primeiro” angolano nomeado Núncio Apostólico, é o nosso país que avança, ascende novos patamares no âmbito da diplomacia mais antiga do mundo, e a mais consultada a nível internacional. Angola terá, certamente, que, saber estar e fazer, para que a minha presença pelo mundo não seja apenas conhecida e aproveitada no ornato da diplomacia da Santa Sé, mas também como meio facilitador de iniciativas nobres para o bem-estar de todos.

Alguma vez lhe passou pela cabeça que estaria nesta condição de Núncio Apostólico?

Antes de entrar na Pontifícia Academia Eclesiástica, em 1999, não tinha pensado nessa possibilidade. Por conseguinte, sendo enviado a Roma para estudar, em vista da diplomacia da Santa Sé, não podia não pensar no que acabámos de constatar, porque, por via regular, os Núncios Apostólicos são formados na referida instituição eclesiástica.

De padre para arcebispo, para trabalhar numa terra distante. Que informações tem da Igreja Católica no Paquistão?

O episcopado não significa sair ou deixar de ser padre, mas sim a elevação ou terceiro e último grau do Sacramento da Ordem, a plenitude do sacerdócio. Além disso, o Paquistão, não é mais distante de Angola do que o Peru, da Tailândia e do Uruguai, onde tive, também, a sorte e a felicidade de trabalhar. Tenho informações pontuais sobre a Igreja no país do meu destino, sobre as quais se requer a oração de todos, o diálogo permanente, a compreensão recíproca e a cooperação diplomática.

Quais são os principais desafios que leva para os cristãos deste país, com hábitos e costumes muito diferentes de Angola?

Vou como irmão solidário, disposto a aprender com os outros e a conviver na caridade. Procurarei transformar a minha vida em sorrisos dos que estão alegres, e em lágrimas dos que estarão humanamente tristes. Peregrinando pelo mundo, aprendemos a encarar novos hábitos e costumes, a encontrar outros povos e saber estar distintamente na diversidade. O respeito humano é o princípio catalisador de cada sociedade, independentemente da nossa origem e religião. A coexistência harmoniosa e pacífica na diferença, inclusive no contexto religioso é, sim, um sinal de maturidade humana e da compreensão à súplica do Senhor: "para que todos sejam um só Pai, como Tu estás em mim e Eu em Ti” (Jo.17,21ss).

O Paquistão é um território dominado pelo islamismo. Como olha para esta questão de os cristãos serem uma minoria neste país?

 O nosso planeta tem suas diferenças, assim como os povos que o habitam. Se em Angola vivemos de uma maneira, no Paquistão pode ser diferente. Angola é um país de maioria cristã e o Paquistão é de maioria islâmica. Assim poderíamos também recordar o Reino da Tailândia, cuja maioria da população é constituída por budistas, ou ainda a Índia, onde os hindus dominam a composição social. Por isso, não constitui para mim motivo de surpresa e inquietação, o facto de os cristãos serem minoria no Paquistão. Aliás, sou muito esperançoso no que diz respeito ao melhoramento do futuro deles. O mais importante e necessário é que os seus direitos sejam reconhecidos, respeitados e protegidos, porque, afinal de contas, todos somos irmãos (Mt, 23,8) pelo facto de termos o mesmo criador.

Recebe algum feedback positivo da sua nomeação a partir do Paquistão?

É indispensável. No âmbito diplomático, a obtenção do feedback, ou seja, a resposta de agrado sobre a proposta de uma nomeação relevante, da parte das instâncias afins ou competentes. O Estado Islâmico do Paquistão observa solenemente essa regra.

Como olha para Angola que está a deixar, do ponto de vista político, económico e social?

Mais do que eu, que regressei a Angola há apenas três semanas, penso que são os residentes no país que deveriam fazer uma avaliação mais objectiva sobre o estado político, económico e social da nação. Entretanto, constato, com não pouca preocupação, uma certa insatisfação social, devido à instabilidade da economia local, a falta de emprego para os jovens e a pouca consistência no campo da educação e da saúde. Ainda há crianças que levam seus banquinhos para a escola, enquanto outras estudam debaixo de árvores. Nos centros sanitários e instituições bancárias aparecem longas filas de pessoas, o mesmo se vê nas bombas de combustíveis, o que indica que a nossa economia necessita de novas estratégias, porque a demanda do consumidor superou o produto presente no mercado. Perante a evidência, é necessário encontrar mecanismos adequados para se extirpar o índice de po-breza, rumo ao desenvolvimento mais abrangente e equilibrado, para toda a sociedade angolana.

  "Os angolanos devem sentir-se livres e unidos para elevar o nível do desenvolvimento do país”
Que
mensagem deixa para o povo angolano, neste momento considerado difícil?

Digo apenas que não vale a pena perder a esperança. A vida social tem seus altos e baixos, assim como a política, a economia e a religião. Não há mal que não tenha fim e, não existem obras humanas sem sobressaltos. Os angolanos devem sentir-se livres e unidos para alavancar a vida de todos e elevar o nível do desenvolvimento do país. Os mais instruídos devem não apenas ser reconhecidos, mas também valorizados e incluídos nos encargos de sua competência, nas diversas estruturas sociais, independentemente das cores partidárias. A pobreza e o analfabetismo devem ser extintos, para que a família angolana possa ganhar o mesmo ritmo no seu ser e no seu ter. Não se deve desperdiçar o capital humano e a sua força laboral. Por isso, a juventude deve ser incentivada e as suas reclamações ouvidas, para encontrar soluções que levam ao bom nome dos cidadãos e da nação.

Antes desta missão, o arcebispo esteve em Roma. Em que circunstâncias foi parar ao Vaticano?

Fui enviado a Roma, em 1999, por Dom Fernando Guimarães Kevanu, então Bispo da Diocese de Ondjiva, diplomático da Santa Sé. O facto ocorreu em 2003. Tinha apenas um ano de sacerdócio. Ainda tinha muito trabalho por fazer na Cúria Diocesana de Ondjiva, na Sé Catedral e no Seminário Propedêutico de Omupanda. Deixei tudo e fui parar ao Vaticano.

O senhor é, hoje, arcebispo. Até aqui, qual é o caminho que teve de trilhar?

De criança e adolescente vivi na aldeia de Ondobe, na comuna da Môngua. Entrei na Missão Católica de Omilunga, em 1985, e no ano 1998 fui ordenado sacerdote. No ano seguinte fui a Roma e, em 2003, comecei a trabalhar na diplomacia pontifícia. Tenho prestado serviço na Nunciatura Apostólica no Benim, Uruguai, Eslováquia, Tailândia, Hungria, Peru e Romênia.

Que recordações tem da sua família?

Trata-se de uma infância conturbada, não só por ter perdido a minha querida mãe aos seis anos de idade, mas também por ter vivido num meio ambiente difícil, caracterizado pela guerra. O facto de ter ficado quatro anos (1981-1985) sem estudar, devido à invasão militar sul-africana à província do Cunene, pode, sem dúvida alguma, fazer com que se entenda bem a causa de uma infância perturbada como foi a minha. Entretanto, tive irmãos, primos e amigos coetâneos, que souberam transmitir-me o seu calor de estima e amizade. Por isso, não só tive ocasiões de tristeza, mas também momentos de alegria, paz e serenidade, graças aos meus familiares e amigos.

Como olha, em termos comparativos, para a Igreja do seu tempo de jovem e dos dias de hoje?

Posso dizer que a Igreja, apesar de ser a mesma no passado e no presente, tem-se manifestado segundo as circunstâncias e, longe de estar atrelada ao sistema social político e económico. Anuncia o Evangelho de Jesus Cristo como fundamento no amor a Deus e ao próximo, na justiça e na paz, como princípios catalisadores da sua missão primordial, isto é, a salvação das almas (Can. 1752, CIC).  

PERFIL

Dom Germano Penemote

Nasceu a 24 de Outubro de 1969, na comuna da Môngua, município do Cuanhama, província do Cunene.

Fez os seus estudos primários na província do Cunene e, os secundários em Luanda.

Ingressou no Seminário Arquiepiscopal de Luanda, em 1988, ano em que frequentou o curso propedêutico.

Estudou filosofia nos anos 1991 a 1994 e teologia nos anos 1994 a 1998, no Seminário Maior do Sagrado Coração de Jesus, em Luanda.

Foi ordenado sacerdote aos 6 de Dezembro de 1998, na Missão Católica de Omupanda.

Desempenhou sucessivamente cargos de vigário paroquial da Sé Catedral de Ondjiva, entre outros encargos na Cúria Diocesana e no Seminário do Coração Imaculado de Maria.

Ingressou na diplomacia vaticana, em 1999.

É doutorado em Direito Civil e Canónico pela Universidade Pontifícia do Latão, em Roma, no período entre 1999 a 2003, altura em que foi nomeado adido e secretário da Nunciatura Apostólica nas Repúblicas do Benim, Togo, Uruguai e Eslováquia.

Entre 2013 e 2016, exerceu o cargo de conselheiro de segunda classe na Tailândia e no Camboja, cumulativamente com as delegações apostólicas no Laos e no Myanmar.

Ainda em 2016, foi nomeado conselheiro de primeira classe da Nunciatura Apostólica na Hungria, Peru e Romênia, cargo que ocupou até 16 de Junho de 2022, data em que foi nomeado Núncio Apostólico no Paquistão, pelo Santo Padre, Papa Francisco, o Núncio no Paquistão, elevando-o à categoria de arcebispo a 18 de Maio deste ano.

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