A ministra das Finanças chefiou uma delegação angolana que participou, desde segunda-feira passada até domingo, em Washington, nas reuniões de Primeira do Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional (FMI). Em entrevista à Rádio Nacional e ao Jornal de Angola, Vera Daves de Sousa fez um balanço positivo das reuniões – oitenta, no total –, sendo que, numa delas, desafiou a Cooperação Financeira Internacional (IFC) a ser mais agressiva e ousada na sua actuação no mercado angolano. O vice-presidente da IFC respondeu prontamente ao desafio, dizendo que até está a contar ter um representante somente focado em Angola e não mais a partilhar atenção com outros países vizinhos na condução local do escritório do IFC. Siga a entrevista.
Kaissara é um poço de revelações quase inesgotável, como a seguir verão ao longo desta conversa, em que aponta os caminhos para um futuro mais consequente da modalidade; avalia o presente das políticas adoptadas sobre a massificação e formação. Mostra-se convicto de que o país pode, sim, continuar a ser a maior potência africana do Hóquei em Patins
Aos 16 anos, tomou a maior e melhor decisão da sua vida: abandonou um estágio ao serviço do clube Progresso do Sambizanga e, às escondidas, acompanhado por agentes desportivos, Pedro Manuel Torres, Mantorras, rumou para Portugal em busca do sonho de ser um grande jogador de futebol. Passou pelos clubes Barcelona, Académica de Coimbra e Alverca, que vendeu o seu passe ao Benfica, onde, durante anos, brilhou e deu alegrias aos angolanos e portugueses. Fora dos relvados há 13 anos, fruto de uma lesão, Mantorras, que considera Luís Filipe Vieira um pai, revelou que tem um salário vitalício e que vai construir uma academia desportiva em Luanda para devolver tudo o que o país e os angolanos fizeram por ele.
Depois de tanto tempo na Europa(eu vivo em Portugal), vim passar o Natal com a família. Além disso, eu tinha feito um pedido ao senhor governador de Luanda, Manuel Homem, para uma audiência e nessa conversa que tive com ele, uma pessoa muito simpática e humilde, pedi-lhe que me cedesse um espaço para construir uma academia, a Academia Mantorras.
Era um sonho seu construir essa academia?
Sim.
é um sonho meu construir essa academia, porque o meu país me deu muitas coisas
e sinto que devo contribuir de alguma forma para ajudar os nossos. Alguns
colegas meus fazem isso nos seus países e eu sinto que devo fazer o mesmo em
Angola, em prol do futebol e do desporto angolano no geral. Obviamente, nem
todos serão bons jogadores, mas estamos interessados em formar grandes homens.
A ideia é essa e tenho o patrocínio da Adidas, que vai fazer a Academia
Mantorras, além de ser o principal patrocinador da academia. Então, preciso
desse espaço.
E, pelos vistos, conseguiu…
Graças
a Deus, o senhor governador de Luanda cedeu-me um espaço. Já tinha pedido aos
antigos governadores, contudo, nenhum deles me cedeu um terreno. Felizmente, o
senhor governador Manuel Homem é uma pessoa que gosta de desporto, sensível e
que também sente a dor dos outros angolanos como eu. Ele abraçou o meu projecto
e, graças a Deus, cedeu-nos o terreno.
Então, vamos ter o Mantorras no país mais vezes?
Não,
necessariamente. Mas quero deixar um legado em que apareçam muitos Akwás,
Gilbertos e outros bons jogadores para também competirmos com as outras
selecções sem estarmos em desvantagem. Estamos habituados a jogar em Portugal,
é o nosso mercado. Entretanto, devíamos formar jogadores para irem actuar também
noutros mercados. Não temos, ainda, um angolano a jogar na Liga dos Campeões e
noutras competições do topo da Europa. Queremos preparar grandes jogadores na
academia e sabemos que nem todos se tornarão em atletas de alta competição. Mas
vamos preparar bons cidadãos para o futuro. Tudo o que o país fez por mim, eu
vou devolver ajudando outros angolanos a serem como o Mantorras, o Akwá ou o
Gilberto, para termos, futuramente, uma selecção forte. Muitos poderão não
chegar à Europa, mas serão capazes de servir as equipas locais, como o Petro, o
1º de Agosto e o Inter. A ideia é essa.
Vai ser uma academia voltada apenas para o futebol?
Não.
Também vai ter escola, atletismo e quase todas as modalidades desportivas. Não
pretendemos deixar as outras modalidades de fora.
Então o espaço cedido a Mantorras para a academia é grande. Qual é a dimensão do terreno e onde está localizado?
A
minha equipa vai ver o terreno, mas tem uma dimensão de 50 hectares. Era um espaço assim que eu e
a Adidas, que é o patrocinador principal, queríamos.
Está a decorrer o CAN e a selecção de Angola alcançou excelentes resultados. Inéditos. Que palavras tem a dizer enquanto homem do desporto aos angolanos e aos Palancas Negras?
Primeiro,
tenho de agradecer aos jogadores. Eles são heróis por conseguirem estes feitos
num CAN. Estamos a competir de igual para igual com jogadores que actuam nas
melhores equipas do mundo. E todos conhecemos a realidade do nosso campeonato e
o dia-a-dia dos nossos jogadores. Estamos a competir com grandes estrelas do
futebol africano, jogadores que estão habituados a jogar na Liga dos Campeões,
nos campeonatos ingleses. Nós somos heróis, só pelo simples facto de termos
chegado onde chegámos.
Uma palavra para os jogadores da Selecção Nacional…
Temos
de dar graças a Deus e agradecer a esses bravos rapazes, porque muitas
selecções não conseguiram esses feitos. Estou a falar de selecções poderosas,
que ficaram pelo caminho, como o Ghana e a Argélia, que estavam no ranking das
três melhores selecções de África. E quando se fala de África não se fala do
nome de Angola. Mas, neste momento, estamos entre as melhores selecções de
África. Temos de agradecer como angolanos que somos. Estes bravos guerreiros
estão a honrar as cores da nossa bandeira e é bonito ver o empenho, a dedicação
e a humildade dos jogadores, que competiram com pessoas que são de patamares
mais altos que o nosso. Mas nós somos humildes, determinados e temos de
continuar assim. Quando fomos ao Campeonato Africano de sub-20, também tínhamos
0,5 % de chance de ganhar.
Mantorras ainda se lembra dos detalhes dessa experiência? Fale-me um pouco mais desse campeonato.
Foi
em 2001. Fomos campeões de África sub-20. Era quase impossível conseguirmos
essa vitória. Quando chegamos à final contra o Ghana as pessoas não
acreditavam. Perguntavam: "É mesmo Angola que está a jogar?”. Sim, era Angola que tinha chegado à final, com
a humildade e a consciência de que é possível
chegarmos ao primeiro lugar. Basta sonharmos e lutarmos para lá chegar.
Sabemos qual é a realidade do povo angolano, do nosso Girabola, mas não é
proibido sonhar. Os nossos dirigentes têm de ver que temos talento, temos
matéria-prima. É preciso sermos mais profissionais.
O que significa, para si, ser mais profissional? Quem não está a ser profissional?
Isto
que aconteceu no nosso Girabola, de parar o campeonato uns bons meses, não
prejudica só as equipas, mas prejudica, também, a Selecção Nacional e os
próprios jogadores. Eles representam um país, uma Nação. É tão bonito
representar Angola, ouvir e cantar o Hino Nacional! As pessoas não têm noção do
significado que isso tem para um jogador de alta competição. Muitos não têm
esse privilégio de representar o seu povo, a sua bandeira, de cantar o seu
hino. Para muitos jogadores, como eu, que fui atleta de alta competição e tive
o mesmo privilégio que esses meninos estão a ter, é uma honra. É muito bonito e
emocionante ouvir o Hino Nacional!
Qual é a sensação?
É a
de sentir que estás a representar um povo que precisa de alegrias. Porque o
futebol une nações, une pessoas, une cores partidárias, junta todos numa só
causa, que é Angola. Só o futebol faz isso. Não há outro desporto no mundo que
una o mundo inteiro. Então, temos de dar graças a Deus e apoiar esses bravos
guerreiros que estão a levantar a bandeira de Angola, mesmo com as dificuldades
que enfrentam.
A selecção está a enfrentar dificuldades?
O
presidente da Federação Angolana de Futebol veio publicamente dizer que não têm
valores. Isso não se faz, está errado. Esse tipo de discurso lá fora não vende,
não nos engrandece. Só faz com que as pessoas critiquem o nosso futebol. Isto
belisca a nossa imagem. É como se os nossos dirigentes dessem tiros nos
próprios pés. Isso não é bom. Numa competição como o CAN, não se pode vir
publicamente dizer que não há dinheiro. Há tempo para falar disto, agora não é
o momento. Agora é momento de competir e de honrar a bandeira de Angola. Depois
vamos nos sentar para dizer que durante a competição não tínhamos valores, mas
chegámos até aqui com o esforço de todos. Não pode haver isto e, até, chega a
ser triste. É um momento de concentração, de meter o grupo em primeiro lugar e
as cores da Nação acima de todos os problemas que nós, angolanos, temos.
Mantorras também já passou por dificuldades enquanto jogador da Selecção Nacional?
Sim,
eu também já passei por isso. Mas, quando você veste a camisola da selecção de
Angola, primeiro, deve honrar esse compromisso e só depois discutir o que não
está correcto. Isto é o que deve ser feito. Não se pode vir publicamente dizer
uma coisa dessas como se estivesse a falar para crianças. O importante é honrar
as cores da bandeira do nosso país e fazer a nossa participação valer a pena.
Mantorras ainda se lembra dos colegas que jogaram ao seu lado, em 2001, quando foram campeões africanos sub-20?
A
nossa selecção era muito forte. Na baliza, estava o Lamá, na defesa direito,
estava o Manuel, na defesa esquerdo estava o
Vemba, a dupla central era o Kikas e o Guedas, no trinco jogava o Miloy,
depois era o Mendonça, o Gilberto, o Mateus, eu e o Loló. Este era o onze da
equipa de sub-20, que foi campeã africana de futebol.
Governo da Província atribuiu a Mantorras, no mês passado, o título de Munícipe de Mérito da Cidade de Luanda
"É
sempre bom ser reconhecido no próprio país pelos feitos”
O
que significou, para si, a homenagem que o Governo de Luanda lhe fez?
Para
mim, foi uma grande honra. Tenho de agradecer ao governador da província de
Luanda e à sua equipa, que me deram este título de Munícipe de Mérito da Cidade
de Luanda e por esta oportunidade de ser homenageado no meu país. Até agora, eu
só tinha sido homenageado no Benfica, em Portugal. Nunca tinha acontecido no
meu país. Graças a Deus, há uma pessoa com bom senso, que conhece os meus
feitos, as minhas batalhas, as minhas conquistas e tudo o que eu fiz pelo
futebol. É sempre bom ser reconhecido no prório país pelos seus feitos.
Sinto-me muito feliz por isso. Estamos habituados a ver pessoas a serem
homenageadas em Angola só quando morrem. Eu tive a graça de ter sido
homenageado, ainda, em vida. Sou muito grato ao governador Manuel Homem pela
homenagem que me fez no aniversário de 448 anos da cidade de Luanda. É uma
honra, para mim, ter este reconhecimento do meu povo, do meu país e da cidade
em que nasci e cresci. Isto não tem preço.
Continua a lidar bem com os seus conterrâneos do Sambizanga?
Sim.
Sempre. Houve agora um jogo no Sambizanga para me homenagear. O campo estava
completamente cheio, já não havia espaço para ninguém. Havia 18.000 espectadores.
Isso é onde eu nasci, de onde eu vim.
Tenho muito orgulho do lugar de onde eu saí e do povo que me viu
crescer. No Sambizanga, chamam-me Pedrito, principalmente os mais velhos. Tenho
orgulho disso. Quem me chama Pedrito conhece-me bem. Hoje, chego a Angola, fico
com os meus filhos, mas, aos fins-de-semana, vou ver o meu povo. Quando eu
jogava, sempre que tivesse férias, eu ia ter com as pessoas no Sambizanga. É
deste calor que eu preciso e estes são os meus amigos de verdade, não aqueles
que me encontraram famoso e já com uma vida estável. Os meus verdadeiros amigos
são aqueles que deixei no Sambizanga, que, quando me lesionasse e ficasse
triste, eles também ficavam. Quando estou feliz, eles também ficam felizes.
Desses, só tenho cinco.
Pode citar os nomes?
Santana,
Paulucho, João Pequeno, o sr. Nascimento e o Picula, que hoje vive na Alemanha.
Esses são os meus amigos de infância, que a minha mulher e os meus filhos
conhecem. Mas, no percurso da vida, conheci muita gente a quem sou grato. Sou
grato ao tio Maninho Kizembo, um senhor que me viu a jogar no Sambizanga e me
fez crescer no futebol, no Progresso do Sambizanga. Também sou grato ao senhor
Pedro Ngola, que hoje não se encontra entre nós, está com Deus. Agradeço aos
meus treinadores, Man Chibe e Bonducho, já falecido, que me descobriu nas ruas
do Sambizanga. Estas pessoas ajudaram-me a tornar-me no homem que sou. Não
prejudiquei ninguém, não roubei a ninguém. O que tenho hoje é fruto de luta, de
sofrimento, de chuva, de muita batalha e do dom que Deus me deu, que é jogar à
bola.
Parece óbvio, mas quero ouvir de si o que ganhou com este dom?
Este
dom, graças a Deus, fez-me sustentar a minha família, dar uma vida estável às
minhas irmãs, aos meus irmãos. No entanto, sinto um vazio pelo facto dos meus
pais não terem usufruído de nada das minhas conquistas. Morreram muito cedo.
Que idade tinha quando perdeu os seus pais?
Quando
a minha mãe morreu, eu tinha 16 anos. O meu pai morreu mais cedo. Eu,
praticamente, tinha três anos. Não lhes consegui dar nada, então esse é um
vazio que carrego. Mas, para compensar, não deixo faltar nada aos meus irmãos,
aos meus filhos e aos meus sobrinhos.
Quantos irmãos o Mantorras tem?
O
meu primeiro irmão, por parte de pai, chama-se Hipólito. Depois, estão oito
meninas.
Mantorras é o caçula?
Sim.
Sou o caçula de todos. E, como a maioria são meninas, algumas decisões
importantes são tomadas por elas. Fui criado com muitos mimos, porque cresci só
com meninas. Eu, por exemplo, não podia ver a minha irmã a discutir com o meu
cunhado, sobretudo se tentassem lutar, eu entrava em pânico. E sou contra a
violência contra as mulheres, por ter crescido no meio delas e saber o quão
sensíveis são.
Não conheceu o seu pai?
Não,
não conheci o meu pai. Ele morreu quando eu tinha três anos, numa explosão de
um tambor, quando fabricava bebida caseira. Não me lembro do rosto dele, só
tenho uma vaga imagem das pessoas a correrem para escaparem ilesas. Mas, se me
perguntarem se estava no colo de quem ou ao lado de quem, não me consigo
lembrar.
Quantas vezes, por ano, vem a Angola?
Raramente
venho a Angola. Estou mais em Portugal por motivos de trabalho. Hoje, sou
embaixador do Benfica para os países lusófonos.
E isto exige muito de si?
Sim, exige muito, porque tenho de representar o Benfica nos quatro cantos do mundo em que tenha casas do Benfica. Estou sempre nas casas do Benfica em Londres, em Nova Iorque e nos países lusófonos, tirando Angola, que não tem nenhuma. É o único país lusófono que não tem, mas graças a Deus, o senhor governador Manuel Homem cedeu um espaço para a construção de uma casa do Benfica em Luanda. Então, vamos tentar fazer uma casa do Benfica cá e dar continuidade ao Projecto que o clube tem. Às vezes, é difícil para os benfiquistas angolanos saírem de Angola para assistirem a um jogo em Portugal, então, aqui vão poder comprar os bilhetes e fazer as reservas.
"Se
me tiras a família, tiras-me tudo”
Pelo
que entendi, do pouco que disse, tem uma boa relação com a sua família
Tenho,
sim. Se me tirares a família tiraste-me tudo. Se me tiras as minhas irmãs,
tiras-me as pernas. Sou muito ligado à minha família. Antes de jogar futebol ou
de fazer qualquer outra coisa, antes de entrar nos campos, eu tinha de ligar
para as minhas irmãs. Não faço nada sem a minha família e sem as minhas irmãs.
Não abro mão disso. É das coisas que o dinheiro não compra.
Fale-me um pouco dos seus filhos. Nesta altura, alguns já são maiores de idade. Ou estou enganada?
Não,
não. Está certíssima! O meu primeiro filho está com 25 anos, a segunda está com
24. E já tenho uma neta.
É filha do rapaz ou da menina?
Da
menina. Ela já se casou lá mesmo em Portugal. O meu terceiro filho tem 22 anos,
o que está a seguir tem 11, depois vem uma menina de oito e o mais novo, de
cinco anos.
Como estão os seus filhos a nível académico e profissional? Os mais velhos estão formados?
O
primeiro fez Engenharia de Petróleos, a segunda está a seguir Relações
Públicas. A terceira também está a fazer Engenharia de Petróleos.
Nenhum dos filhos sonha ser futebolista como o pai?
Nenhum.
Mas o Luís, um dos mais novos, que tem oito anos, treina no Benfica, na equipa
de juvenis, mas não o considero jogador. Ainda está a crescer. Vamos esperar
que se torne num jogador. Mas, se assim não for, também não há crise.
Mantorras tem negócios cá em Angola?
Até
tenho, mas não gosto de falar sobre isso.
Como é que as pessoas o tratam em Angola, Portugal e noutros locais?
Em
Angola, hoje, os angolanos estão a perder aquela mania e vergonha de verem um
ídolo ou uma pessoa que gostam e ignorarem. Hoje, já tiram fotos, já abraçam,
já fazem perguntas. Acredito, também, que o fazem por causa das redes sociais,
para postarem. Mas, em Portugal, há um fanatismo de verdade.
O que é fanatismo de verdade, na sua visão?
Há
pessoas doentes mesmo. Obcecadas. Eu, em Portugal, já não entro em centros
comerciais. Estou há uns dez anos sem entrar no Centro Comercial Colombo,
porque algumas pessoas são mesmo fanáticas.
Pode dar um exemplo do que esses fanáticos fazem?
Geralmente,
são muito eufóricos. Uns querem tirar fotos, abraçam, choram, pedem para fazer
vídeo-chamada para o pai ver que estão comigo.
Isto não é mau, de todo. O que significam esses gestos para si?
São
reflexos do que eu fiz pelo futebol, das alegrias que dei aos angolanos e aos
portugueses, sobretudo aos benfiquistas. Há sportinguistas que gostam do Mantorras,
por causa da minha maneira de ser. Nunca ataquei ninguém, sempre me comportei
como um ser humano normal como os outros. O meu melhor amigo, o senhor Maninho
Kizembo, é sportinguista. De gema mesmo! Mas nunca misturamos as duas coisas.
Significa que ele apoia o Sporting e o Benfica?
Não. Ele é mesmo sportinguista e nunca apoia o Benfica. Mas nós temos uma amizade profunda. É um pai para mim e uma pessoa por quem tenho profundo respeito. Cada um respeita a paixão do outro e a amizade se mantém. Não posso exigir que ele seja do mesmo clube que o filho e amigo dele, no caso, eu. Cada um puxa a brasa para a sua sardinha, mas com todo o respeito. "Os dirigentes do Progresso e da Federação não queriam que eu saísse”
Como foi a sua ida para o Benfica? Que idade tinha?
Isso
teve um trajecto muito grande. Ainda passei pelo Barcelona, pela Académica de
Coimbra e depois fui jogar no Alverca, que vendeu o meu passe ao Benfica.
Mas como é que Mantorras sai de Angola? Quem é que propõe a sua ida para Portugal?
Foi
o Barcelona que me tirou daqui. Eu era jogador do Progresso do Sambizanga e
estava na selecção nesse dia, de estágio. Fui para Portugal às escondidas. Eu
tinha de jogar com uma equipa na Cidadela, no dia seguinte, domingo(não me
lembro do nome da equipa), e tive que fugir naquele sábado. Fugi do estágio
para Portugal e, de Portugal, apanhámos outro voo para Barcelona. Se não fosse
assim, eu nunca teria saído de Angola.
Então foi uma decisão tomada repentinamente. Que idade tinha?
Eu
tinha 16 anos. Tive que tomar aquela decisão, porque os dirigentes do Progresso
e da Federação não queriam que eu saísse. Estavam a pedir fundos e mundos ao
clube que veio à minha busca. Naquele momento, eu tinha de sair, porque era o
meu destino.
Pelo seu percurso de sucesso, posso depreender que nunca se arrependeu de ter feito isso?
Nunca
me vou arrepender. Se, hoje, sou o homem que sou, é graças a atitude que tive.
Eu tinha 16 anos e cheguei à Europa num inverno de Novembro, trajando calção e
t-shirt. Graças a Deus, encontrei pessoas sérias na minha vida. É por isso que
sou muito grato ao ex-presidente do Benfica, Luís Filipe Vieira, que me fez o
homem que sou hoje e ter o património que tenho.
Mantorras teve, alguma vez, a oportunidade de lhe dizer isso?
Sim,
já lhe disse isso e já falei dele várias vezes. Ele, quando fala de mim, chora.
E eu também me emociono ao falar dele. Somos gratos um ao outro. Ele fez-me o
homem em que me tornei, com princípios de vida. Sou grato por ter encontrado
essa pessoa no meu percurso. Eu podia ser apenas mais um, mas não, sou o
Mantorras. Sou grato por tudo o que ele fez por mim e pelos meus. Deus iluminou
o meu caminho, orientou-me e colocou esse senhor na minha frente, para orientar
a minha vida. Eu saí de Angola, não sabia ler nem escrever em condições. Esse
senhor matriculou-me na escola outra vez e ajudou-me a melhorar a maneira de
falar o português. Fez-me voltar a estudar e acreditar que nunca é tarde para
fazer as coisas na vida. E isso, vou levar para a minha vida toda.
Posso concluir, então, que, embora tenha perdido o pai biológico na infância, ganhou outro pai na adolescência?
Sim.
Perdi o meu pai de sangue, mas ganhei um pai adoptivo, que nunca me abandonou
ao longo de todo esse tempo. Eu, no Benfica ganhava muito dinheiro, e recebia
apenas 15%. O resto, ele guardava. Eu só tive acesso ao meu dinheiro aos
42 anos. O património que eu conquistei
no futebol, foi graças a esse senhor.
Mantorras
está com quantos anos?
Estou
com 44 anos. Este ano, faço 45.
Só há dois anos teve acesso ao seu dinheiro?
Sim.
Eu tinha uma conta conjunta com o presidente Luís Filipe Vieira, que, para ser
movimentada, eram necessárias a assinatura dele e a minha. Chegou um dia em que
ele me disse: "agora que acabaste de jogar, tens este património e este
dinheiro na conta. Isso é fruto do dinheiro que eu te descontava e guardava.
Está aqui todo o dinheiro. É teu. Faz com ele o que quiseres. Daqui em diante,
levas a tua vida”.
O que o Mantorras vai fazer com esse dinheiro?
Para
ser sincero, vou curtir com a minha família, os meus filhos, vou viver a vida
que, durante 17, 18 anos, não vivi, porque queria ser o grande jogador que fui.
A minha vida, enquanto atleta de alta competição, era só selecção e estágio.
Agora, vou viver a minha vida, vou casar com a minha mulher, dar-lhe essa
alegria e dar atenção à minha família.
O que lhe falta fazer na vida? Tem algum sonho não realizado?
O
meu sonho vai ser realizado com a construção da minha academia. A dívida que
tenho com o povo angolano é esta. De resto, já não tenho dívida com ninguém.
Vou fazer isso porque quero e para reconhecer, também, o que o país fez por
mim. Quero dar aos meus irmãos angolanos todas as oportunidades que me foram
dadas.
A nível do futebol, o que gostava de ter feito e não conseguiu, se calhar, devido às lesões que sofreu?
Jogar
no 1º de Agosto ou no Progresso do Sambizanga. Queria acabar a minha carreira
no Progresso, mas, antes disso, queria jogar no 1º de Agosto, por uma razão
muito simples: o meu pai foi do 1º de Agosto e a minha primeira formação, isso
as pessoas não sabem, foi lá também. Eu tinha sete anos. Depois é que fui para
o Progresso, porque a distância da minha casa para o RI20 era muita. Foi por
esta razão que não fiquei no 1º de Agosto. Então, o meu sonho era jogar no 1º
de Agosto pelo menos um ano. Não realizei este sonho.
Está fora dos relvados há uns 10 anos, certo?
Não.
Este ano, vou fazer 13 anos fora dos relvados.
Quem é o Mantorras actualmente?
Uma
pessoa simples, que gosta de estar com a família. Não consumo bebidas
alcoólicas. Nunca gostei.
O que gosta de comer e de beber?
Gosto
de beber a gasosa Fanta, quissângua e de comidas como batata doce, mandioca e
outros quitutes da terra. Quando estou em Angola, só como estas coisas.
Tem alguma comida preferida?
Como de tudo um pouco. Habituei assim o meu estômago, porque eu não tinha o que comer, quando era pobre e miserável. Então, o que aparecia para comer era o que comia. Hoje, que tenho algum dinheiro, continuo a comer de tudo um pouco. Não sou esquisito. Se eu for a casa de alguém e a pessoa comer com as mãos, eu também vou comer com as mãos.
"Eu só comia uma refeição por dia”
Mantorras
sente-se reconhecido como um dos melhores filhos de Angola?
Risos.
Os angolanos é que têm de responder a essa pergunta. Eu, simplesmente, fiz o
que tinha de ser feito, com profissionalismo, dedicação, humildade e sem nunca
ter deixado de ser o que sou: um cidadão angolano que cresceu na periferia.
Nunca vou fugir à minha realidade. O povo angolano é que tem de ver quem é o
Mantorras, para o país e para os angolanos, e se os meus feitos justificam que
eu seja considerado um dos melhores filhos de Angola. Se o senhor governador de
Luanda fez isso, é porque eu mereço.
Vou perguntar de outra maneira: pela maneira como é tratado pelos fãs e pelas pessoas mais chegadas, sente-se uma pessoa querida, alguém especial?
Considero-me especial desde que saí da barriga da minha mãe. E vou dizer-lhe porquê: a minha sobrevivência no Sambizanga já mostra que sou especial. Eu só comia uma refeição por dia. Às vezes, não comia nada. Das milhares de crianças que havia no Sambizanga, eu fui escolhido para jogar num grande clube como o Benfica. Não há como eu não ser especial.
"Tenho
um salário vitalício
É um
homem que saiu de um bairro pobre de Luanda e se impôs como jogador num grande
país, que é Portugal. Continua a viver dos
benefícios do seguro do Benfica?
Eu tenho um salário vitalício. Até eu morrer.
É um bom salário?
Sim.
É um bom salário. Só dois jogadores no mundo receberam este salário. Um foi o
Eusébio e o outro sou eu.
Podemos saber quanto é?
Risos.
Não, mas é um bom salário. Não posso reclamar da vida. Mas, para responder à
sua pergunta, é igual ao que eu recebia quando jogava.
Como vê o futebol hoje, comparando ao praticado na sua época?
Posso ser sincero consigo? Pela forma como o futebol está evoluído, com as qualidades que eu tinha, hoje eu podia ser o melhor ou um dos melhores jogadores de África. Porque as coisas mudaram. Trabalha-se melhor tecnicamente e fisicamente. No meu tempo, era o dom que falava mais alto
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LoginEm entrevista exclusiva ao Jornal de Angola, a ministra da Saúde, Sílvia Lutucuta, fez a radiografia do sector, dando ênfase aos avanços registados em 22 anos de paz. Neste período, houve aumento do número de camas hospitalares, de 13 mil para 41.807, e da rede de serviços de saúde, que tem, actualmente, 3.342 unidades sanitárias, das quais, 19 hospitais centrais e 34 de especialidade. Sobre a realização de transplantes de células, tecidos e órgãos humanos, a ministra disse que, com a inauguração de novas infra-estruturas sanitárias e a formação de equipas multidisciplinares, o país está mais próximo de começar a realizar esses procedimentos
Assume-se como uma jornalista comprometida com o rigor que a profissão exige. Hariana Verás, angolana residente nos Estados Unidos da América há mais de 20 anos, afirma, em exclusivo ao Jornal de Angola, que os homens devem apoiar as mulheres e reconhecer que juntos são mais fortes e capazes de construir uma sociedade equitativa e próspera. A jornalista fala da paixão pela profissão e da sua inspiração para promover as boas causas do Estado angolano, em particular, e de África, em geral.
Por ocasião do Dia Nacional da Juventude, que se assinala hoje, o Jornal de Angola entrevistou o presidente do Conselho Nacional da Juventude (CNJ), Isaías Kalunga, que aconselha os jovens a apostarem no empreendedorismo, como resposta ao desemprego, que continua a ser uma das maiores preocupações da juventude angolana.
No discurso directo é fácil de ser compreendida. Sem rodeios, chama as coisas pelos nomes e cheia de lições para partilhar com as diferentes áreas e classes profissionais. Filomena Oliveira fala na entrevista que concedeu ao Jornal de Angola em Malanje sobre a Feira Agro-industrial, mas muito mais da necessidade de os organismos compreenderem que só interdependentes se chegará muito mais rápido aos objectivos.
O Festival Internacional de Jazz, agendado para decorrer de 30 deste mês a 1 de Maio, na Baía de Luanda, tem já confirmada a participação de 40 músicos, entre nacionais e estrangeiros, e o regresso da exposição de artes visuais com obras de 23 artistas plásticos, anunciou, sexta-feira, em conferência de imprensa, no Centro de Imprensa da Presidência da República, CIPRA, o porta-voz da Bienal de Luanda, Neto Júnior.
A judoca angolana Maria Niangi, da categoria dos -70 kg, consegui o passe de acesso aos Jogos Olímpicos de Verão, Paris'2024, ao conquistar, sexta-feira, a medalha de ouro no Campeonato Africano de Judo que decorre na Argélia.
A representante do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) em Angola, Denise António, destacou, sexta-feira, em Luanda, a importância do Governo angolano criar um ambiente propício para a atracção de mais investidores no domínio das energias renováveis.
O Governo do Bié iniciou a montagem de um sistema de protecção contra descargas atmosféricas nos nove municípios da província, pelo elevado número de pessoas que morreram nas últimas chuvas, devido a este fenómeno, garantiu, sexta-feira, o governador Pereira Alfredo.
Nascido Francis Nwia-Kofi Ngonloma, no dia 21 de Setembro de 1909 ou 1912, como atestam alguns documentos, o pan-africanista, primeiro Primeiro-Ministro e, igualmente, primeiro Presidente do Ghana, mudou a sua identidade para Nkwame Nkrumah, em 1945, com alguma controvérsia envolvendo o ano de nascimento e o nome adoptado.
Em quase toda parte da cidade de Luanda, bem como em outras cidades de Angola, é comum ver mototáxis circulando. Em busca de melhores condições de vida, Augusto Kalunga viu-se obrigado a se tornar um mototaxista, superando o preconceito de familiares e amigos para garantir o sustento da sua família e cobrir outras necessidades.